O Experimento de Duchenne: um dos primeiros estudos com fotografia em psicologia

Duchenne e paciente; Duchenne experimento estudo
Duchenne e seu paciente mais ilustre no estudo de 1862.

No ano de 1862 um neurologista francês publicou um trabalho de pesquisa chamado “Os Mecanismos da Expressão Facial Humana” (Mécanisme de la Physionomie Humaine), onde buscou estudar expressões faciais associadas à emoções e sentimentos. Esse estudo foi conduzido por G.-B. Duchenne (1806 – 1875) que estimulou eletricamente, de forma isolada e combinada, os músculos faciais de sujeitos, relatando então as alterações de aparência por meio de extensas considerações e registrando-as por meio de fotografias. (Duchenne, 1862).

Embora essa obra só tenha sido publicada em 1862, Duchenne se interessava e estudava a estimulação elétrica desde 1835, debruçando-se sobre patologias como atrofias e distrofias musculares, e propondo técnicas de manejo/intervenção frente a elas. Chegou a publicar, inclusive, um trabalho em 1855 chamado “Sobre eletrificação localizada e sua aplicação na terapia” (De l’électrisation localisée et de son application à la thèrapeutique). Em sua carreira, encontramos mais de 90 trabalhos entre artigos e livros, sendo que a obra que lidamos nesse texto é considerada o primeiro estudo sobre a fisiologia da emoção (Maranhão-Filho & Vincent, 2019).

Em 1835, Duchenne questionou por que uma corrente elétrica produzia uma contração muscular localizada. Sua curiosidade logo se tornou uma obsessão. Ele percebeu que poderia estimular os músculos usando dois eletrodos metálicos (reóforos) aplicados na pele úmida. Ele construiu pacientemente seu próprio instrumento de indução de corrente farádica para estimulação de músculos e nervos. [..] As contribuições de Duchenne incluíram trabalhos sobre o uso da fotografia da histologia microscópica, ataxia locomotora tabética (confundida com a ataxia de Friedreich na época), lesões de células do corno anterior, que causavam poliomielite aguda, e paralisia glosso-labial-laríngea (paralisia bulbar). Ele foi o primeiro clínico a realizar biópsias musculares com a invenção que chamou de l’emporte-pièce (cortador de biscoito).

(Maranhão-Filho, & Vincent, 2019, tradução livre).

O Experimento de Duchenne

Buscando em autores como Platão, Aristóteles, Cícero, Descartes, Hobbes etc, Duchenne elaborou uma lista com 73 termos afetivos, o que inclui estado como: admiração, raiva, tédio, coragem, curiosidade, desejo, nojo, embriaguez, ódio, alegria, risada, amor, esperança, tristeza, medo, surpresa, vergonha, desprezo, entusiasmo, inveja, ciúme, orgulho, dor…

Seu estudo classificou 33 expressões faciais derivadas da estimulação eletrofisiológica, discriminando o músculo ou o conjunto de músculos que produzem a respectiva alteração de aparência. As expressões catalogadas por Duchenne foram: atenção, reflexão, meditação, concentração mental, dor, agressão ou ameaça, choro com lágrimas quentes, choro moderado, alegria, riso, riso falso, ironia ou riso irônico, tristeza ou desânimo, desdém ou nojo, dúvida, desprezo ou escárnio, surpresa, espanto, estupefação, admiração ou surpresa agradável, susto, terror, terror com dor ou tortura, raiva, levado por raiva feroz, reflexão triste, reflexão agradável, alegria feroz, lascívia, delírio sensual, êxtase, grande dor com lágrimas e aflição, dor com desânimo ou desespero

Para qualquer desforra frente as traduções livres, seguem os termos empregados na edição inglesa (uma vez que esse livro não conta com tradução para língua portuguesa): attention, reflection, meditation, intentness of mind, pain, aggression or menace, weeping with hot tears, moderate weeping, joy, laughter, false laughter, irony or ironic laughter, sadness or despondency, disdain or disgust, doubt, contempt or scorn, surprise, astonishment, stupefaction, admiration or agreeable surprise, fright, terror, terror with pain or torture, anger, carried away by ferocious anger, sad reflection, agreeable reflection, ferocious joy, lasciviousness, sensual delirium, ecstasy, great pain with tears and affliction, pain with despondency or despair).

Os resultados gerais do estudo catalogaram diversas alterações de aparência decorrentes dos movimentos musculares, contemplando 84 pranchas individuais e 9 pranchas sinóticas que também abordam outros estados afetivos e expressivos para além do 33 catalogados. Vale dizer também o pesquisador anestesiava seus pacientes antes das sessões e que seu sujeito mais ilustre ficou conhecido como homem velho desdentado (old toothless man) e possuía uma condição patológica peculiar que não lhe permitia sentir qualquer dor na região da face, caracterizando-se assim como a cobaia perfeita para esse estudo.

Homem Velho Desdentado e o Sorriso Duchenne

Foi inclusive com esse sujeito que Duchenne estudou uma das mais importantes expressões humanas, o sorriso, onde encontrou considerações relevantes sobre o que até hoje é conhecido como sorriso verdadeiro (Duchenne smile) e sorriso falso (non-Duchenne smile). O pesquisador descobriu que os sorrisos falsos/simulados envolvem a contração do músculo zigomático maior, que puxa o canto dos lábios para trás e para cima, enquanto os sorrisos genuínos/espontâneos envolvem esse músculo e também a contração do orbicular do olho, elevando as bochechas e apertando as pálpebras (ação que ficou conhecida como o marcador de Duchenne). Mais sobre esse tópico você pode encontrar clicando no texto “Sorriso Falso e Sorriso Verdadeiro (Duchenne Smile)” que escrevi para o blog do CICEM.

O espírito é, portanto, a fonte de expressão. Ativa os músculos que retratam nossas emoções no rosto com padrões característicos. Consequentemente, as leis que governam as expressões do rosto humano podem ser descobertas pelo estudo da ação muscular.

(Duchenne, 1862, tradução livre)

Por curiosidade, como costumamos lembrar e ensinar que S. Freud estudou com M. Charcot, por sua vez, Charcot foi aluno de Duchenne 😉

Você também pode ver outras pranchas do estudo e saber mais sobre com o vídeo a seguir:

Referências e Recomendações

Darwin, C. (2009). A expressão das emoções no homem e nos animais. (Leon de Souza Lobo Garcia, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1872).

Duchenne, G. B. A. (1862). Mécanisme de la physionomie humaine [The mechanism of human facial expression]. Cambridge University Press: 1990.

Ferreira, C (2018). Sorriso Falso e Sorriso Verdadeiro (Duchenne Smile). CICEM.

Joaquim, R. M. (2021). Neuropsicologia das emoções: caracterização, expressão facial & aspectos psicopatológicos. Belo Horizonte: Editora Ampla, 2021.

Maranhão-Filho, P. & Vincent, M. (2019). Guillaume-Benjamin Duchenne: a miserable life dedicated to science. Arquivos de Neuro-Psiquiatria [online]. 2019, v. 77, n. 6 [Accessed 25 October 2022] , pp. 442-444. Available from: https://doi.org/10.1590/0004-282X20190044. Epub 15 00 2019. ISSN 1678-4227.

Curso EAD: Fundamentos da Expressão Facial da Emoção. CICEM.

Por Caio Ferreira

Bons estudos!!

Sociedade dos Psicólogos participa de SIPAT no CDP – Belém I

Na última quarta-feira (23/10/2019) os Psicólogos Caio Cesar Rodrigues de Araujo Santos (CRP 06/139621) e Caio Henrique Ferreira da Costa (CRP 06/147859) participaram da SIPAT que aconteceu no Centro de Detenção Provisória I Chácara Belém, com a palestra “Dependência Química: que droga é essa?”.

Os principais tópicos abordados e discutidos foram:

  • O que é droga?
  • Como chamar quem usa droga?
  • Quem usa droga no Brasil?
  • Internar resolve?
  • Como se livrar da droga?
  • Médico, psicólogo ou igreja?
  • Experimentar vicia?
  • Alterações afetivas e comportamentais do usuário.

Caio Cesar Psicólogo
(Caio Cesar Rodrigues)

As Drogas e suas características

Caio Cesar Rodrigues falou, principalmente, sobre composição, efeitos, características e perfil de usuário, correspondente às substâncias: crack, oxi, cocaína, MDMA, lança perfume, tabaco, maconha, heroína, álcool, cafeína e chocolate (açúcar). Também abordou os tipos de usuários e dependências, bem como os nomes e expressões associadas à esses fenômenos.

expressão facial drogasO afeto e comportamento do usuário

Caio Ferreira expôs os 3 grandes grupos de drogas (depressoras, estimulantes e perturbadoras do sistema nervoso central) e contribuiu, principalmente, com o mapeamento das alterações afetivas e comportamentais da pessoa intoxicada, onde citou a utilização do Facial Action Coding System (FACS) como uma ferramenta auxiliar nos processos de detecção e intervenção.

Leve você também a Sociedade dos Psicólogos para sua empresa/instituição: https://spsicologos.com/servicos/palestras-personalizadas/

Quer saber mais sobre as substâncias psicoativas?

 

 

logo Sociedade dos Psicólogos

Venha emergir como sujeito de sua própria história!

Psicologias da Emoção: teorias e implicações

Psicologia das emoções
(O filme Divertida Mente [Inside Out], 2015, Disney-Pixar, ilustra bem várias questões relacionadas ao desenvolvimento e ao uso das emoções)
Todos os dias e em quase todos os momentos estamos em contato com as nossas emoções e a psicologia científica estuda emoções desde o seu surgimento. Embora muitas estruturas, fenômenos e leis tenham sido investigadas, ainda não há um consenso sobre o que são as emoções e como elas acontecem. Diversos modelos de experiência emocional já foram propostos ao longo da história e, no texto de hoje, vou abordar algumas das principais teorias e descobertas que tocam a vida emocional humana. Quando falamos de emoção, falamos daquilo que é pulsional e mobiliza o comportamento em virtude de uma função (social/comunicação; proteção/sobrevivência); falamos daquilo que te faz sorrir e pular de alegria, de forma involuntária, frente à uma conquista, por exemplo; e falamos daquilo que acontece com você no caso de se deparar com um leão enorme rugindo na sua frente: você paralisa por um instante, sua pálpebra superior se eleva e sua pupila dilata, você encara a fera enquanto seu cérebro cuida de desviar o sangue do seu corpo em direção às suas pernas e, antes que você pense muito, já se percebe correndo/fugindo.

Falar de emoção é também se emocionar, olhar para si, para seus sinais corporais, expressões faciais, pensamentos associados, sentimentos, alterações respondentes (cardíacas, sudorese, enrubescer…). É falar sobre as valências emocionais, isso é, suas intensidades e sensações associadas (positivas ou negativas). É viver emoções primarias (básicas/universais) e secundárias (sociais/culturais). É tentar diferencias emoções, sentimos e afetos. É apreciar a leveza e a paz que um alívio pode trazer e perceber também que o nojo te protege de ingerir algo tóxico e prejudicial. Venha pela trilha emocional e lembre-se sempre que “as emoções determinam a qualidade das nossas vidas” (P. Ekman).

Charles Darwin: o pai do comportamento emocional

O comportamento emocional é essa força viva, universal e involuntária que faz o indivíduo responder de maneira previsível quando o assunto é a experiência emocional genuína/espontânea (quando uma pessoa, de fato, sente uma emoção). O trecho abaixo apresenta alguns exemplos do comportamento emocional.

O sorriso verdadeiro durante a vivência da alegria;
O paralisar, correr ou lutar frente à situação de perigo;
A elevação do pitch vocal e “tremor na voz” durante a sensação de ansiedade;
A dilatação e a contração pupilar referente não a alteração da luminosidade do ambiente, mas à alteração emocional particular de alguém;
O aumento no uso de gestos manipuladores durante a emoção negativa;
O ruborizar durante a vergonha ou raiva, por exemplo.

(Ferreira, 2018, p. 11)

Psicologia das emoções expressão facial duchenne
(Duchenne realizou experimentos de eletroestimulação em músculos da face humana, durante uma investigação sobre a fisiologia das emoções que influenciou Darwin.)

Se hoje podemos falar de comportamento emocional universal, vale lembrar que foi em 1872 que Charles Darwin publicou “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”, onde propôs, de forma pioneira, que as emoções e suas expressões não seriam produto cultural ou decorrente de processos de aprendizagem, mas seriam universais e partilhadas, de maneira comum, por todos os membros de uma mesma espécie. Trocando em miúdos, segundo Darwin, todos os cachorros do mundo expressam raiva e medo da mesma forma e todos os humanos do mundo expressam alegria e tristeza da mesma forma, por exemplo, e isso acontece de forma instintiva – como resultado de uma interação dialética evolutiva entre a espécie, sua sobrevivência e seu meio. Ao longo do livro, Darwin relaciona diversos comportamentos (encolher-se, eriçar de pelos, empalidecer, elevar a pálpebra, abrir a boca, abaixar as sobrancelhas, franzir o nariz etc…) com base em suas funções práticas para lidar com uma situação

Como a surpresa é provocada por algo inesperado ou desconhecido, quando nos assustamos, naturalmente desejamos descobrir a causa tão logo quanto possível. E consequentemente, abrimos bem os olhos, de forma que o campo de visão seja ampliado, e os olhos possam mover-se facilmente em qualquer direção.

(Darwin, 1972/2009 p. 241)

Darwin chegou a essas suas conclusões por meio de suas próprias observações e arcabouços teóricos sobre a evolução e seleção natural, contou também com o aporte de relatos enviados por colegas viajantes que contavam como eram as expressões emocionais das pessoas em diferentes pontos da Terra e também se baseou nos trabalhos do Dr. Duchenne, que em 1862 publicou uma pioneira investigação fotográfica sobre a expressão facial das emoções em seres humanos.

Teoria James-Lange

Uma das primeiras teorias da emoção, dentro da chamada psicologia moderna, foi proposta por William James (1842-1910) e Carl George Lange (1834-1900), que chegaram às mesmas conclusões após trabalharem de forma independente. A premissa básica é que a sensação emocional vem depois de uma excitação fisiológica e, dessa forma, as emoções são vistas como a experiência de conjuntos de alterações corporais que acontecem após um estímulo emocional.

Para exemplificar, se pensarmos em uma situação que envolve um urso raivoso na nossa frente, a tendência é pensar que sentimos medo e então corremos/fugimos, mas a teoria James-Lange aponta uma outra ordem para os comportamentos. Ela vai nos dizer que primeiro há as alterações fisiológicas (elevação dos batimentos cardíacos, dilatação da pupila e comportamento de correr) para depois, com o conjunto disso, ser experienciada a emoção de medo. Trocando em miúdos, diz que não sentimos medo e por isso fugimos, mas fugimos e por isso, sentimos medo. Nessa visão, o princípio vale para todas as emoções e seus comportamentos associados, isso é, ficamos tristes porque choramos e não o contrário. Caso você se pergunte, por exemplo, por que se sente alegre? A teoria de James-Lange diria que, como você está respirando rápido e seu coração está mais acelerado, seu cérebro concluiu que você está alegre.

Estímulo emocional → Padrão de resposta fisiológica → Experiência afetiva

Talvez essa lhe pareça uma teoria absurda (é até considerada contra intuitiva), mas já existem estudos de informação retroativa (facial feedback hypotesys) que apresentam dados sobre como certas mímicas faciais e comportamentos acabam por disparar neurotransmissores específicos relacionados com estados emocionais (assunto esse, para outro post).

Teoria Cannon-Bard

Uma teoria posterior criticou a visão de James-Lange, ao afirmar que as mesmas manifestações fisiológicas poderiam estar presentes em emoções muito distintas, isso é, o medo é acompanhado sim por aumento da frequência cardíaca e sudorese, mas essas mesmas alterações fisiológicas acompanham outras emoções como a raiva, e até estados patológicos, como a febre. Dessa forma, Walter Cannon (1871-1945) e Philip Bard (1898-1977) propuseram que o sistema nervoso central seria o causador, tanto das manifestações fisiológicas, quanto da experiência emocional, e isso ocorreria ao mesmo tempo, como processos paralelos (e não sequenciais, em comparação com a teoria anterior). A teoria Cannon-Bard é conhecida também como uma teoria “talâmica” das emoções, em referência à estrutura cerebral “tálamo”, pois foi Bard quem descobriu que todas as informações sensoriais, motoras e fisiológicas tem que passar pelo diencéfalo (particularmente o tálamo), antes de serem submetidas a qualquer processamento adicional.

Dessa forma, frente ao mesmo urso raivoso, pela teoria Cannon-Bard, as mudanças fisiológicas (elevação dos batimentos cardíacos, dilatação da pupila e comportamento de correr) ocorrem ao mesmo tempo em que a sensação de medo enviada.

James-Lange Cannon-Bard Psicologia das emoções
(Quadro comparativo entre as teorias James-Lage e Cannon-Bard)

O circuito de Papez

sistema límbico papez psicologia emoções
(imagem ilustra os componentes originais do circuito de Papez [interligados por setas grossas], e aqueles acrescentados por outros pesquisadores [interligados por setas finas]. Lent, 2010, p. 720).
A teoria Cannon-Bard foi a primeira tentativa concreta de compreensão das bases neurais emocionais e acabou atraindo a atenção de vários neurocientistas. James Papez (1883-1958) foi um deles e foi responsável por mudar a noção de um “centro emocional cerebral” para um “sistema” ou “circuito cerebral das emoções“, isso é, revendo a literatura da época e apontando um conjunto de regiões associadas à experiência emocional.

Papez percebeu que essas regiões eram conectadas reciprocamente de modo “circular”, o que revelava uma rede neural que ficou conhecida como circuito de Papez. Mais tarde aproveitou-se um termo antigo criado pelo neurologista Paul Broca, e o circuito de Papez passou a ser conhecido como sistema límbico.

(Lent, 2010, p.720)

Paul Ekman: a teoria neuro-cultural

Uma vez que começamos com as propostas universais de Darwin, quero fechar o texto com descobertas emocionais que dialogam com as hipóteses dele. Com fins de recapitulação, Darwin disse, em 1862, que as expressões emocionais são inatas e universais. Com pesquisas transculturais realizadas, principalmente nos anos 1960 e 1970, foi possível validar a afirmação de Darwin para 6 emoções básicas com expressões faciais universais (alegria, tristeza, raiva, nojo, medo e surpresa), isso é, independente de onde nasceu e como foi criada uma pessoa, ao entrar em contato com uma dessas emoções, ela vai movimentar músculos na face que são organizados, conhecidos e previsíveis.

Um dos psicólogos responsáveis por mapear as expressões faciais universais foi Paul Ekman (1934- ) que, em um de seus estudos, comparou a expressão emocional entre japoneses e estadunidenses e percebeu que eles apresentavam as mesmas expressões faciais quando estavam sozinhos assistindo aos vídeos do estudo, mas que os japoneses, mais do que os estadunidenses, mascaravam emoções negativas (medo e nojo) com a exibição de um sorriso. Essa investigação apontou um fenômeno que hoje é conhecido como “regras de exibição” ou “costumes” (display rules) e, sobre elas, Ekman diz:

são socialmente aprendidas, muitas vezes culturalmente diferentes, a respeito do controle da expressão, de quem pode demonstrar que emoção para quem e de quando pode fazer isso. Eis por que, na maioria das competições esportivas públicas, o perdedor não demonstra a tristeza e o desapontamento que sente. As regras de exibição estão incorporadas na advertência dos pais: “pare de parecer contente”. Essas regras podem ditar a diminuição, o exagero, a dissimulação ou o fingimento da expressão do que sentimos.

(Ekman, 2003, p. 22)

Ekman neuro cultural emoções psicologia
(Paul Ekman e nativos Fore na Papua Nova-Guiné)

Em outro estudo posterior, Ekman foi para a Papua Nova-Guiné analisar a expressão emocional de uma tribo socialmente isolada – os Fore. Lá, com máquina fotográfica e fotografias de faces emocionais, ele chegou a conclusão sobre a universalidade de 6 emoções básicas inatas. Vale dizer que outros pesquisadores, como Carroll Izard, estavam, ao mesmo tempo, realizando estudos paralelos e chegaram a conclusões que também apontavam para a existência de expressões faciais universais. Ekman desenvolveu então a teoria neuro-cultural das emoções, que aponta características universais e inatas relacionadas às estruturas e ao funcionamento cerebral, mas também aponta a influência da cultura naquilo que diz respeito à permissividade ou não de uma exibição emocional. Foi só o começo…nos anos 70, uma ferramenta científica de mensuração da ação facial foi criada, o Facial Action Coding System (FACS), que permite analisar e medir qualquer expressão facial realizada por um ser humano. Nos anos 80, novas evidências foram encontradas e a emoção desprezo foi incorporada à lista das emoções básicas universais. Estudos comparativos entre atletas cegos e atletas com visão foram feitos e as expressões forma sempre as mesmas. Por meio das pesquisas de Ekman, hoje falamos também das famílias das emoções, isso é, o saber que a alegria compreende prazeres sensoriais, alívio, diversão, contemplação…. que o medo compreende ansiedade, receio, terror… que a raiva compreende aborrecimento, irritação, fúria… Por meio do legado de Paul Ekman, podemos também nos entreter assistindo o Lie to Me e nos deleitar com o, sempre emocional, Divertida Mente.

Referências

Darwin, C. (2009). A expressão das emoções no homem e nos animais. (Leon de Souza Lobo Garcia, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1872).

Ekman, P. (2003). A linguagem das emoções: revolucionando sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor. São Paulo: Lua de Papel.

Ferreira, C. (2018). Estudos sobre a mensuração científica da face humana: vol. 1 – o guia do emocionauta. São Paulo: CICEM Ed.

Lent, R. (2010) Cem bilhões de neurônios?: conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Ed. Atheneu.

Por Caio Ferreira

Para saber mais (CURSO)

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Implicações do Reconhecimento Automático da Expressão Facial da Emoção

Devemos olhar para faces ou para telas?

Pois ouvi essa semana que “as máquinas leem emoções melhor do que as pessoas, mas elas não têm emoções”

Impressões da Face Humana

Na época da graduação em psicologia, especificamente no último ano (onde há estágios clínicos e disciplinas de supervisão), não era raro ouvir as impressões que meus colegas traziam sobre a face do paciente que estavam atendendo. Impressões essas que vinham na forma de “uma cara fechada”; “uma cara estranha” e até “um semblante péssimo”. É sabido que por meio da comunicação não-verbal (CNV) a pessoa expressa fenômenos como conforto, desconforto, emoções, sentimentos e dor (Ferreira, 2018; Knapp & Hall, 1999), por exemplo, todavia, ainda em uma graduação de psicologia (e pelos menos na que frequentei e nas comparações que colho de meus pares) não há uma disciplina, cuja ementa, vise apresentar, ensinar e discutir a análise da linguagem corporal, da expressão facial da emoções e da paralinguagem (fundamentais tópicos da CNV dos seres humanos).

Uma vez que eu já conhecia algumas questões técnicas e metodológicas acerca da CNV, ficava ouvindo os relatos dos meus colegas estagiários e me perguntando como seria aquela face que eles não conseguiam descrever: “será que as sobrancelhas estavam abaixadas? Será que o olho estava arregalado? Será que havia tensão nas pálpebras? Será que havia algum tipo de pressão nos lábios ou ação na boca?” Por exemplo. Mas não fazia sentido perguntar, pois os meus colegas não estavam observando essas ações e movimentos, mas apenas relatando aquilo que eles haviam experienciado sobre aquela expressão emblemática do paciente, que se configurava para mim como apenas uma silhueta sem forma definida.

expressão facial da emoçãoE, sem descrições e avaliações científicas das ações e movimentos faciais, nunca foi possível, em situações como essas relatadas, trabalhar adequadamente o que aquela expressão facial carregaria consigo, a nível emocional, por exemplo, ou o que ela estaria representando ou o porquê ela está sendo exibida naquele momento. E digo isso, não para expor os meus colegas, mas para expor uma falta de formação específica e que se faz necessária quando o assunto é a expressão facial e a emoção. E digo isso também, pois espero que, com o final desse texto, você possa se atentar um pouco mais para as expressões faciais, na hora de avalia-las e de relatá-las também. Então, quando se deparar com uma “cara fechada”, ou “com uma cara estranha” e até “com um semblante péssimo”, peço que busque começar a treinar o seu olhar para identificar os movimentos faciais que ali estão.

Afinal, a face é a parte do corpo que mais exibimos ao outro durante nossas relações (com exceção de algumas culturas); ela é o nosso 1º sistema de comunicação humano; o choro e depois o sorriso são os primeiros organizadores do psiquismo humano. Sendo assim, é importante compreender como funcionam os comportamentos faciais e para que servem. Vale lembrar que as microexpressões faciais foram descobertas por meio de análises de sessões com psicoterapias que foram filmadas e revelaram, por exemplo, a angustia e o sofrimento de pacientes suicidas, ainda que esses relatasses, pelo canal verbal, melhoras.

Em resumo, a expressão facial da emoção analisada e mensurada, de forma científica, nos permite ver um mundo emocional por de trás de uma face; ela revela o que a pessoa sente e apresenta marcadores universais.

Reconhecimento automático da Expressão Facial da Emoção

Quando comecei a estudar a mensuração da expressão facial em seres humanos (antes de graduação, em meus primeiros contatos com as descobertas de Paul Ekman), lembro que o reconhecimento automático “era o futuro”. Já hoje, é público o fato de as câmeras e softwares apanharem nossas expressões cotidianas, com finalidades de análise e compreensão dos nossos estados internos. É necessário dizer que a análise de imagens digitalizadas permite também aplicações como a autenticação biométrica, mas não é esse o foco do seguinte texto. Falaremos hoje sobre os recursos que identificam emoções (como câmeras em lojas e vitrines que buscam mensurar as reações dos clientes ou plataformas que analisam as emoções dos candidatos em entrevistas de emprego).

Existem inúmeros algoritmos de reconhecimento da face humana e de suas expressões. Cada um possui suas particularidades, mas a maioria deles costuma trabalhar com elementos como: identificação/detecção da face e das principais regiões faciais (olhos, boca e nariz); colocação dos pontos de leitura; calibragem automática ou manual; identificação de rugas; posição da cabeça; posição dos olhos; reconhecimento da expressão facial; e alteração de aparência – marcadores importantes que fazem parte das análises de imagem e/ou vídeo. Quando a máquina busca emoções, esse conjunto de dados é analisado e convertido, de forma automática, em probabilidades dos estados emocionais, geralmente, relacionado às emoções básicas (alegria, tristeza, raiva, aversão, medo, surpresa e desprezo).

Reconhecimento automático facereader emoções face
(Exemplo de reconhecimento automático da expressão facial da emoção, com o software FaceReader, da Noldus – estudo feito no CICEM, por meio de parceria científica pioneira no Brasil, vigente desde 2017).

openface reconhecimento automático
(Exemplo de captação da face, de suas regiões e ações com o Software OpenFace 2.0. Estudo feito no CICEM)

Do ponto de vista teórico, uma série de pesquisadores da computação afetiva apontam que a capacidade da máquina em ler os estados afetivos de seus usuários teria efeitos benéficos (nas melhores hipóteses, falamos de máquinas capazes de reconhecer a expressão facial de alguém e atribuir uma saída condizente com a situação em questão) (Pantic et al., 2006; Picard, 1997; Robinson & el Kaliouby, 2009), entretanto, do ponto de vista prático, o que encontramos à nossa volta são utilizações mais problemáticas relacionadas à violação de direitos do que uma própria melhoria na relação homem-máquina. Raras têm sido as notícias sobre o incentivo das habilidades emocionais, frequentes têm sido os entusiastas da inteligência emocional e mais comuns ainda são os informes de novas inteligências que detectam emoções. Isso acontece pois as pessoas negligenciaram as faculdades emocionais por muito tempo e agora não sabem ler as emoções nos outros e não sabem gerir as próprias emoções em si mesmas.

“Desde o início da Computação Afetiva, os pesquisadores tem buscado formas de permitir que o computador seja capaz de reconhecer e responder as emoções humanas. Encontrando-se hoje uma variedade de grupos de pesquisa na área, muitos deles com trabalhos específicos voltados ao reconhecimento das emoções”

(Leão et. al, 2012)

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Nem tudo é um pântano. As tecnologias de reconhecimento automático permitem analisar mais imagens em menos tempo (se compararmos com a codificação manual), o que tem grande valor na hora de verificar segmentos de vídeo. Isto é, por padrão (e em grande parte), os vídeos possuem 24 frames por segundo, o que significa 24 fotos/quadros dentro de um segundo. Como a investigação da expressão facial é feita quadro a quadro, há vezes em que o auxílio dos softwares é bem-vindo. Outra contribuição diz respeito ao campo da segurança, uma vez que esse tipo de sistema tem sido usado, por exemplo em aeroportos e terminais, para identificação de suspeitos e contenção de ameaças.

Nos cursos que ministro sobre a expressão facial da emoção, levo informações, aplicações e críticas acerca do reconhecimento automático, sendo que um dos melhores usos para ele, a nível didático, mostrou-se ser a comparação e discussão frente à análise/codificação manual para com a automatizada. Sempre digo aos participantes que só confio na utilização de um software desses por alguém que conheça a teoria e a metodologia que sustenta a análise científica da expressão facial da emoção e que, além disso, conheça bem os algoritmos e peculiaridades do software em questão. Por exemplo, há tecnologias que utilizam elementos do Facial Action Coding System (FACS) em suas programações, mas não empregam todas as AUs do código FACS. Nesse caso, para uma utilização adequada, faz-se necessário conhecer o FACS (de forma analógica) e as AUs compreendidas pelo software (de forma digital).

Levar a emoção para as pessoas

Uma das premissas que me levou a criar o curso de Introdução à Psicologia das Emoções (produzido pelo CICEM – Centro de Investigação do Comportamento das Emoções em parceria com a Sociedade dos Psicólogos) foi que as pessoas são ensinas à andar, falar, comer, estudar, mentir, etc….mas, raramente, são ensinadas a sentir e, uma vez que “as emoções determinam a qualidade das nossas vidas” faz se necessário o debruçar sobre temas como emoção, sentimento e afeto.

“Não basta ensinar ao homem uma especialidade, porque se tornará assim uma máquina utilizável e não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto”.

A. Einstein

Vejo que, de certa forma, o ensino e a pesquisa tem, cada vez mais, possibilidades de agregar a emoção como uma de suas principais formas de divulgação. Há vozes emocionais que buscam propagar a importância das emoções para, por exemplo, com nossa aprendizagem, relacionamentos, saúde, produtividade, motivação, entre outros. O estudo científico da alegria ganha holofotes e a psicologia positiva é pop – o que é bom e é ruim, pois ao mesmo tempo em que está sendo amplamente divulgada (o que é bom) também está sendo abordada, muitas vezes, de forma errônea e superficial, além de ganhar mais terreno fora do campo da psicologia (do que dentro dele) – isto é, tem sido mais fácil encontrar, atualmente, no Brasil “especialistas” em psicologia positiva que são empreendedores, coachs e “gurus”, do que, propriamente, psicólogos a falar do tema.

Penso que aqui, novamente, aparece a questão de que o tema das emoções vem ganhando holofotes e atenções, todavia, vem sendo tratado e direcionado de forma, pelo menos, estranha.

Talvez haja, atualmente, maior interesse ou tendência em estudar como as maquinas e as cabras reconhecem a expressão facial da emoção, do que investigar as facilidades/dificuldades humanas e propor soluções. Talvez o reconhecimento automático seja uma “solução” contemporânea, mas é triste que as máquinas – que não têm emoções – leiam a emoção melhor do que você – que é humano.

(mas você pode mudar isso)

Referências

Baltrusaitis, T. (2014). Automatic facial expression analisys. University of Cambrige: Computer Laboratory.

Ekman, P. (2003). Emotions revealed: recognizing faces and feelings to improve communication and emotional life. New York, NY: Times Books.

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OpenFace 2.0: Facial Behavior Analysis Toolkit Tadas Baltrušaitis, Amir Zadeh, Yao Chong Lim, and Louis-Philippe Morency, IEEE International Conference on Automatic Face and Gesture Recognition, 2018

Por Caio Ferreira

Explicando a Gestalt-Terapia

Muitas pessoas confundem a Psicologia da Gestalt com a Gestalt-Terapia (Gestalt Therapy) e outras tantas pessoas nem sequer sabem que existe essa abordagem em psicoterapia. Sendo assim, buscarei, no aqui e agora, desmistificar algumas dessas confusões e apresentar os principais fundamentos desta corrente psicológica, além de sugerir, no final, um vídeo exemplificativo com uma sessão. Faço questão de dizer que a explicação que virá, faz parte de como a Gestalt se apresenta para mim neste momento e como eu a sinto agora enquanto escrevo este texto.

Psicologia da Gestalt X Gestalt-Terapia

Primeiramente, Gestalt é uma palavra alemã de difícil tradução para o português, mas que guarda relação com os conceitos de forma ou configuração e a psicologia da Gestalt é, portanto, uma teoria que apresenta leis da boa forma. Leis estas, desenvolvidas por Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940), que preocuparam-se em criar sólidos conceitos para que a Psicologia da Gestalt ganhasse consenso internacional e essa, de fato, é ainda hoje, uma das teorias da psicologia que menos ganhou controversas, contradições ou “polêmicas”.

Uma das principais visões dessa teoria é a noção de que “o todo é maior que a soma das partes”, que pode ser visto nos exemplos de imagens abaixo, que apresentam, respectivamente o Cubo de Necker e o Vaso de Rubin (este, contemplando também o conceito de “figura e fundo”).

cubo-de-necker - psicologia da gestalt - psicologia da formapsicologia da gestalt - psicologia da forma - vaso de rubin

Alguns dos fundamentos da psicologia da gestalt foram incorporados, por exemplo, às artes, à publicidade, ao design e também à Gestalt Terapia (como a noção de figura-fundo) que é para aonde estamos caminhando.

Psicologia da Forma - Psicologia da Gestalt - Sociedade dos Psicólogos - CC BY 4.0
(CC BY 4.0)

As Influências da Gestalt-Terapia

Essa abordagem teve influências da psicanálise, da psicologia da Gestalt, da teoria de campo (Kurt Lewin [1890-1947]), , do Humanismo (Martin Bubber [1878-1965]), dos aportes filosóficos da fenomenologia (Edmund Husserl [1859 – 1938]) e do existencialismo (Jean Paul-Sartre [1905-1980] e Maurice Merleau-Ponty [1908-1961]), além de contribuições vindas do zen-budismo e da teoria organísmica (Kurt Goldstein [1878-1965]), por exemplo.

Slide utilizado durante o curso Psicologias: Introdução aos seus Principais Pensadores e Teorias, que ocorreu em 19/10/2019 e apresentou a Gestalt-Terapia aos participantes.

A Gestalt-Terapia

É uma corrente pertencente ao chamado 3ª Grande Força em Psicologia (humanista-fenomenológico-existencial), como uma reação ao behaviorismo à psicanálise. Foi desenvolvida, no pós-guerra, pelo “Grupo dos Sete”, onde se encontrava Friederich Salomon Perls (1893-1970), mais conhecido como Fritz Perls. Esse grupo foi composto, originalmente, por Fritz Perls, Laura Perls, Isadore From, Paul Goodman, Paul Weisz, Sysvester Eastman e Elliot Shapiro, onde, posteriormente, houve a entrada de Ralph Hefferline .

Em resumo, esta corrente da psicologia apresenta um modelo de psicoterapia do contato, da consciência e da relação dialógica, que vê o indivíduo de forma holística (sem separação entre mente e corpo, por exemplo), onde o psicoterapeuta acredita, pelas bases do existencialismo, nos potenciais que o cliente dispõe, para alcançar a experiência significativa positiva, criativa, proveitosa e de responsabilidade para com o seu mundo.

“Diferentemente da dialética, que pretende alcançar uma síntese racional, a dialógica se propõe a ficar com aquilo que é figura na relação terapeuta cliente”

(Ribeiro, 2007, p. 4)

De acordo com Hall e Lindzey (1973) “o dogma principal da psicologia gestaltista sustenta que a maneira pela qual um objeto é percebido é determinada pelo contexto ou configuração total em que o objeto está envolvido. A percepção é determinada pelas relações entre os componentes de um campo perceptivo, e não pelas características físicas dos componentes individuais”. O gestalt-terapeuta não interpreta as ações do seu cliente, mas o convida a entrar em contato com e elas e descrevê-las – busca o fenômeno puro e utiliza de redução fenomenológica.

Vale dizer também que, sobre uma das posturas que acompanham esta abordagem psicoterápica, Perls afirma, em seu texto Gestalt-terapia e potencialidades humanas, contido no livro Isto é gestalt (1977), que “Gestalt-terapia é uma das forças rebeldes, humanistas e existenciais da psicologia, que procura resistir à avalanche de forças autodestrutivas, autoderrotistas, existentes entre alguns membros da nossa sociedade. […] Nosso objetivo como terapeutas é ampliar o potencial humano através do processo de integração”.

Sendo assim, este profissional está, durante a sessão, buscando chamar a atenção e experimentando como ele mesmo e o cliente se portam e se relacionam no momento presente, tendo em vista se este aceita os convites à conscientização – que inclui a atenção aos próprios pensamentos, sentimentos, emoções e comportamentos atuais – ou se este recusa a conscientização, por meio do fuga, do acting out e das incongruências emocionais. Não é raro, por exemplo, que o Gestalt-Terapeuta observe e aponte elementos incongruentes e/ou que caibam desenvolvimento ou amplificação naquilo que diz respeito à comunicação não-verbal do indivíduo e sua atuação não é interpretativa, mas fenomenológica e visa a descrição e a compreensão do fenômeno (aquilo que se manifesta na sessão).

De acordo com o livro Técnicas em Gestalt: aconselhamento e psicoterapia (2016), os autores apontam 5 características que acreditam serem adequadas para a boa prática desta, que são:

  • “um foco nas experiências que emergem aqui e agora (por meio da awareness, da fenomenologia e do princípio paradoxal da mudança);
  • um compromisso com uma perspectiva relacional cocriada;
  • a oferta por parte do terapeuta de uma relação dialógica;
  • uma perspectiva teórica de campo;
  • uma atitude criativa e experimental com relação à vida e ao processo terapêutico.”

Perls & Gloria

A fim de ilustrar e exemplificar melhor como pode ser uma prática com esta abordagem, indico a sessão abaixo, que está gravada em vídeo e mostra um encontro de Gloria com Fritz Perls, com legendas em português.

Em 1964, o psicólogo canadense, Dr. Everett Shostrom, produziu uma série de 3 filmes educativos, que trazem 3 renomados psicoterapeutas (Carl Rogers; Albert Ellis; & Fritz Perls), durante uma sessão de 30 min. com uma mulher de 30 anos, chamada Gloria.

Vídeo original do YouTube.

Quer saber mais? Inscreva-se para o próximo Café Psico: Fritz Perls

Referências:

Hall, C. S. & Lindzey, G. (1973). Teorias da personalidade. São Paulo: EPU.

Joyce, P. & Silis, C. (2016). Técnicas em Gestalt: aconselhamento e psicoterapia. Petrópolis: Vozes.

Ribeiro, E. C. (2007). A perspectiva de intersubjetividade na abordagem gestáltica. Revista IGT na Rede, v. 4, n° 6, 2007, p.2-5.

Shostrom, E. (1964). Three approaches to psychotherapy.

Stevens, J. O. (Perls, F. et al.) (1977). Isto é Gestalt. São Paulo. Summus.

 

Por Caio Ferreira