Musicoterapia: o que é e como funciona

A musicoterapia é uma forma de terapia que utiliza a música e os elementos sonoros como ferramentas para intervir na saúde mental, emocional e física das pessoas. Embora seja uma forma relativamente nova de terapia, a música tem sido usada para curar e acalmar desde tempos antigos.

O uso terapêutico da música pode ser encontrado desde a antiga Grécia. Neste período as doenças estavam envoltas às manifestações da natureza sem explicações científicas e possuíam um caráter psicossomático. Desta forma a música através de sua estrutura dos sons parecia uma fonte promissora para o restabelecimento da harmonia humana.

(Costa, 1989, apud Romão, 2015)

Um Breve Histórico Contemporâneo

Soldados ouvindo música durante a 2ª Guerra Mundial. (Reprodução / NARA [National Archives and Records Administration]).

Acredita-se que a musicoterapia tenha começado a ser praticada formalmente no século XX. Durante a Primeira Guerra Mundial, músicos voluntários tocavam para soldados feridos em hospitais militares. Mais tarde, na Segunda Guerra Mundial, a música foi usada como forma de mudar o estado mental dos soldados e também ajudar os veteranos a lidar com o estresse pós-traumático e outras neuroses relacionadas ao conflito. (Romão, 2015).

“Aproveitando as tecnologias modernas e o potencial da música para entreter, por um lado, e fornecer elevação moral e educação, por outro, os Serviços Especiais do Exército iniciaram os “V-Discs” (o V significava “vitória”) para aumentar o moral da tropa em 1943. V-discs – tipicamente discos de gramofone de 12 polegadas e 78 rpm – podiam conter mais de seis minutos de música por lado e apresentavam seleções populares, folclóricas e clássicas, geralmente gravadas especialmente para soldados. Embalados em caixas à prova d’água completas com agulhas de reposição, mais de 3 milhões de V-discs foram enviados para as tropas americanas. Toca-discos de manivela deram vida ao som gravado.”

(Tradução livre de trecho do texto “War, Vinyl and Print: Music for the Troops during World War II“, de Macklem, 2015)

Na década de 1940, a musicoterapia começou a ser estudada como uma forma de tratamento para pessoas com transtornos mentais e emocionais. Em 1950, o primeiro programa de treinamento formal em musicoterapia foi criado nos Estados Unidos.

No Brasil encontramos o marco do ano de 1968 como o de fundação de duas associações: a Associação Brasileira de Musicoterapia e a Associação Sul Brasileira de Musicoterapia. A partir dos anos 1970 a musicoterapia começou a ganhar espaço em cursos de graduação e centros de formação (Romão, 2015), como o primeiro curso de especialização em musicoterapia que foi oferecido pela Faculdade de Artes do Paraná em 1970 e o primeiro curso de graduação, pelo Conservatório Brasileiro de Música, em 1972 (Puchivailo & Holanda, 2014).

Nos anos 1980 a musicoterapia se desenvolveu na América do Sul, principalmente com os trabalhos e contribuições do argentino Rolando Benezon, que vinha da escola psicanalítica e desenvolveu o conceito de Identidade Sonora (ISO) que diz respeito a um som ou um conjunto de sons e de movimentos internos que caracterizam ou individualizam cada ser humano (Puchivailo & Holanda, 2014), e que também é dividido em ISO gestáltico, ISO cultural, ISO universal, ISO complementário e ISO grupal (Benezon, 1988).

“Esse conjunto de movimento-som condensa os arquétipos sonoros herdados onto e filogeneticamente. Evolutivamente se lhe agregam as vivências sonoro-vibratórias e de movimento durante a vida intra-ulterina, no período gestacional. Mais tarde se enriquece com as experiências vividas durante o parto, nascimento e durante todo o tempo de vida. […] Também pertencem ao ISO universal os sons de inspiração e expiração, o sussurro da voz da mãe, o atrito das paredes uterinas, o fluxo sanguíneo, a água e muitos outros que surgem da natureza e do ser humano na sua evolução”

(Benezon, 1988, p. 34-35)

Para conhecer o histórico desde a antiguidade até meados dos anos 2000, recomendo que leia o artigo “A história da musicoterapia na saúde mental: dos usos terapêuticos da música à musicoterapia“, de Puchivailo & Holanda (2014).

O primeiro artigo publicado na Revista Brasileira de Musicoterapia a respeito da Musicoterapia na Saúde Mental foi “Musicoterapia nas Oficinas Terapêuticas: trilhando e recriando horizontes”, de Claudia Lelis; Lúcia M. Romera, em 1997. As autoras discorrem sobre um projeto interdisciplinar realizado junto à Clínica Psicológica da Universidade Federal de Uberlândia. As oficinas de musicoterapia funcionavam uma vez por semana com os usuários do serviço, e também eram realizadas atividades sonoro-musicais com os estagiários. Segundo as autoras, a oficina era um lugar de reflexão e questionamento a respeito das relações humanas.

(Puchivailo & Holanda, 2014).

Conceitos, Definições e Práticas

Tudo bem, Caio, já entendi que a música compreende potenciais terapêuticos desde a antiguidade, mas afinal, do que se trata a musicoterapia? O que a diferencia de ouvir música ou então das outras terapias?

Na prática, as sessões de musicoterapia trabalham desde a escuta de uma música, até a reprodução, criação e improviso. Dessa forma, não é necessário que o paciente tenha conhecimento sobre a teoria musical ou sobre composição, mas, ainda assim, muitas vezes ele é convidado a tocar ou improvisar algo sonoro e isso tende a envolver instrumentos percussivos ou instrumentos não convencionais, uma vez que esses tendem a ser mais intuitivos. Isso é, se você der um violão (instrumento melódico/harmônico) para alguém que nunca tocou um, ela dificilmente vai conseguir utilizar aquele instrumento para externalizar algo, mas se você entregar tambores, sinos ou até lixas (instrumentos percussivos), essa pessoa terá mais aptidão em produzir um som.

Dito isso, é importante frisar que musicoterapia não é arte. A pessoa não precisa tocar bem um instrumento ou então cantar de forma afinada. O importante são os sons que emergem na sessão e como eles são interpretados dentro do complexo terapeuta-som-paciente.

De acordo com Bruscia (2000), a musicoterapia é, por natureza, transdisciplinar e então envolve elementos tanto do estudo da música quanto do estudo das terapias e abordagens terapêuticas.

MÚSICATERAPIA
PsicoacústicaPsicoterapia
Educação musicalTeoria clínica
EntretenimentoArtesterapias
Sociologia da músicaEducação especial
Quadro resumido com base em Bruscia (2000). Demais elementos e campos de estudo são elencados na publicação original.

Esse mesmo autor definiu a musicoterapia como “um processo sistemático de intervenção em que o terapeuta ajuda o cliente a promover a saúde utilizando experiências musicais e as relações que se desenvolvem através delas como forças dinâmicas de mudança” (Bruscia, 2000). Lendo Ruud (1990), também encontramos uma possível definição: “a mesma consiste numa profissão de tratamento onde o terapeuta usa a música como instrumento ou meio de expressão a fim de iniciar alguma mudança ou processo de crescimento direcionados ao bem-estar pessoal, adaptação social, crescimento adicional ou outros itens“.

Técnicas e Intervenções em Musicoterapia

Bruscia (2000) separou os 4 tipos de experiências musicais com potenciais terapêuticos: improvisação, execução (ou re-criação), composição e audição.

De acordo com um documento da UBAM – União Brasileira das Associações de Musicoterapia (2019), são destacadas e referenciadas 23 técnicas te intervenção em musicoterapia, o que inclui:

  • MATADOC _ Ferramenta de Avaliação para Distúrbios da Consciência (MAGEE et al, 2014, 2015, 2016; O´KELLY & MAGEE, 2013)
  • IMTAP Perfil de Avaliação Individual em Musicoterapia (BAXTER et al, 2007; DA SILVA, 2012)
  • IMCAP-ND __ Perfil de Avaliação Individual Músico-Centrada dos Transtornos de Neurodesenvolvimento (CARPENTE, 2016)
  • Escala ERI _ Avaliação das Relações Intramusicais (FERRARI, 2013)
  • Escala Nordoff-Robbins de Comunicabilidade Musical (ANDRÉ, 2017)
  • CIM – Classificação da Interação Musical (PAVLICEVIC, 1995)
  • 64 técnicas de Improvisação Clínica Musicoterapêutica (BRUSCIA, 1987)
  • 21 técnicas da Musicoterapia Neurológica (THAUT & HOEMBERG, 2015)
  • 38 técnicas da Abordagem Plurimodal de Musicoterapia (SCHAPIRA, 2007)
  • BMGIM _ Método Bonny de Imagens Guiadas e Música (BONNY e SAVARY, 1973; BONNY, 2002; BARCELLOS, 1999; GROCKE e MOE, 2015)

Para consultar as referências dessas ferramentas e as demais técnicas, ver o texto Justificativa Para Projetos de Musicoterapia, da UBAM.

Por Fim

Por meio da música, os pacientes podem se expressar, explorar emoções, relaxar e desenvolver habilidades sociais e cognitivas. Além disso, a música tem a capacidade de ativar áreas do cérebro relacionadas à memória, à linguagem e às emoções, o que pode ser especialmente benéfico para pacientes com lesões cerebrais e demências. Dessa forma, diferentemente do tradicional consultório de psicologia onde costumamos receber paciente em conflito com suas neuroses, na musicoterapia também encontramos muitos perfis psicóticos, autistas e pessoas buscando reabilitação ou enfrentando problemas do neurodesenvolvimento.

Referências

Benezon, R. (1988). Teoria da musicoterapia: contribuição ao conhecimento do contexto não-verbal. São Paulo: Summus.

Bruscia, K. E. (2000). Definindo musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros.

Puchivailo, M. C. & Holanda, A. (2014). A história da musicoterapia na saúde mental: dos usos terapêuticos da música à musicoterapia. Brazilian Journal of Music Therapy, (16). Recuperado de https://musicoterapia.revistademusicoterapia.mus.br/index.php/rbmt/article/view/230

Macklem, Mary. (2015). War, Vinyl and Print: Music for the Troops during World War II. National Endowment for the Humanities. (Acessado em 14/03/2023). Disponível aqui: https://www.neh.gov/divisions/research/featured-project/war-vinyl-and-print-music-the-troops-during-world-war-ii

Romão, S. L. S. (2015). Os diferentes caminhos da música – um olhar sobre a musicoterapia. Colloquium Humanarum, vol. 12, n. Especial, 2015, p. 1713-1720. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2015.v12.nesp.000801

Ruud, E.. (1990). Caminhos da musicoterapia. São Paulo: Summus.

UBAM (2019). Justificativa para projetos de musicoterapia. (Acessado em 14/03/2023). Disponível aqui: https://ubammusicoterapia.com.br/wp-content/uploads/2021/05/Justificativa-para-Projetos-de-Musicoterapia.pdf

por Caio Ferreira

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