Musicoterapia: o que é e como funciona

A musicoterapia é uma forma de terapia que utiliza a música e os elementos sonoros como ferramentas para intervir na saúde mental, emocional e física das pessoas. Embora seja uma forma relativamente nova de terapia, a música tem sido usada para curar e acalmar desde tempos antigos.

O uso terapêutico da música pode ser encontrado desde a antiga Grécia. Neste período as doenças estavam envoltas às manifestações da natureza sem explicações científicas e possuíam um caráter psicossomático. Desta forma a música através de sua estrutura dos sons parecia uma fonte promissora para o restabelecimento da harmonia humana.

(Costa, 1989, apud Romão, 2015)

Um Breve Histórico Contemporâneo

Soldados ouvindo música durante a 2ª Guerra Mundial. (Reprodução / NARA [National Archives and Records Administration]).

Acredita-se que a musicoterapia tenha começado a ser praticada formalmente no século XX. Durante a Primeira Guerra Mundial, músicos voluntários tocavam para soldados feridos em hospitais militares. Mais tarde, na Segunda Guerra Mundial, a música foi usada como forma de mudar o estado mental dos soldados e também ajudar os veteranos a lidar com o estresse pós-traumático e outras neuroses relacionadas ao conflito. (Romão, 2015).

“Aproveitando as tecnologias modernas e o potencial da música para entreter, por um lado, e fornecer elevação moral e educação, por outro, os Serviços Especiais do Exército iniciaram os “V-Discs” (o V significava “vitória”) para aumentar o moral da tropa em 1943. V-discs – tipicamente discos de gramofone de 12 polegadas e 78 rpm – podiam conter mais de seis minutos de música por lado e apresentavam seleções populares, folclóricas e clássicas, geralmente gravadas especialmente para soldados. Embalados em caixas à prova d’água completas com agulhas de reposição, mais de 3 milhões de V-discs foram enviados para as tropas americanas. Toca-discos de manivela deram vida ao som gravado.”

(Tradução livre de trecho do texto “War, Vinyl and Print: Music for the Troops during World War II“, de Macklem, 2015)

Na década de 1940, a musicoterapia começou a ser estudada como uma forma de tratamento para pessoas com transtornos mentais e emocionais. Em 1950, o primeiro programa de treinamento formal em musicoterapia foi criado nos Estados Unidos.

No Brasil encontramos o marco do ano de 1968 como o de fundação de duas associações: a Associação Brasileira de Musicoterapia e a Associação Sul Brasileira de Musicoterapia. A partir dos anos 1970 a musicoterapia começou a ganhar espaço em cursos de graduação e centros de formação (Romão, 2015), como o primeiro curso de especialização em musicoterapia que foi oferecido pela Faculdade de Artes do Paraná em 1970 e o primeiro curso de graduação, pelo Conservatório Brasileiro de Música, em 1972 (Puchivailo & Holanda, 2014).

Nos anos 1980 a musicoterapia se desenvolveu na América do Sul, principalmente com os trabalhos e contribuições do argentino Rolando Benezon, que vinha da escola psicanalítica e desenvolveu o conceito de Identidade Sonora (ISO) que diz respeito a um som ou um conjunto de sons e de movimentos internos que caracterizam ou individualizam cada ser humano (Puchivailo & Holanda, 2014), e que também é dividido em ISO gestáltico, ISO cultural, ISO universal, ISO complementário e ISO grupal (Benezon, 1988).

“Esse conjunto de movimento-som condensa os arquétipos sonoros herdados onto e filogeneticamente. Evolutivamente se lhe agregam as vivências sonoro-vibratórias e de movimento durante a vida intra-ulterina, no período gestacional. Mais tarde se enriquece com as experiências vividas durante o parto, nascimento e durante todo o tempo de vida. […] Também pertencem ao ISO universal os sons de inspiração e expiração, o sussurro da voz da mãe, o atrito das paredes uterinas, o fluxo sanguíneo, a água e muitos outros que surgem da natureza e do ser humano na sua evolução”

(Benezon, 1988, p. 34-35)

Para conhecer o histórico desde a antiguidade até meados dos anos 2000, recomendo que leia o artigo “A história da musicoterapia na saúde mental: dos usos terapêuticos da música à musicoterapia“, de Puchivailo & Holanda (2014).

O primeiro artigo publicado na Revista Brasileira de Musicoterapia a respeito da Musicoterapia na Saúde Mental foi “Musicoterapia nas Oficinas Terapêuticas: trilhando e recriando horizontes”, de Claudia Lelis; Lúcia M. Romera, em 1997. As autoras discorrem sobre um projeto interdisciplinar realizado junto à Clínica Psicológica da Universidade Federal de Uberlândia. As oficinas de musicoterapia funcionavam uma vez por semana com os usuários do serviço, e também eram realizadas atividades sonoro-musicais com os estagiários. Segundo as autoras, a oficina era um lugar de reflexão e questionamento a respeito das relações humanas.

(Puchivailo & Holanda, 2014).

Conceitos, Definições e Práticas

Tudo bem, Caio, já entendi que a música compreende potenciais terapêuticos desde a antiguidade, mas afinal, do que se trata a musicoterapia? O que a diferencia de ouvir música ou então das outras terapias?

Na prática, as sessões de musicoterapia trabalham desde a escuta de uma música, até a reprodução, criação e improviso. Dessa forma, não é necessário que o paciente tenha conhecimento sobre a teoria musical ou sobre composição, mas, ainda assim, muitas vezes ele é convidado a tocar ou improvisar algo sonoro e isso tende a envolver instrumentos percussivos ou instrumentos não convencionais, uma vez que esses tendem a ser mais intuitivos. Isso é, se você der um violão (instrumento melódico/harmônico) para alguém que nunca tocou um, ela dificilmente vai conseguir utilizar aquele instrumento para externalizar algo, mas se você entregar tambores, sinos ou até lixas (instrumentos percussivos), essa pessoa terá mais aptidão em produzir um som.

Dito isso, é importante frisar que musicoterapia não é arte. A pessoa não precisa tocar bem um instrumento ou então cantar de forma afinada. O importante são os sons que emergem na sessão e como eles são interpretados dentro do complexo terapeuta-som-paciente.

De acordo com Bruscia (2000), a musicoterapia é, por natureza, transdisciplinar e então envolve elementos tanto do estudo da música quanto do estudo das terapias e abordagens terapêuticas.

MÚSICATERAPIA
PsicoacústicaPsicoterapia
Educação musicalTeoria clínica
EntretenimentoArtesterapias
Sociologia da músicaEducação especial
Quadro resumido com base em Bruscia (2000). Demais elementos e campos de estudo são elencados na publicação original.

Esse mesmo autor definiu a musicoterapia como “um processo sistemático de intervenção em que o terapeuta ajuda o cliente a promover a saúde utilizando experiências musicais e as relações que se desenvolvem através delas como forças dinâmicas de mudança” (Bruscia, 2000). Lendo Ruud (1990), também encontramos uma possível definição: “a mesma consiste numa profissão de tratamento onde o terapeuta usa a música como instrumento ou meio de expressão a fim de iniciar alguma mudança ou processo de crescimento direcionados ao bem-estar pessoal, adaptação social, crescimento adicional ou outros itens“.

Técnicas e Intervenções em Musicoterapia

Bruscia (2000) separou os 4 tipos de experiências musicais com potenciais terapêuticos: improvisação, execução (ou re-criação), composição e audição.

De acordo com um documento da UBAM – União Brasileira das Associações de Musicoterapia (2019), são destacadas e referenciadas 23 técnicas te intervenção em musicoterapia, o que inclui:

  • MATADOC _ Ferramenta de Avaliação para Distúrbios da Consciência (MAGEE et al, 2014, 2015, 2016; O´KELLY & MAGEE, 2013)
  • IMTAP Perfil de Avaliação Individual em Musicoterapia (BAXTER et al, 2007; DA SILVA, 2012)
  • IMCAP-ND __ Perfil de Avaliação Individual Músico-Centrada dos Transtornos de Neurodesenvolvimento (CARPENTE, 2016)
  • Escala ERI _ Avaliação das Relações Intramusicais (FERRARI, 2013)
  • Escala Nordoff-Robbins de Comunicabilidade Musical (ANDRÉ, 2017)
  • CIM – Classificação da Interação Musical (PAVLICEVIC, 1995)
  • 64 técnicas de Improvisação Clínica Musicoterapêutica (BRUSCIA, 1987)
  • 21 técnicas da Musicoterapia Neurológica (THAUT & HOEMBERG, 2015)
  • 38 técnicas da Abordagem Plurimodal de Musicoterapia (SCHAPIRA, 2007)
  • BMGIM _ Método Bonny de Imagens Guiadas e Música (BONNY e SAVARY, 1973; BONNY, 2002; BARCELLOS, 1999; GROCKE e MOE, 2015)

Para consultar as referências dessas ferramentas e as demais técnicas, ver o texto Justificativa Para Projetos de Musicoterapia, da UBAM.

Por Fim

Por meio da música, os pacientes podem se expressar, explorar emoções, relaxar e desenvolver habilidades sociais e cognitivas. Além disso, a música tem a capacidade de ativar áreas do cérebro relacionadas à memória, à linguagem e às emoções, o que pode ser especialmente benéfico para pacientes com lesões cerebrais e demências. Dessa forma, diferentemente do tradicional consultório de psicologia onde costumamos receber paciente em conflito com suas neuroses, na musicoterapia também encontramos muitos perfis psicóticos, autistas e pessoas buscando reabilitação ou enfrentando problemas do neurodesenvolvimento.

Referências

Benezon, R. (1988). Teoria da musicoterapia: contribuição ao conhecimento do contexto não-verbal. São Paulo: Summus.

Bruscia, K. E. (2000). Definindo musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros.

Puchivailo, M. C. & Holanda, A. (2014). A história da musicoterapia na saúde mental: dos usos terapêuticos da música à musicoterapia. Brazilian Journal of Music Therapy, (16). Recuperado de https://musicoterapia.revistademusicoterapia.mus.br/index.php/rbmt/article/view/230

Macklem, Mary. (2015). War, Vinyl and Print: Music for the Troops during World War II. National Endowment for the Humanities. (Acessado em 14/03/2023). Disponível aqui: https://www.neh.gov/divisions/research/featured-project/war-vinyl-and-print-music-the-troops-during-world-war-ii

Romão, S. L. S. (2015). Os diferentes caminhos da música – um olhar sobre a musicoterapia. Colloquium Humanarum, vol. 12, n. Especial, 2015, p. 1713-1720. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2015.v12.nesp.000801

Ruud, E.. (1990). Caminhos da musicoterapia. São Paulo: Summus.

UBAM (2019). Justificativa para projetos de musicoterapia. (Acessado em 14/03/2023). Disponível aqui: https://ubammusicoterapia.com.br/wp-content/uploads/2021/05/Justificativa-para-Projetos-de-Musicoterapia.pdf

por Caio Ferreira

Minhas melhores leituras de 2022

Recomendações de leitura para o teu ano 🙂

Durante a pandemia, voltei ao antigo hábito de leitura voraz. Tem sido tão interessante que no início de 2022, fiz minha lista de melhores leituras do ano anterior, muito mais como um exercício de reflexão para mim mesmo. Decidi repetir a dose, então aqui vão as melhores obras que encontrei no último ano.

Não diria que há necessariamente uma ordem gradativa de qualidade, algo como “do pior ao melhor”, mas sim obras que me afetaram

Tive leituras fascinantes em diversos gêneros. Ficção, Não-Ficção e Histórias em Quadrinhos. A lista a seguir tenta abranger um pouco de tudo.

O Homem que passeia, mangá por Jiro Taniguchi

O estilo de Taniguchi é incomparável. Sempre reflexivo e calmo, ler uma obra do Taniguchi tem um efeito de uma sessão de meditação zen. Parar e observar o mundo à sua volta trazem efeitos de pertencimento e organização, e isso é o objetivo da maioria das obras de Taniguchi.

Nessa história acompanhamos justamente o que o título sugere: Um homem que passeia e explora diversas regiões próximas a sua casa, se deixando levar e estar, verdadeiramente no lugar. Aberto às experiências, pessoas e aventuras possíveis em cada situação.

O traço de Taniguichi é leve e refrescante. Não foi a única obra do autor que li no último ano. Na verdade, acredito que foi o autor com mais obras no último ano. Dele li também: “Um Bairro Distante”, “Tokyo Killers”, “O Gourmet Solitário”, “Zoo no Inverno” e “Guardiões do Louvre”.

Recomendo também o vídeo do Pipoca e Nanquim comentando a obra:

Alack Sinner – José Muñoz e Carlos Sampayo

Alack Sinner foi um acontecimento no meu ano. Uma história que me pegou desprevenido e que foi crescendo com o seu desenrolar.

A combinação da arte de José Muñoz e o texto de Carlos Sampayo são o máximo que se pode pedir de uma obra noir. Recheado de referências ao universo do Jazz e Nova York do final dos anos 1970 e início dos anos 1980.

Na obra acompanhamos um detetive particular, Alack após ter saído, desiludido, da força policial. Uma história que poderia parecer de início como qualquer outra sobre violência, corrupção e crimes, passa a ser sobre a vida, sobre as complexidades e camadas de cinza da vida humana. Da condição humana.

Uma arte que me foi estranha inicialmente, me ganhou quando entendi a proposta expressiva da obra. Os traços reforçam os acontecimentos e os estados internos dos personagens.

Aqui temos o vídeo da época de lançamento pela editora Pipoca e Nanquim dando mais contexto à obra:

O Marinheiro que perdeu as graças do Mar – Yukio Mishima

Um dos últimos livros lidos no ano passado me trouxe uma impressão muito positiva da escrita de Yukio Mishima, autor japonês premiado e lido em todo o mundo. Cheguei tarde nesse autor, eu sei, mas suponho que nunca é tarde para conhecer boa literatura.

Aqui acompanhamos a história de Ryuji Tsukazaki (O marinheiro que perdeu as graças do mar), e sua relação com a família Kuroda. Fusako, a mãe e Noboru, o filho. Seu propósito de vida, lugar no mundo e relação com o feminino são discutidos à minúcia.

Temas como a descoberta da sexualidade na adolescência, a sensação de impotência e castração são discutidos aqui. Sem falar de toda a temática do luto e recomeço, presentes na personagem da mãe.

Recomendo aqui a entrevista concedida em 1969:

O livro de Areia – Jorge Luis Borges

Envergonhado de dizer que este foi o meu primeiro contato com a obra de Borges (mas não o único lido no ano, ao menos), tão elogiada mundo à fora. Pudera, suas influências passeiam pelas coisas que amo: Lovecraft, Poe e Kafka.

Essa coletânea conta com alguns dos melhores textos curtos que já li. Notadamente: “O Outro”, “Utopia de um Homem que está cansado”, “O Disco” e o texto que dá nome à antologia, “O livro de Areia”.

O estilo de Borges é muito conversacional, muito fluido e envolvente. Ele mistura fantasia e realidade muito bem, com um arcabouço de referências literárias interessantíssimas.

Recomendo esse trecho de uma entrevista concedida em 1980, onde Borges comenta sobre o amor e amizade:

O Oráculo da Noite – Sidarta Ribeiro

Primeiro de não-ficção que li no ano e já ficou como um dos melhores. A vasta pesquisa de Sidarta Ribeiro sobre a função e o funcionamento do sonho e do sonhar devem ser tidos como obra obrigatória em qualquer curso de Psicologia moderno.

Sidarta nos pega pela mão e conduz através da história e do papel do Sonho na cultura ocidental, desde civilizações antigas (Egito e Grécia, por exemplo), até os mais recentes estudos da neurociência. O mais interessante para mim: ele não descarta a psicanálise, mas sim a aproxima como um complemento dos conceitos da biologia, medicina, neurofisiologia e da própria neurociência.

Aqui vemos como o sonho molda a nossa experiência desperta. Me peguei particularmente fascinado com a temática de sonhos na antiguidade. Como seria a percepção de alguém no Paleolítico, ao acordar de um sonho vívido e se perceber de volta a sua cama?

Isso me lembra o famoso problema filosófico de Chuang Tzu (filósofo taoísta), que ao sonhar que era uma borboleta, passeando pelos campos que acabara de percorrer, vendo as mesmas coisas que vira durante aquele dia.

Ele acorda e se depara com a pergunta: “Quem sou eu?”.

“Sou um homem que sonhou que era uma borboleta? Ou sou uma borboleta sonhando que se transformou em um homem?”

Interessante notar que li essa obra na mesma época em que estava descobrindo as páginas de Sandman, outro primor dos quadrinhos escritos por Neil Gaiman, que explora o tema do Sonhar por outro ângulo. Definitivamente deve aparecer entre os melhores de 2023 (desde que eu consiga terminar a saga principal até o fim do ano).

Recomendo essa edição do Roda Viva, com a participação do autor:

Menções Honrosas:

Bom, essas foram as recomendações e destaques do ano de 2022 para mim. Ansioso para saber as suas melhores leituras do ano que passou e sempre aceito recomendações, deixe-as nos comentários.

Até a próxima,

Por Igor Banin

Palavras-Chave: Leitura, livros, recomendações de leitura, melhores livros, melhores leituras, literatura, quadrinhos, graphic novel, HQ’s.

Keywords: Reading, books, reading recommendations, best books, best readings, literature, comics, graphic novel, comics.

O Experimento de Duchenne: um dos primeiros estudos com fotografia em psicologia

Duchenne e paciente; Duchenne experimento estudo
Duchenne e seu paciente mais ilustre no estudo de 1862.

No ano de 1862 um neurologista francês publicou um trabalho de pesquisa chamado “Os Mecanismos da Expressão Facial Humana” (Mécanisme de la Physionomie Humaine), onde buscou estudar expressões faciais associadas à emoções e sentimentos. Esse estudo foi conduzido por G.-B. Duchenne (1806 – 1875) que estimulou eletricamente, de forma isolada e combinada, os músculos faciais de sujeitos, relatando então as alterações de aparência por meio de extensas considerações e registrando-as por meio de fotografias. (Duchenne, 1862).

Embora essa obra só tenha sido publicada em 1862, Duchenne se interessava e estudava a estimulação elétrica desde 1835, debruçando-se sobre patologias como atrofias e distrofias musculares, e propondo técnicas de manejo/intervenção frente a elas. Chegou a publicar, inclusive, um trabalho em 1855 chamado “Sobre eletrificação localizada e sua aplicação na terapia” (De l’électrisation localisée et de son application à la thèrapeutique). Em sua carreira, encontramos mais de 90 trabalhos entre artigos e livros, sendo que a obra que lidamos nesse texto é considerada o primeiro estudo sobre a fisiologia da emoção (Maranhão-Filho & Vincent, 2019).

Em 1835, Duchenne questionou por que uma corrente elétrica produzia uma contração muscular localizada. Sua curiosidade logo se tornou uma obsessão. Ele percebeu que poderia estimular os músculos usando dois eletrodos metálicos (reóforos) aplicados na pele úmida. Ele construiu pacientemente seu próprio instrumento de indução de corrente farádica para estimulação de músculos e nervos. [..] As contribuições de Duchenne incluíram trabalhos sobre o uso da fotografia da histologia microscópica, ataxia locomotora tabética (confundida com a ataxia de Friedreich na época), lesões de células do corno anterior, que causavam poliomielite aguda, e paralisia glosso-labial-laríngea (paralisia bulbar). Ele foi o primeiro clínico a realizar biópsias musculares com a invenção que chamou de l’emporte-pièce (cortador de biscoito).

(Maranhão-Filho, & Vincent, 2019, tradução livre).

O Experimento de Duchenne

Buscando em autores como Platão, Aristóteles, Cícero, Descartes, Hobbes etc, Duchenne elaborou uma lista com 73 termos afetivos, o que inclui estado como: admiração, raiva, tédio, coragem, curiosidade, desejo, nojo, embriaguez, ódio, alegria, risada, amor, esperança, tristeza, medo, surpresa, vergonha, desprezo, entusiasmo, inveja, ciúme, orgulho, dor…

Seu estudo classificou 33 expressões faciais derivadas da estimulação eletrofisiológica, discriminando o músculo ou o conjunto de músculos que produzem a respectiva alteração de aparência. As expressões catalogadas por Duchenne foram: atenção, reflexão, meditação, concentração mental, dor, agressão ou ameaça, choro com lágrimas quentes, choro moderado, alegria, riso, riso falso, ironia ou riso irônico, tristeza ou desânimo, desdém ou nojo, dúvida, desprezo ou escárnio, surpresa, espanto, estupefação, admiração ou surpresa agradável, susto, terror, terror com dor ou tortura, raiva, levado por raiva feroz, reflexão triste, reflexão agradável, alegria feroz, lascívia, delírio sensual, êxtase, grande dor com lágrimas e aflição, dor com desânimo ou desespero

Para qualquer desforra frente as traduções livres, seguem os termos empregados na edição inglesa (uma vez que esse livro não conta com tradução para língua portuguesa): attention, reflection, meditation, intentness of mind, pain, aggression or menace, weeping with hot tears, moderate weeping, joy, laughter, false laughter, irony or ironic laughter, sadness or despondency, disdain or disgust, doubt, contempt or scorn, surprise, astonishment, stupefaction, admiration or agreeable surprise, fright, terror, terror with pain or torture, anger, carried away by ferocious anger, sad reflection, agreeable reflection, ferocious joy, lasciviousness, sensual delirium, ecstasy, great pain with tears and affliction, pain with despondency or despair).

Os resultados gerais do estudo catalogaram diversas alterações de aparência decorrentes dos movimentos musculares, contemplando 84 pranchas individuais e 9 pranchas sinóticas que também abordam outros estados afetivos e expressivos para além do 33 catalogados. Vale dizer também o pesquisador anestesiava seus pacientes antes das sessões e que seu sujeito mais ilustre ficou conhecido como homem velho desdentado (old toothless man) e possuía uma condição patológica peculiar que não lhe permitia sentir qualquer dor na região da face, caracterizando-se assim como a cobaia perfeita para esse estudo.

Homem Velho Desdentado e o Sorriso Duchenne

Foi inclusive com esse sujeito que Duchenne estudou uma das mais importantes expressões humanas, o sorriso, onde encontrou considerações relevantes sobre o que até hoje é conhecido como sorriso verdadeiro (Duchenne smile) e sorriso falso (non-Duchenne smile). O pesquisador descobriu que os sorrisos falsos/simulados envolvem a contração do músculo zigomático maior, que puxa o canto dos lábios para trás e para cima, enquanto os sorrisos genuínos/espontâneos envolvem esse músculo e também a contração do orbicular do olho, elevando as bochechas e apertando as pálpebras (ação que ficou conhecida como o marcador de Duchenne). Mais sobre esse tópico você pode encontrar clicando no texto “Sorriso Falso e Sorriso Verdadeiro (Duchenne Smile)” que escrevi para o blog do CICEM.

O espírito é, portanto, a fonte de expressão. Ativa os músculos que retratam nossas emoções no rosto com padrões característicos. Consequentemente, as leis que governam as expressões do rosto humano podem ser descobertas pelo estudo da ação muscular.

(Duchenne, 1862, tradução livre)

Por curiosidade, como costumamos lembrar e ensinar que S. Freud estudou com M. Charcot, por sua vez, Charcot foi aluno de Duchenne 😉

Você também pode ver outras pranchas do estudo e saber mais sobre com o vídeo a seguir:

Referências e Recomendações

Darwin, C. (2009). A expressão das emoções no homem e nos animais. (Leon de Souza Lobo Garcia, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1872).

Duchenne, G. B. A. (1862). Mécanisme de la physionomie humaine [The mechanism of human facial expression]. Cambridge University Press: 1990.

Ferreira, C (2018). Sorriso Falso e Sorriso Verdadeiro (Duchenne Smile). CICEM.

Joaquim, R. M. (2021). Neuropsicologia das emoções: caracterização, expressão facial & aspectos psicopatológicos. Belo Horizonte: Editora Ampla, 2021.

Maranhão-Filho, P. & Vincent, M. (2019). Guillaume-Benjamin Duchenne: a miserable life dedicated to science. Arquivos de Neuro-Psiquiatria [online]. 2019, v. 77, n. 6 [Accessed 25 October 2022] , pp. 442-444. Available from: https://doi.org/10.1590/0004-282X20190044. Epub 15 00 2019. ISSN 1678-4227.

Curso EAD: Fundamentos da Expressão Facial da Emoção. CICEM.

Por Caio Ferreira

Bons estudos!!

O papel do Dia das Crianças para adultos

O dia 12 de outubro é conhecido no Brasil como Dia das Crianças, o dia em que celebramos este período da existência onde somos livres (ou deveríamos ser) para brincar, sonhar, criar e destruir, tudo com um punhado de brinquedos e muita imaginação.

Hoje busco uma reflexão de como essa data pode ser importante para adultos, para muito além do ato de presentear os pequenos, mas para resgatar sua própria criança, ou tudo que ela gostaria que você continuasse sendo. Então neste dia observe, veja em cada criança a espontaneidade, a ausência de culpa, de malícia, veja como a vida é sempre leve como uma brincadeira e como cada dor pode desaparecer um segundo após a queda. Onde nos perdemos?

Nós adultos, responsáveis e sabedores das coisas, acabamos por criar uma ou adotar sistemas de vida que não são nossos, aceitamos do mundo e da sociedade as diversas “facilidades” de vida que cobram um preço alto demais, nossa autenticidade, o melhor que sua infância tinha para lhe dar, por isso, neste dia vamos prestar atenção nas crianças.

O filósofo Friedrich Nietzsche, pontuou sobre como a criança é um espírito livre, como a sua pura vontade, espontaneidade e verdade são a mais profunda afirmação da vida, e elas demonstram como o desejo de querer a felicidade não precisa ser carregado de culpa. Elas esquecem as dores, e até mesmo as surras, elas seguem em frente e brincam mais uma vez.

Pautadas em sua imaginação a criança cria universos, e logo em seguida os destrói, se sente livre para pintar a realidade da cor que achar melhor, a criança vive profundamente sua vontade, de maneira muito espontânea. E essa maneira de viver faz com que seja pra elas impossível de compreender o adulto, pois a criança apenas faz, ela age por seus motivos, porque quer, e não submete isso a nenhum sistema moral previamente, ela vive seu momento com o que ele tem a oferecer.

E nós, adultos que buscamos viver os “bons costumes”, e isso é segundo Nietzsche o caminho para se sufocar, cada vez mais carregado de bagagem social, a pessoa se afoga em si mesma, e perde totalmente aquela espontaneidade da criança, vive o esperado, o designado e deixa de criar realidades, deixa de colorir a própria vida.

“A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação”. (NIETZSCHE, 2004)

E é isso que o filósofo enxerga na humanidade, para Nietzsche a vida humana é vontade de potência, é nossa complexidade de sentimentos, desejos e vontades nos impulsionando para encontrar nossa satisfação e felicidade, para conquistar, para criar, para dominar, de ser senhor de si mesmo e determinar sua realidade com sua criatividade, vontade e esforço. E dentro do fluxo caótico do universo, nós podemos ser crianças, criando, dando sentido e quando necessário, destruindo e começando tudo novamente, sem pesar pelo recomeço, mas sim com muita alegria no coração.

 NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do porvir. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo, Comp. das Letras, 2003.

 NIETZSCHE, F. Assim Falou Zarathustra. Martin Claret: São Paulo, 2004

Atenciosamente,

Psi. Patrício Lauro

Tornar-se saudável e sustentável. Um recorte de algumas responsabilidades em torno do cuidar e do envelhecer.

Considerando o aumento de quadros vinculados a Síndrome de Burnout, Diabetes, Hipertensão e até mesmo do Câncer, torna-se necessário questionar sobre os caminhos possíveis para prevenção e manutenção da saúde.

Atualmente, ressalta-se o aumento da perspectiva de vida, tornando possível uma longevidade maior, em função do avanço da tecnologia e da eficácia dos medicamentos. Porém, em contrapartida, também há uma grande possibilidade de que futuramente, cada vez mais haverá um número maior de pessoas com antecedentes mórbidos e com a necessidade de fazerem uso de medicações.

Desta forma citada acima, é de extrema importância abordar sobre alguns questionamentos, tais como: como evitar doenças possivelmente evitáveis? Como cultivar uma vida mais longa e com mais qualidade de vida? Como preservar a saúde? Quem (quais) cuida é (são) o(s) responsável(eis) pelo cuidado com a saúde?

E pensando em tais questionamentos e possível cenário futuro, foram selecionados 3 vídeos TEDx Talks, disponíveis no Youtube. As apresentações sinalizam, refletem, conscientizam e sensibilizam sobre a importância de se responsabilizar pelo cuidado diário com a própria saúde.

Saúde Integral: nossa essência – por Luciana Costa

A reflexão abordada pela Dra. Luciana, sinaliza sobre as estatísticas atuais em torno da saúde mundial. E em paralelo, ela instiga a um importante convite para assumir um cuidado preventivo com a saúde, ainda que se viva em meio à dinâmica dos centros urbanos.

O convite ressalta sobre o valor da Saúde Integral, considerando algumas práticas diárias, que garantam a sustentabilidade do ser humano. Entre estas práticas, ela cita sobre:

  • a manutenção de uma alimentação natural, integral e orgânica. Além de, cultivar o alimento emocional, como sinônimo de refeições cercadas de bem-estar e afeto, de modo consciente e equilibrado
  • o consumo de água como um importante recurso para vitalidade das células do organismo
  • o sono reparador, considerando suas necessidades para que ele aconteça. Como exemplo: não comer em excesso no período noturno. E comer até o horário das 20h.
  • a prática de alongamentos e de exercícios físicos.

Co-criação de saúde – por Leonardo Aguiar

Neste segundo vídeo selecionado, o Dr. Leonardo enfatiza inicialmente sobre a tendência natural das pessoas se ausentarem da responsabilidade com o cuidado da própria saúde. Tal tendência, segundo ele, reflete na origem dos problemas.

O comprometimento em colocar em prática aquilo que se sabe com o que se que se pensa, em torno de um olhar que considera a construção de hábitos diários e até mesmo a vivência de um estilo de vida que também prioriza saúde e bem-estar, tende a ser um significativo caminho para não mais cuidar apenas dos sintomas das doenças. Mas também como uma importante alternativa para evitar que certos processos de adoecimentos ocorram.

Ao longo de sua apresentação, o Dr. Leonardo utilizou como referência um caso clínico que acompanhou em seu próprio consultório. Em sua abordagem clínica, ele optou por um tratamento cercado de profissionais de diferentes e complementares especialidades, apostando e percebendo os efeitos de um cuidado integral.

Um dos pontos ressaltados pelo senhor Aguiar, também foi sobre a necessidade de cuidar das questões emocionais, como parte integrante deste movimento de se conscientizar e responsabilizar-se pelo cuidado da própria saúde.

Saúde como um ato de amor – por Maitê César

“Viver a vida que quero viver. E não a que poderia ter sido vivida.” De acordo com a Dra. Maitê, este tende a ser o possível resultado de uma vida cercada de conscientização, responsabilidade e amor, direcionados ao objetivo de evitar certos adoecimentos.

Assim como Dra. Maitê, ela também ressalta sobre os benefícios de cultivar uma alimentação equilibrada, como fonte de nutrição ao corpo, à vida e ao próprio bem-estar.

Em sua reflexão, a doutora instiga a sensibilização perante os seguintes aspectos na vida diária:

  • autocuidado, como um modo de se relacionar consigo mesmo.
  • alimentação e metabolismo com manejos equilibrados.
  • cuidado com a saúde intestinal, considerando o sistema digestivo como fonte de imunidade e bem-estar.
  • a prática de medidas diárias que minimizem o estresse e preservem o repouso.
  • o gesto de se amar, como uma atitude atenta, consciente, acolhedora e responsável consigo mesmo.

O que há em comum nestes estudos atuais sobre o cuidado com a saúde?

Alguns pontos em comuns foram facilmente observados nas apresentações destes profissionais de saúde. Entre estes pontos, é possível considerar a importância em assumir um estilo de vida que propicia a proximidade com o conhecimento, a atenção e a prática de hábitos que sustente o cuidado integral com a saúde.

Cuidar dos sintomas após a instauração das doenças tende a não ser o único caminho pertinente a manutenção da saúde. Mas adotar hábitos que potencializam o evitar de certas doenças é um caminho eficaz para uma vida sustentável e saudável.

Contar com o apoio e acompanhamento de profissionais de diferentes e complementares áreas também é uma das características deste cuidado integral.

O que fica de lição de casa?

Ao ser humano, assim como eu, fica esta oportunidade de aprender, ressignificar, se conscientizar e se sensibilizar com os processos que todos estão convidados a viver, como: o envelhecimento, nosso potencial para o adoecimento e sobre a própria finitude.

Neste sentido, é de extrema importância acolher as próprias demandas emocionais e perceber aquilo que se pensa, acredita e espera de si e da vida, enquanto a vivencia. Adotar uma postura afetiva e responsável com o as escolhas e com a construção da própria história de vida, pode ser um caminho sustentável para preservar a natureza mutável e finita que se é.

Muitas situações são possíveis de serem evitadas, e muitas outras podem ser melhoradas. Entre as que podem ser melhoradas, observo que as orientações e as condutas adotadas pelos profissionais de saúde, também são de uma extrema importância social.  A estes profissionais, os cabe assumir e fortalecer as responsabilidades em prol de um cuidado preventivo e integral.

A tudo e a todos, um caminhar gradual. Um primeiro passo e depois o outro. Por aqui, algumas informações breves e iniciais. Apenas uma iniciativa, um olhar e um convite. Mas para seguir neste caminhar, vamos continuar?

Por Tayna Wasconcellos Damaceno.

Referências

Diabetes, hipertensão e obesidade avançam entre os brasileiros. UNA-SUS, 2020.

Disponível aqui. – Acesso em 28/08/2022.

OMS revela principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo entre 2000 e 2019. Nações Unidas Brasil, 2020.

Disponível aqui. – Acesso em 28/08/2022.

SALES, Amanda. Síndrome de burnout: especialistas explicam processo de ‘esgotamento’ físico e mental no trabalho. G1-DF, 2022.

Disponível aqui. – Acesso em 28/08/2022.