O Experimento de Duchenne: um dos primeiros estudos com fotografia em psicologia

Duchenne e paciente; Duchenne experimento estudo
Duchenne e seu paciente mais ilustre no estudo de 1862.

No ano de 1862 um neurologista francês publicou um trabalho de pesquisa chamado “Os Mecanismos da Expressão Facial Humana” (Mécanisme de la Physionomie Humaine), onde buscou estudar expressões faciais associadas à emoções e sentimentos. Esse estudo foi conduzido por G.-B. Duchenne (1806 – 1875) que estimulou eletricamente, de forma isolada e combinada, os músculos faciais de sujeitos, relatando então as alterações de aparência por meio de extensas considerações e registrando-as por meio de fotografias. (Duchenne, 1862).

Embora essa obra só tenha sido publicada em 1862, Duchenne se interessava e estudava a estimulação elétrica desde 1835, debruçando-se sobre patologias como atrofias e distrofias musculares, e propondo técnicas de manejo/intervenção frente a elas. Chegou a publicar, inclusive, um trabalho em 1855 chamado “Sobre eletrificação localizada e sua aplicação na terapia” (De l’électrisation localisée et de son application à la thèrapeutique). Em sua carreira, encontramos mais de 90 trabalhos entre artigos e livros, sendo que a obra que lidamos nesse texto é considerada o primeiro estudo sobre a fisiologia da emoção (Maranhão-Filho & Vincent, 2019).

Em 1835, Duchenne questionou por que uma corrente elétrica produzia uma contração muscular localizada. Sua curiosidade logo se tornou uma obsessão. Ele percebeu que poderia estimular os músculos usando dois eletrodos metálicos (reóforos) aplicados na pele úmida. Ele construiu pacientemente seu próprio instrumento de indução de corrente farádica para estimulação de músculos e nervos. [..] As contribuições de Duchenne incluíram trabalhos sobre o uso da fotografia da histologia microscópica, ataxia locomotora tabética (confundida com a ataxia de Friedreich na época), lesões de células do corno anterior, que causavam poliomielite aguda, e paralisia glosso-labial-laríngea (paralisia bulbar). Ele foi o primeiro clínico a realizar biópsias musculares com a invenção que chamou de l’emporte-pièce (cortador de biscoito).

(Maranhão-Filho, & Vincent, 2019, tradução livre).

O Experimento de Duchenne

Buscando em autores como Platão, Aristóteles, Cícero, Descartes, Hobbes etc, Duchenne elaborou uma lista com 73 termos afetivos, o que inclui estado como: admiração, raiva, tédio, coragem, curiosidade, desejo, nojo, embriaguez, ódio, alegria, risada, amor, esperança, tristeza, medo, surpresa, vergonha, desprezo, entusiasmo, inveja, ciúme, orgulho, dor…

Seu estudo classificou 33 expressões faciais derivadas da estimulação eletrofisiológica, discriminando o músculo ou o conjunto de músculos que produzem a respectiva alteração de aparência. As expressões catalogadas por Duchenne foram: atenção, reflexão, meditação, concentração mental, dor, agressão ou ameaça, choro com lágrimas quentes, choro moderado, alegria, riso, riso falso, ironia ou riso irônico, tristeza ou desânimo, desdém ou nojo, dúvida, desprezo ou escárnio, surpresa, espanto, estupefação, admiração ou surpresa agradável, susto, terror, terror com dor ou tortura, raiva, levado por raiva feroz, reflexão triste, reflexão agradável, alegria feroz, lascívia, delírio sensual, êxtase, grande dor com lágrimas e aflição, dor com desânimo ou desespero

Para qualquer desforra frente as traduções livres, seguem os termos empregados na edição inglesa (uma vez que esse livro não conta com tradução para língua portuguesa): attention, reflection, meditation, intentness of mind, pain, aggression or menace, weeping with hot tears, moderate weeping, joy, laughter, false laughter, irony or ironic laughter, sadness or despondency, disdain or disgust, doubt, contempt or scorn, surprise, astonishment, stupefaction, admiration or agreeable surprise, fright, terror, terror with pain or torture, anger, carried away by ferocious anger, sad reflection, agreeable reflection, ferocious joy, lasciviousness, sensual delirium, ecstasy, great pain with tears and affliction, pain with despondency or despair).

Os resultados gerais do estudo catalogaram diversas alterações de aparência decorrentes dos movimentos musculares, contemplando 84 pranchas individuais e 9 pranchas sinóticas que também abordam outros estados afetivos e expressivos para além do 33 catalogados. Vale dizer também o pesquisador anestesiava seus pacientes antes das sessões e que seu sujeito mais ilustre ficou conhecido como homem velho desdentado (old toothless man) e possuía uma condição patológica peculiar que não lhe permitia sentir qualquer dor na região da face, caracterizando-se assim como a cobaia perfeita para esse estudo.

Homem Velho Desdentado e o Sorriso Duchenne

Foi inclusive com esse sujeito que Duchenne estudou uma das mais importantes expressões humanas, o sorriso, onde encontrou considerações relevantes sobre o que até hoje é conhecido como sorriso verdadeiro (Duchenne smile) e sorriso falso (non-Duchenne smile). O pesquisador descobriu que os sorrisos falsos/simulados envolvem a contração do músculo zigomático maior, que puxa o canto dos lábios para trás e para cima, enquanto os sorrisos genuínos/espontâneos envolvem esse músculo e também a contração do orbicular do olho, elevando as bochechas e apertando as pálpebras (ação que ficou conhecida como o marcador de Duchenne). Mais sobre esse tópico você pode encontrar clicando no texto “Sorriso Falso e Sorriso Verdadeiro (Duchenne Smile)” que escrevi para o blog do CICEM.

O espírito é, portanto, a fonte de expressão. Ativa os músculos que retratam nossas emoções no rosto com padrões característicos. Consequentemente, as leis que governam as expressões do rosto humano podem ser descobertas pelo estudo da ação muscular.

(Duchenne, 1862, tradução livre)

Por curiosidade, como costumamos lembrar e ensinar que S. Freud estudou com M. Charcot, por sua vez, Charcot foi aluno de Duchenne 😉

Você também pode ver outras pranchas do estudo e saber mais sobre com o vídeo a seguir:

Referências e Recomendações

Darwin, C. (2009). A expressão das emoções no homem e nos animais. (Leon de Souza Lobo Garcia, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1872).

Duchenne, G. B. A. (1862). Mécanisme de la physionomie humaine [The mechanism of human facial expression]. Cambridge University Press: 1990.

Ferreira, C (2018). Sorriso Falso e Sorriso Verdadeiro (Duchenne Smile). CICEM.

Joaquim, R. M. (2021). Neuropsicologia das emoções: caracterização, expressão facial & aspectos psicopatológicos. Belo Horizonte: Editora Ampla, 2021.

Maranhão-Filho, P. & Vincent, M. (2019). Guillaume-Benjamin Duchenne: a miserable life dedicated to science. Arquivos de Neuro-Psiquiatria [online]. 2019, v. 77, n. 6 [Accessed 25 October 2022] , pp. 442-444. Available from: https://doi.org/10.1590/0004-282X20190044. Epub 15 00 2019. ISSN 1678-4227.

Curso EAD: Fundamentos da Expressão Facial da Emoção. CICEM.

Por Caio Ferreira

Bons estudos!!

O Experimento de Obediência que Chocou o Mundo

O ano é 1962 e o local é um laboratório da Universidade de Yale, em Connecticut, nos EUA, foi lá que o psicólogo Stanley Milgram (1933-1984) realizou o estudo polêmico e paradigmático que você vai conhecer por esse texto.

Stanley Milgram

Judeu e de família afetada pelo holocausto, Milgram foi influenciado pelos eventos e efeitos violentos da 2º Grande Guerra Mundial e também pelo processo de julgamento de Aldolf Eichmann – um dos mais altos militares da polícia nazista SS – para idealizar seu experimento. A fim de contextualizar, segue um trecho da fala de Eichmman:

“There is a need to draw a line between the leaders responsible and the people like me forced to serve as mere instruments in the hands of the leaders” e “I was not a responsible leader, and as such do not feel myself guilty”, respectivamente, em tradução livre: “É necessário traçar uma linha entre os líderes responsáveis e as pessoas, como eu, forçadas a servir como meros instrumentos nas mãos dos líderes” e “Eu não era um líder responsável e, como tal, não me sinto culpado”.

Adolf Eichmann, durante o processo de seu julgamento, em 1961

Milgram quis investigar quais circunstâncias levavam os homens a cometer barbáries e observar até onde eles seriam capazes de chegar se houvesse um superior responsável por seus atos ou se este lhes passasse instruções para violar a integridade e inferir dor ao outro. E assim, construiu seu experimento para responder à pergunta: “pode ser que Eichmann e milhões de seus cúmplices estavam apenas seguindo ordens? Será que devemos chamá-los todos de cúmplices?”

experimento de milgram Yale estudo de memória
(Um dos anúncios de divulgação da época)

O Experimento de Milgram

O estudo foi divulgado como se fossem os processos da memória que estivem sendo investigados e, no laboratório, o argumento implicava sobre a relações entre aprendizagem e punição, visando a correção de um comportamento considerado incorreto e, assim, Milgram trouxe um total de 40 homens cobaias ao seu laboratório e estes faziam o papel de um professor que aplicava choques no aluno, sempre que ele errava a resposta, ahh, esses homens também ganhavam 4 dólares e 50 para contribuírem com o estudo.

A primeira fase do experimento compreende 3 pessoas:

  • Um laboratorista (da equipe do Milgram)
  • Um professor (desempenhado pela cobaia)
  • Um aluno (desempenhado por um ator da equipe, mas visto como cobaia pela real cobaia)

Professor e aluno se conheciam antes do teste e então iam para salas separadas onde não podiam ver um ao outro. O professor fazia uma série de associações de palavras e o aluno deveria responder corretamente. A cada resposta errada o aluno “tomava um choque” (o que não acontecia de verdade, mas a nível de efeito) e esses choques aumentavam gradativamente – começando em 15V e indo até 450V.

Experiência de milgram obediência experimento
(Sociedade dos Psicólogos, 2018, CC BY-SA 3.0)

A imagem ao lado mostra o esquema logístico utilizado para o estudo, onde:

  • E é o especialista (laboratorista)
  • C é a cobaia, que faz o papel de professor
  • A é o ator, da equipe de cientistas, que faz o papel de aluno

Conforme o teste ia decorrendo, os choques iam ficando mais intensos e o aluno (ator) que os recebia manifestava reações de incômodo e dor, até a ausência total de respostas (simulação de desmaio). Caso o professor (cobaia) relutasse em continuar o experimento, o laboratorista (especialista) dava os seguintes comandos:

  • Estímulo 1: Por favor, continue.
  • Estímulo 2: O experimento requer que você continue.
  • Estímulo 3: É absolutamente essencial que você continue.
  • Estímulo 4: Você não tem outra escolha a não ser continuar.

Antes de revelar os resultados desse experimento, faço questão de perguntar à você leitor se seria capaz de aplicar choques em uma pessoa que parece estar sentindo dor e pedindo para você parar. O que você faria se um experimento desses dependesse de você? Você causaria dor a um estranho? Se fosse você o professor, respaldado por uma equipe de cientistas apoiados em uma metodologia e que, de certo, sabem o que estão fazendo…você interromperia o estudo? Ou continuaria seguindo a função que lhe foi definida por outro? Faria com maestria e não titubearia pois seu fazer é fundamental para o sucesso do experimento? Ou faria, mas faria com culpa, vergonha e empatia? O que você faria se o seu superior lhe pedisse para fazer algo que machucasse alguém?

Resultados

Segundo o próprio Milgram: “pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer animosidade pessoal, podem tornar-se agentes de processos terrivelmente destrutivos. Além disso, mesmo quando os efeitos nocivos de seu trabalho se tornam claros e eles são orientados a continuar ações incompatíveis com seus padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade”.

Resumidamente, todos os participantes chegaram ao choque de 300V e cerca de 2/3 (65%) deram o choque final de 450V. O estudo sugere que a maioria das pessoas vai seguir as instruções de uma figura de autoridade, desde que considere esta uma autoridade legítima. O experimento foi replicado em outros países e obteve resultados semelhantes. Hoje, é impossível, do ponto de vista ético de pesquisas com seres humanos, replicá-lo.

No Cinema

Em 2015, foi lançado o longa-metragem O Experimento de Milgram (Experimenter), dirigido por Michael Almereyda e estrelando Peter Sarsgaard e Winona Ryder. O Filme aborda e ilustra bem os processos envolvidos no experimento, revelando também as reflexões e indagações do Dr. Milgram.

Para alegria da nação, está disponível no catálogo do Netflix.

o experimento de milgram netflix psicologia
(Netflix, acesso em Fevereiro de 2018)

Referências

Blass, T. (1999). The Milgram paradigm after 35 years: some things we know about obedience to authority. Journal of Applied Social Psychology, 29, (5), 955-978.

Milgram, S. (1963). Behavioral study of obedience. Journal of Abnormal and Social Psychology, 67, 371–378.

Por Caio Ferreira