Pink e o Cérebro: o acerto de Pavlov

Nos anos 90, depois do enorme sucesso de Uma Cilada para Roger Rabbit, os estúdios Warner encomendaram ao Steven Spielberg uma série de TV para o público infantil intitulada Animanics, desenho de muito sucesso que fora transmitido em canal aberto no Brasil. Tentando retomar o humor pastelão das décadas de 40 e 50 para uma nova geração, o objetivo é criar algo mais adequado com os valores vigentes com de forma educativa. Afinal, não era politicamente correto jogar bigornas ACME nos amiguinhos. Entre os personagens criados, Pink e o Cérebro se perpetuaram ao longo do tempo graças a uma pergunta: “O que faremos hoje, Cérebro?” e sua celebre resposta “O que fazemos todos os dias Pink, tentar dominar o mundo”.

Somente na sua temporada final, os roteiristas resolveram se valer do fato que os personagens eram ratos de laboratório. O que nos leva a reflexão deste artigo, o 63º episódio “Pavlov’s Mice” (algo como “Os ratos de Pavlov”) em que nossos personagens se encontram com uma personalidade que tem um papel importante na Psicologia o célebre médico russo, fisiologista e Prêmio Nobel Ivan Pavlov.

Em seus experimentos Pavlov utilizava cachorros. Puristas torcem o nariz com estas inferências, o correto seria colocar nossos personagens no laboratório de Skinner. No meu texto anterior, sobre o episódio de Black Mirror Bandersnatch falamos sobre este experimento. Um desenho é entretenimento não uma aula de história, apesar experimento estar de forma simplista no episódio, nossos heróis cantam uma canção russa e uma dança ao ouvir o sino. Os roteiristas resolveram que os planos do Cérebro (Brain em inglês é uma sigla “Biological Recombinante Algorithmic Intelligence Nexus”, que fora um experimento sem sucesso, pois os demais ratos não replicaram da mesma forma, exemplo seu companheiro Pink) era roubar as joias da Coroa Russa, claro que não dá certo, as crianças riem, as falas são ditas o desenho acaba e a programação continua. Esta é uma das pouquíssimas citações na cultura pop sobre uma das descobertas mais importantes feitas na História da Psicologia.

Assim como no desenho, a palavra por traz da descoberta e seu conceito andam sendo empregados, digamos no mínimo, fora de contexto – um erro elementar. Assim como nos papos de bar, o Fantástico Mundo da Internet possibilita o expressar de opinião sobre quaisquer assuntos sem a exigência de um conhecimento aprofundado. Antes de falar sobre o assunto principal, não me leve a mal garanto que será bem útil, apontarei a diferença entre: palavra, conceito e contexto.

  1. Palavra: (Sub. Fem.) unidade da língua escrita.
  2. Conceito: (Sub. Masc.) compreensão que alguém tem de uma palavra; noção, concepção, ideia.
  3. Contexto: (Sub. Masc.) conjunto de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue a determinada palavra, frase ou texto, e que contribuem para o seu significado; encadeamento do discurso.

Esteja previamente avisado de que nenhum conceito, uma vez que entendido, supera a sensação de estranhamento do que a palavra: condicionamento.

Pião preto na casa E7

Geralmente, as pessoas começam a explicar o conceito pelo conceito, isto é igual aquilo. Neste caso é necessário algo mais complexo, como por exemplo, um jogo de xadrez. Sabemos que o objetivo é o xeque-mate, muito mais importante do que simplesmente dominar a movimentação das peças; ao tentar absorver a complexidade é necessário entender o qual estratégia o jogador traz consigo ao realizar os primeiros movimentos.

Para armar este tabuleiro, primeiro é necessário entender o que é um comportamento. Tudo que você faz da hora que acorda até á hora que vai dormir são emissões de comportamento. Certo?

Neste momento, como eu gostaria que a explicação fosse tão simples quanto. Parte do entendimento equivocado do conceito é exatamente por tentar simplifica-lo. Perceba que, apesar de parecer, um comportamento é algo mais complexo do que somente pegar um celular e colocar ao alcance dos olhos para leitura ao toque de uma mensagem.

Ainda hoje, estudiosos da Psicologia Comportamental divergem sobre o conceito do que é um comportamento. No texto ‘Sobre uma definição de comportamento’, João Claudio Todorov, cita diversos autores e sugere que o “comportamento é um processo com duração definida que ocorre o tempo todo, e parte da interação, mas não é a interação em si.” Vejamos, se um comportamento é parte de uma interação, outras peças deste jogo precisam ser deslocadas, neste caso vamos nos entender o que é uma interação.

Interação e Revolução Cognitiva

Interação entre indivíduos ocorre desde dos primórdios em nossa espécie, mas perceba, não é qualquer interação. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade – livro de Yubal Noah Harari, traça a evolução da espécie Homo sapiens, que exerceu um domínio sobre as outras espécies da família dos primatas há 70 mil anos atrás e se espalhou sobre as demais regiões do planeta habitáveis na África e Eurásia.

O Homo sapiens, diferente do que o senso comum propaga, não conseguiu expandir territorialmente através da força bruta. Muito além da evolução genética na qual o nosso ancestral apresentou cérebro em tamanho maior dos que outros hominídeos. Harari chamou de Revolução Cognitiva, uma capacidade que iniciou com os nossos antepassados adaptando ferramentas rudimentares que pudessem extrair tutano de carcaças deixadas por outros animais (mesmo porque o confronto poderia ser fatal), passou pelo domínio do fogo e a habilidade de cozinhar alimentos que em natura poderiam ser indigestos e chegou as habilidades de se comunicar, interagir com os outros de sua espécie e compartilhar mitos e crença.

“Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar o limite crítico (de no máximo 150 liderados por líder), fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios que governam centenas de milhões? O segredo provavelmente foi a ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos”

Harari

Este fora o setup de nosso desenvolvimento, quanto maior a fosse as necessidades: crescimento da população, abrigo, proteção, alimentação entre outras; consequentemente maiores eram as contingências de reforçamento. Sejam por necessidade (tabu) ou imposição (totem), novas regras eram criadas para estabelecer a ordem, não é mesmo Dr. S. Freud?

Nosso comportamento ao longo dos anos fora moldado por estas questões. De geração em geração foram transmitidos conhecimentos sobre: o que devemos fazer, como devemos fazer e quando devemos fazer. Quase nunca, ou delegado a uma casta intelectual superior, vinha o porquê fazemos.

Comportamento é dependente de contingência, absolutamente tudo que está no entorno de você pode se tornar contingência. Imagine que você está numa feira livre em São Paulo e sente o cheiro de pastel, não tem fome, mas tem vontade de comer pastel, automaticamente saliva por um copo de caldo de cana bem gelado, vem à mente e o pensamento ‘por que não?’. Se você tiver em Porto Alegre, pense num churrasco maturado a 12h. No Rio de Janeiro uma feijoada, na Bahia um acarajé, em Fortaleza peixe recém pescado frito na hora… Viva o Brasil! Este é um simples exemplo do que é uma contingência, “em sentido mais geral, a contingência poderia significar qualquer relação de dependência entre os eventos ambientais ou entre os eventos comportamentais e ambientais.” (Skinner. 1953: 1969).

Tudo bem, Harari havia alertado no livro, temos uma facilidade em entender que nossos ancestrais faziam assim, mas nós, superamos isto, somos mais inteligentes, evoluídos, não é? Lembre-se que eu avisei sobre a sensação de estranhamento.

“Em resumo, no campo do comportamento como um todo, as contingências de reforço que definem o comportamento operante estão por toda parte. Aquelas sensíveis a esse fato às vezes ficam embaraçados com a frequência com a qual eles veem reforço por toda parte, como os marxistas veem a luta de classes ou os freudianos o complexo de Édipo.”

Skinner

De volta ao passado na Russia

Somente em 1903 (exatamente 116 anos atrás), Dr. Ivan Pavlov estava estudando o reflexo (lembra que ele era fisiologista) em animais, especificamente em cães. O experimento consistia (imagem) que um cão era preso numa traquitana e era mensurada a quantidade de salivação, sempre fazendo um intervalo para alimentar o cão. Primeiro passo era apresentado o alimento (estimulo não condicionado), resultado aumento de salivação. Segundo passo, no período em que o cão deveria ser alimentado novamente era tocado o sino (estimulo neutro), cão não apresentava salivação (resposta não condicionada). Terceiro passo apresentava o alimento e tocava o sino, cão apresentava salivação (resposta não condicionada, dado que o alimento fora apresentado no primeiro passo). Quarto passo, o sino era tocado e o cão salivava sem que o alimento fosse dado (resposta condicionada). Batizado de condicionamento clássico, um estimulo condicionado gerava uma resposta programada.

A experiência de Pavlov começou com o cientista tocando uma sineta antes de cada refeição que os cachorros do seu laboratório recebiam. Depois que isso aconteceu várias vezes — o número era diferente para cada animal testado —, os cães ficavam condicionados a babar só de ouvir a sineta, mesmo que não tivessem ganhado nada para comer.

Fatos são o ar da ciência. Sem eles, cientistas não podem alcançar vôos.”

Pavlov

Quando seu despertador toca, você acorda, ou programou o horário para dormir mais 10 minutos? Se você tem horário de almoço fixo, seu estomago ronca pouco antes do previsto? Se você vai ao cinema, o cheiro da pipoca com manteiga te desperta vontade? Você deve parar seu veículo antes da faixa no sinal vermelho, se não você pode receber uma multa? Respostas condicionadas a estímulos contingenciais que são reforçados há quanto tempo mesmo?

Condicionamento foi a unidade que facilitou o entendimento sobre comportamentos, que são muito mais complexos do que aparentam ser, depende do desenvolvimento de fatores genéticos, psicológicos e sociais. Cultura, religião, crenças, questões morais e éticas, experiências são reforçadoras positivas e negativas para emissão dos comportamentos. Por isso, condicionamento em humanos descontextualizado, parece simples de ser modificado.

Seres humanos são tudo, menos simples.

Contribua conosco, concordou, discordou ou deseja outras análises neste formato deixem seu comentário na caixa de descrição.

Masilvia Alves Diniz

Referências Bibliográficas

Harari, Y. N. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (2015). 25. ed. Tradução Janaina Marcoantonio. Porto Alegre/RS. LPM. Pág. 47.

MLA style: Ivan Pavlov – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2019. Sun. 17 Feb 2019. Disponível: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1904/pavlov/biographical/

Souza, Deisy das Graças de. O conceito de contingencia: um enfoque histórico. Temas psicol. [online]. 2000, vol.8, n.2, pp. 125-136. Disponível: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-389X2000000200002&script=sci_abstract&tlng=es

Steven Spielberg’s Animaniacs – Pink and the Brain: Pavlov´s Mice. (Warner/Amblin, 1995). Curta (8m42s). Disponível: https://www.bcdb.com/cartoon/15028-Pavlovs-Mice. Acesso: 07 fev. 2019

Todorov, J. C. Sobre uma definição de comportamento. (2012). Brasília. Revistas Perspectivas. vol. 03 n ° 01 pp. 032-037. Disponível: https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/79

Vários Colaboradores. Livro da Psicologia (2012). Behaviorismo pag. 60-61. Tradução Hermeto Clara M. e Martins A. L. São Paulo: Globo

Black Mirror Bandersnatch: Caixa de Skinner Interativa

Antes da virada do ano para 2019, a plataforma de streaming Netflix lançou em seu catálogo um evento Black Mirror – Bandersnatch. Um episódio interativo, no qual o espectador dependendo das escolhas que fizesse ao longo da exibição, poderia de influenciar no desfecho da trama. Nos dias que seguiram ao lançamento, especialistas em Cinema tinham dificuldade de classificá-lo como filme, dado a possibilidade de múltiplos finais da história. Enquanto isto, os especialistas em Games, manifestaram que há pelo menos uma década, jogos proporcionam a possibilidade de optar por qual caminho o avatar seguiria, e com isto, consequentemente alterar o rumo da narrativa.

O plano da Netflix era testar a tecnologia interativa para o público adulto (disponível para o público infantil deste 2017), um diferencial no mercado de streaming, com o objetivo de reter/atrair novos assinantes. Ofertar tecnologia interativa num seriado que propõem reflexões sobre o impacto da tecnologia no comportamento humano era estratégica lógica.

Black Mirror faz parte do imaginário da cultura pop recente. Série britânica antológica, episódios de histórias fechadas, tem o objetivo de antever como será o nosso futuro, o impacto das novas tecnologias e o quanto nós estamos deixando que algoritmos influenciar nossas vidas. Uma espécie de ‘Além da Imaginação’ do século 21, um mix de ficção cientifica, realismo fantástico e hardware/software. O espectador ao assistir quaisquer dos dezoito episódios aleatoriamente é provocado a pensar que, o que ocorre no conteúdo consumido poderá ou poderia acontecer consigo. Quanto mais a ficção se aproxima da nossa realidade ecoa a frase: “Isto é muito Black Mirror!”.

Diferente das 4º temporadas anteriores disponíveis na Netflix, o criador/roteirista desta série Charlie Brooker foi convidado a desenvolver uma história interativa. Apesar de inicialmente recusar a proposta, foi justamente a possibilidade de criar algo inovador utilizando interatividade fez com que ele tivesse ‘a ideia’. No making-off de Bandersnatch, Brooker conta que para tornar o evento possível de ser produzido, fez um fluxograma, que se trata de um diagrama que permite desenhar possibilidades, e com isto, poder vislumbrar o que poderia acontecer com jovem Stefan, logo após a cada escolha feita pelo espectador.

Afinal de contas, o que está em jogo ao assistir Bandersnach?

Conforme requer o protocolo, ressalto que o texto a seguir contém muitos spoilers. Talvez não só deste evento, talvez de outros filmes, ou seriados e livros também.

George Orwell escritor da distopia 1984, poderia nortear está análise, dado que este é o ano que se passa a história de Bandersnatch. Livro originalmente foi escrito em 1949, Orwell narra uma história num futuro distópico em que o Grande Irmão (Big Brother) exercia vigilância governamental onipresente, vendo tudo que o cidadão fazia através daquilo que o autor chamou de ‘teletela’. Black Mirror não costuma repetir temática. No episódio da segunda temporada White Bear, referenciado neste em easter egg, é apresentado um programa de condicionamento para readequar o comportamento de um personagem que infringiu o código da Lei. Em Bandernasch, mais do que uma ‘teletela’ para simplesmente vigiar, a proposta é oferecer ao espectador a possibilidade de controlar o que vai ocorrer na história. O personagem executa o comando de acordo com o determinado pelo espectador, por mais improvável que seja. Isto posto, podemos colocar Orwell de escanteio. Caminho errado, vamos tentar de novo.

De acordo Raphael P.H. Santos, crítico de cinema que definiu Bandersnatch como filme, talvez esta seja adaptação mais aproximada das fábulas sobre a menina Alice escrita por Lewis Caroll. Em Matrix, que neste ano completa 20 anos de lançamento, o programador Neo se sente deslocado do mundo em que vive é e orientado a seguir o coelho branco. Em Westword, seriado da HBO que está em fase de produção da terceira temporada, o engenheiro/desenvolvedor Arnold Weber, tentando entender sua criação, pede a resenha de Alice no País das Maravilhas para o androide Dolores, que não por coincidência, usa um vestido azul claro. Será que temos um padrão, toda a vez um personagem de ficção cientifica é levado a questionar a natureza da sua realidade, Caroll será revisitado?

No livro Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá, o personagem
Bandersnatch, que dá o nome ao episódio, é citado uma única vez no poema Jaguadarte. Como está escrito de forma invertida, Alice conclui que para o poema possa ser lido: “Precisa ser colocado na frente do espelho”. Sempre que algum personagem inicia sua jornada, geralmente é o coelho branco aparece, aqui na forma do brinquedo favorito do menino Stefan.  Aparentemente, o mundo de detrás do espelho é acessado quando o espectador apertou o play.

Além da Toca do Coelho Branco

Encontramos o jovem Stefan explicando para seu pai que irá a empresa desenvolvedora de Games Turkersoft, fazer uma demonstração do protótipo de jogo interativo que ele está desenvolvendo. A concepção por trás do jogo vem do livro ‘escolha sua própria aventura’ Bandersnatch (referência dentro da referência), encontrado nos pertences da sua mãe. Neste tipo de livro, o leitor interage com a história quando é convidado optar por exemplo, entre ir para esquerda e pular para página X, ou direita página Y, e assim avançar na narrativa. Enquanto ouve Stefan, o pai pede para que ele escolha entre o cereal matinal X ou Y, aparece no rodapé da tela exatamente a mesma opção para o espectador que tem de dez segundos para usar a interatividade.

Caso o espectador não queria optar, de alguma forma a história avança e Stefan aceita a oferta para trabalhar na empresa e concluir o projeto do jogo. Neste momento, Collin, desenvolvedor de games com vários títulos lançados, bate em seu ombro e diz: “Escolha errada.” A meta autoproposta pelo jovem programador de criar um jogo inovador não alcança o resultado esperado. Após uma avaliação com a nota zero de cinco pelo crítico de jogos da TV, visualmente frustrado, Stefan diz: “Eu deveria tentar de novo”. A história reinicia em edição acelerada retorna ao ponto em que o espectador, para assistir um novo desfecho, se vê obrigado a escolher outra opção.

Recapitulando, um episódio Black Mirror sobre um jovem que está desenvolvendo um jogo interativo, baseado num livro interativo, que está sendo assistido de forma interativa numa plataforma de streaming, cuja a única possibilidade passar pela jornada é fazer escolhas. Um perfeito exercício metalinguagem num propositalmente simplificado labirinto de espelhos. Inevitavelmente, vem à mente do espectador a pergunta: qual das opções é a correta? “Eu não sei para onde ir!” – disse Alice. “Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.” disse o Gato de Cheshire.

Entrando no Laboratório Experimental

A psicologia possui diversas linhas de pensamento que possibilitam observar e analisar os fenômenos do comportamento humano. B.F. Skinner (1904/1990), psicólogo americano formado em Harvard e defensor ferrenho do Behaviorismo, teve como foco central do seu trabalho desenvolver instrumentos que possibilitam a observação do comportamento em ambiente controlado. A caixa de Skinner (imagem abaixo) consistia em colocar um roedor num ambiente fechado, no qual para se alimentar (food tray) precisava pressionar uma barra (lever). Inicialmente, esta era pressionada aleatoriamente, com o decorrer do tempo, o bater na barra é associada com a liberação da ração (food tray). Os estímulos iam sendo alternados para ampliar a coleta de dados: aumentar ou diminuir a água (water), aumentar ou diminuir a quantidade de ração (food pellet dispenser), aumentar ou diminui a incidência de luz (light). Comparando os resultados entre os roedores que recebiam a ração, os que recebiam com maior intervalo de tempo e os que não recebiam nenhuma, assim que a comida era disponibilizada, esta influenciava no futuro comportamento do roedor.

Na imagem ilustrativa da Caixa de Skinner, vemos o roedor em ambiente fechado, com iluminação (light) controlada. Para ter acesso a ração, o roedor deve pressionar a barra (lever) que é fracionada em recipiente externo (food pellet dispenser).

Comportamento operante é aquele que modifica o ambiente, estando sujeito a alterações a partir das consequências de sua atuação sobre o ambiente. Ou seja, as probabilidades futuras de um operante ocorrer novamente estão na dependência das consequências que foram geradas por ele (Skinner,1953).

Voltando a Bandersnatch, a outra opção é recusar o emprego. Stefan, claramente desconfortável com esta resposta que sai da sua boca, propõem trabalhar no jogo em casa. Collin diz que entende, que o jovem é um artesão e  para fazer “algo diferente é preciso um pouco de loucura”. Em seguida, no consultório da sua psiquiatra (somente médicos são habilitados a receitar medicamentos), ele relata não entender porque precisa vir nas consultas e que se sente controlado (em uma das possibilidades o controle é literal) pelo seu pai. O espectador não tem outra opção que não seja ouvir o passado do personagem. O jovem relata que devido ao seu pai ter escondido seu coelho branco de pelúcia, ele perdeu tempo procurando o brinquedo, e com isto, ocasionou um atraso e fez com que sua mãe morresse num acidente e trem, e completa: “Eu odeio ele”.

Além do reforço negativo do prazo para entregar o jogo, é evidente dificuldade com que o jovem tem de preencher seu fluxograma em que todos os caminhos do jogo sejam completados. O comportamento tende a ocorrer numa frequência maior quando está vinculado a um esquema de reforçamento intermitente (Skinner,1953). Alternativas na tela novamente, ou escolhe entrar num beco sem saída, ou a opção aversiva – gritar com o pai – e avançar na história.

A história se bifurca, mesmo que o espectador opte por seguir o Collin que diz: “Você está num buraco e eu vou tentar tira-lo”. De uma forma ou de outra, Stefan entra novamente no consultório de sua psiquiatra e relata que percebe que existem alguém o controlando. A solução dela é aumentar a dose dos medicamentos e pressupõem que isto esteja ocorrendo pela proximidade do aniversário da morte da mãe.

Na caixa de Skinner interativa de Black Mirror a ilusão do espectador é controlar o experimento. Tomar ou não tomar o remédio, pedir ou não pedir mais prazo, pegar o livro ou pegar a foto da família. De alguma forma Stefan tem acesso ao passado do escritor de ‘escolha sua própria aventura’ Bandersnatch, este é uma das variáveis que o espectador não tem controle. Seja numa biografia ou documentário, o autor que inspira Stefan, Jerome F. Davies enlouqueceu ao tentar preencher os múltiplos caminhos do seu livro. Neste ponto, o objetivo de Stefan ou/e do espectador é tirar a nota cinco de cinco da avaliação do jogo, nem que para isto o reforçamento intermitente faça com que tudo chegue as últimas consequências.

Mundo do Espelho em Algoritmo

Curiosamente desde dos seus primórdios, o entretenimento usa tecnologia para testar os limites dos nossos sentidos. Em 1895 os irmãos Lumière exibiram o filme ‘Chegada de um trem à estação da Ciotat’, que mostravam um trem em movimento. Como os espectadores não haviam assimilado que se tratava de uma projeção, muitos saíram da sala correndo e outros como costume em estações de trem, acenavam a chegada. No Halloween de 1938, Orson Wells empregou um tom realístico ao narrar no rádio o conto baseado no livro ‘A Guerra dos Mundos’ de H. G. Wells, que chegou a causar pânico nos ouvintes, que aparamente acreditaram que a invasão alienígena estava em curso. Não é possível afirmar se o pânico fora generalizado, dado que a transmissão deste veículo tinha alcance limitado no início do século XX.


“O comportamento é moldado por reforços positivos e negativos.” B. F. Skinner

Se compararmos a experiência proposta a nossa vida atual, existe a ilusão que as redes sociais, sites de busca, canais e App’ de comunicação em tempo real influenciem em suas escolhas na vida real. Como um espelho invertido, algoritmos são alimentados quando se inicia uma pesquisa de preferências em quaisquer destas plataformas. Somos nós que estamos condicionando a inteligência artificial a mensurar nossos anseios e necessidades, e não o contrário. Skinner afirmava que livre-arbítrio é uma ilusão e que “o comportamento é moldado por reforços positivos e negativos”.

Em suma, Bandersnatch é sobre a ilusão de controle. Em um dos finais, vemos a filha do Collin adulta desenvolvendo o episódio para Netflix que espectador está assistindo. Os créditos aparecem na tela e consigo trazem a falsa percepção que experiência está acabando, quanto aparece novamente a possibilidade de voltar a outra parte da história e fazer novas escolhas. Por mais que o espectador queira chegar a um final mais próximo das suas convicções morais e éticas, isto é, um episódio Black Mirror, todas as possibilidades de entretenimento estão devidamente editadas. Para serem assistidas, lembre-se de acordo com Collin, numa das alternativas: “A escolha é sua, inteiramente sua”. A falsa percepção é que a cada estimulo é possível modelar comportamento do personagem, entretanto, a cognição de entretenimento interativo fora inclusa no repertório do espectador enquanto o este apertava a barra, quer dizer, controle remoto, mouse ou touchpad.

Contribua conosco, caso queria outras análises neste formato deixem seu comentário na caixa de descrição.

Masilvia Alves Diniz

Referências Bibliográficas

Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix

Bahls, S. Clair e Navolar, Ariana B. Borba. Terapia Cognitivo-Comportamentais: Conceitos e Pressupostos Teóricos. (2004). Curitiba. Disponível: http://files.personapsicologia.webnode.com/200000093-024d10346f/Terapias%20Cognitivo-comportamentais.pdf

Vários Colaboradores. Livro da Psicologia (2012). Tradução Hermeto Clara M. e Martins A. L. São Paulo: Globo

Black Mirror – Bandersnach. Direção: David Slade: Netflix, 2018. Streaming (90 minutos).

Santos, P. H. Raphael. Black Mirror – BLACK MIRROR: Bandersnatch – Jogo ou filme? (Netflix, 2018) | Crítica 2019 . (12m55s). Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=wSeYPMOwW9I&t=439s Acesso: 31 dez. 2018

Santos, P. H. Raphael. Black Mirror – Bandersnach: 6 Finais Explicados! 2019 . (13m15s). Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=2Uhk8NU6dfI. Acesso: 03 jan. 2019

Orwell, G. 1984. (1998). São Paulo: Companhia das Letras.

L. Carrol. Alice no Pais das Maravilhas (2015). Tradução Leite Sebastião Uchoa. São Paulo: Editora 34.

L. Carrol. Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá. (2015). Tradução Leite Sebastião Uchoa. São Paulo: Editora 34.

As 3 Grandes Forças em Psicologia

Psicologia? Psicanálise? Behaviorismo? Gestalt-Terapia? Perls? Skinner? Freud? Como é estruturado o saber psicológico? O que é o que?

O texto de hoje visa explanar sobre as chamadas 3 Grandes Forças em Psicologia, a fim de traçar uma organização teórica e cronológica acerca do behaviorismo, psicanálise e das linhas humanistas-existenciais.

A Psicologia enquanto ciência

Wundt e estudantes de psicologia em Leipzig

1879 é considerado o ano de nascimento da psicologia. Naturalmente que já se falava de psicologia e de temas como mente, comportamento, felicidade, sofrimento, percepção, inteligência, emoção, saúde, doença, entre outros tópicos basilares, desde a antiguidade, porém, 1879 é o ano em que W. M. Wundt (1832-1920) funda o 1º laboratório de psicologia experimental (Psychologische Institut, na Universidade de Leipzig – Alemanha). É a partir dessa data que a psicologia começa a criar um campo de conhecimento próprio, com metodologia própria e separada do saber filosófico.

Esta ciência tem de investigar os fatos da consciência, suas combinações e relações, de tal modo que possam, finalmente, descobrir as leis que governam tais relações e combinações.

(Wundt, 1912/1973, p. 1)

Os primeiros psicólogos experimentais (além de Wundt vale citar Ernst Heinrich Weber [1795-1878] e Gustav Theodor Fechner [1801-1889]) se debruçaram sobre temas como consciência, introspecção, sensação e percepção, limiares de percepção, atenção e emoções, por exemplo e utilizaram, principalmente, técnicas da chamada psicometria e psicofísica, para analisar e medir esses fenômenos.

A partir dessas investigações surgem ramificações, movimentos e escolas próprias como o estruturalismo, o funcionalismo, o behaviorismo (1ª grande força), a psicanálise (2ª grande força) e a psicologia humanista-existencial (3ª grande força). Essas correntes psicológicas são arcabouços teórico-práticos que influenciam a forma com que o psicólogo compreende e intervém sobre as questões humanas.

1ª Grande Força em Psicologia: o Behaviorismo

skinner, watson e pavlov
(Skinner, Watson e Pavlov com um cão, respectivamente)

O behaviorismo (ou comportamentalismo) nasce como uma crítica ao introspeccionismo e às teorias mentalistas (como a psicanálise), isto é, quando o indivíduo busca acessar, se conscientizar e relatar seus estados internos. Para os behavioristas, o introspeccionismo é falho e, além de fornecer informações errôneas, afasta a psicologia do seu verdadeiro objeto de estudo – o comportamento.

O problema mentalista pode ser evitado com procurarmos diretamente as causas físicas anteriores, desviando-nos dos sentimentos ou estados mentais intermediários. A maneira mais rápida de fazer isto consistem em limitarmo-nos àquilo que um dos primeiros behavioristas, Max Meyer, chamou de “a psicologia do outro”; considerar apenas aqueles fatos que podem ser objetivamente observados no comportamento de alguém em relação com a sua história ambiental prévia. Se todas as ligações são lícitas, não se perde nada por desconsiderar uma ligação supostamente imaterial.

(Skinner, 1974/2006, p. 16)

Dessa forma, essa corrente da psicologia se debruçou sobre o que pode ser observado e mensurado diretamente, isto é, o ambiente e o comportamento da pessoa, ou seja, as contingencias ambientas e comportamentais (estímulos anteriores e posteriores referentes à uma ação).

Podemos entender estímulo como “uma alteração detectável no meio em que o indivíduo está inserido” (Lombard-Platet, Watanabe & Cassetari, p. 37, 2008), o que compreende, por exemplo, alterações na luminosidade, temperatura, sons, cheiros e qualquer coisa captada pelos órgãos sensoriais. O comportamento, em um primeiro momento, tem ser uma ação observável e mensurável, isto é, o behaviorista não analisa o “sofrer” ou a “diversão”, mas pode analisar, em intensidade e frequência, o chorar, a diminuição da fala, a mudança na postura, o gritar, o sorrir, o pular, o correr…. Também falamos de comportamentos involuntários (respondentes, como alteração de pupila, sudorese, salivação, erubescer…) e voluntários (operantes, como acender a luz, pegar uma revista, andar até a padaria…). De uma forma resumida, os comportamentos involuntários são eliciados pelos estímulos antecedentes (condicionamento clássico, pavloviano ou respondente) enquanto os comportamentos voluntários são emitidos, reforçados, punidos ou extintos pelas suas consequências – o estímulo posterior (condicionamento operante). Com o avanço da corrente behaviorista passou-se a falar também dos chamados comportamentos encobertos, isto é, aqueles que não são observados diretamente por outrem (como pensar, sonhar, imaginar…). É importante dizer também que seu desenrolar/legado fez nascer a TCC – Terapia Cognitivo-Comportamental.

Autores do Behaviorismo

Os 3 principais e “clássicos” autores do behaviorismo são I. Pavlov (1849-1936), responsável pela descoberta do comportamento respondente; J. B. Watson (1878-1958), considerado o fundador da corrente, pai do behaviorismo metodológico e famoso pelo experimento do pequeno Albert; e B. F. Skinner (1904-1990), pai do behaviorismo radical, que ampliou as “Leis do Efeito” (de E. L. Thorndike) enquanto compreensão do comportamento operante, grande autor sobre processo de aprendizagem, criador da Caixa de Skinner, famoso pelos experimentos e demonstrações com ratos e pombos.

2ª Grande Força em Psicologia: a Psicanálise

consciente inconsciente id ego superego
(Representação da compreensão Freudiana sobre o aparelho psíquico humano: 1ª e 2ª tópica)

Aqui temos o papel do influente Sigmund Freud (1856-1939) e a importância da vida psíquica inconsciente, onde emergem temas como psicossomática, desenvolvimento psicossexual, neurose, histeria, mecanismos de defesa, sonhos, desejos e censuras. A psicanálise nasce na psicologia e dialoga, principalmente, com a psicologia clínica, todavia, hoje ela está para além da questão clínica, aparecendo como uma forma de estudar os aspectos dinâmicos da sociedade, economia, política e pensamento. Dessa forma, hoje temos muitos psicanalistas que não são psicólogos, mas possuem formação básica em filosofia, sociologia, medicina, letras e outras graduações. Falamos também de psicanálises, isso pois se trata de uma das linhas teórico-práticas que mais apresentam diferenças conceituais e intervencionistas de autor para autor, o costuma causar confusões naquilo que diz respeito às compreensões iniciais na temática. Mas, independente das diferenças do psicanalista em questão e como ele vai compreender aspectos do psiquismo, as psicanálises se aproximam quando compreendem um processo de conhecimento/tratamento/cura que, necessariamente e para sua efetividade, precisa passar pelo outro. Isto é, só sei de mim, pelo outro – e sobre essa questão específica, recomendo o seminário A Utopia do Autoconhecimento, veiculado no Café Filosófico, por Ricardo Goldenberg.

As psicanálises também costumam compartilhar a questão da transferência, isso é, padrões específicos relacionados às relações interpessoais passadas que direcionam a forma como a relação presente se manifesta e se estabelece – a transferência diz sobre seu portador e seu manejo pode ressignificar/resolver conflitos reprimidos. A noção da influência dos processos inconscientes também é basilar sobre o discurso do sujeito (discurso aqui, não compreende apenas a fala).

Digamos que alguém — um paciente em análise, por exemplo — nos relata um de seus sonhos. Nós supomos que desse modo ele faz uma das comunicações que se comprometeu a fazer iniciando um tratamento psicanalítico. Uma comunicação com meios inadequados, é certo, pois o sonho não é uma expressão social, um meio de entendimento. Não compreendemos o que ele quer dizer, e ele próprio não sabe o que é. Então temos que tomar rapidamente uma decisão: ou o sonho, como nos asseguram os médicos que não são psicanalistas, é um indício de que a pessoa dormiu mal, de que nem todas as partes do seu cérebro descansaram igualmente, de que alguns pontos quiseram continuar trabalhando, sob a influência de estímulos desconhecidos, e só puderam fazê-lo de modo bastante incompleto. Se assim for, será correto não nos ocuparmos mais do produto — psiquicamente sem valor — da perturbação noturna; pois o que tal pesquisa traria de útil para nossos propósitos? Ou então — percebemos que desde o início já decidimos de outra forma. Fizemos o pressuposto, adotamos o postulado — bem arbitrariamente, deve-se admitir — de que também esse sonho incompreensível teria de ser um ato psíquico inteiramente válido, de sentido e valor plenos, que podemos usar como qualquer outra comunicação na análise.

(Freud, 2010 pp. 95-96)

O clínico Freud foi influenciado, principalmente, por J.-M. Charcot (1825-1893), com quem aprendeu sobre histeria e hipnose, e J. Breuer (1942-1925) com quem estudou o método catártico (a cura pela fala). Sua obra é grande, estruturada e desenvolve o nascimento da psicanálise por meio de contato com outros saberes (biologia, física e literatura) e por meio dos processos de análise clínica e da autoanálise do próprio Freud.

Durante muito tempo, o aspecto mais conhecido e discutido da obra de Freud era o da teoria da libido, que ele elaborou inspirado nos modelos da eletrodinâmica ou da hidrodinâmica vigentes na ciência da época. Assim, o conceito de libido, que Freud concebeu como sendo a manifestação psicológica do instinto sexual, recebeu sua origem na tentativa de explicar fenômenos, tais como os da histeria, que Freud explicava como sendo resultantes do fato de que a energia sexual era impedida de expandir-se através de sua saída natural e fluía, então, para outros órgãos, ficando restringida ou contida em certos pontos e manifestando-se através de sintomas vários. Freud chegara à conclusão de que as neuroses, como a histeria, a neurose obsessiva, a neurastenia e a neurose de angústia (fobia), teriam sua causa imediata no aspecto “econômico” da energia psíquica, ou seja, num represamento quantitativo da libido sexual.

(Zimerman, 2007, p.23)

Autores da Psicanálise

Para além do próprio Freud, podemos citar a influência de nomes como J. Lacan (1901-1981), que propôs um retorno sistemático à obra de Freud e a relacionou com os saberes da antropologia, linguística e estruturalismo, além de ter desenvolvido conceitos como Real, Simbólico e Imaginário; M. Klein (1882-1960), expoente da chamada “escola inglesa de psicanálise” foi uma das primeiras psicanalistas a atender crianças e sua contribuição se dá, principalmente, na compreensão dos componentes e fenômenos associados à vida psíquica primitiva; D. Winnicott (1896-1971) que abordou o papel do ambiente-cuidador para com o desenvolvimento emocional do sujeito e trouxe, entre outros, os conceitos de criatividade primária e tendência antissocial.

3ª Grande Força em Psicologia: a Psicologia Humanista-Existencial

Como uma reação ao behaviorismo e à psicanálise, a partir da segunda metade dos anos 1950 (e ganhado maior desenvolvimento e destaque durante as duas décadas posteriores), surge a 3ª Força. Contrária a uma visão determinista do homem (seja pela questão dos condicionamentos comportamentais ou pelo determinismo do inconsciente), ela valoriza a experiência consciente e trabalha com tópicos como: livre arbítrio; autorrealização; criatividade; esperança; potencial; sentido; contato; decisão; congruência; responsabilidade; entre outros…

(Abraham Maslow)

Seu fundador é considerado A. Maslow (1908-1970), famoso por desenvolver a “pirâmide hierárquica das necessidades básicas” e quem primeiro cunhou o termo “psicologia positiva“, em uma contraposição à chamada “psicologia negativa” – tradicional e focada na doença, no transtorno, no sofrimento e em seu tratamento/cura. Dessa forma, a Psicologia Humanista incorporou a visão de homem e mundo referente aos movimentos intelectuais do humanismo, do existencialismo e da fenomenologia. Dentro dela, vamos encontrar abordagens distintas como a Gestalt-Terapia, a Abordagem Centrada na Pessoa, ou a Logoterapia, por exemplo, onde cada uma tem suas particularidades clínicas e acabam por se aproximar mais do humanismo ou do existencialismo, a depender da linha téorico-prática, mas todas fazem parte da 3ª força que, segundo Schultz & Schultz (2008), integra os seguintes pontos essenciais:

  1. uma ênfase na experiência consciente;
  2. uma crença na integralidade da natureza e da conduta do ser humano;
  3. a concentração no livre-arbítrio, na espontaneidade e no poder de criação do indivíduo;
  4. o estudo de tudo o que tenha relevância para a condição humana.

Dentre as abordagens clínicas dessa corrente psicológica, aquela que mais me identifico e acabei por estudar é a Gestalt-Terapia (não confundir com Psicologia da Gestalt). Essa abordagem é sempre uma terapia do contato e seu manejo é pautado no aqui-agora, sendo que a relação terapeuta-paciente funciona do ponto de vista dialógico, onde o terapeuta confronta e frustra o paciente que tenta se esquivar ou fugir do seu contato e experiência com o presente. A fenomenologia pauta o setting clínico e, desta forma, a interpretação não é adequada, mas sim a descrição. A farsa, as atuações e as incongruências não se sustentam na Gestalt-Terapia, uma vez que são valorizadas e validadas as experiências mais espontâneas e verdadeiras de alguém.

Gestalt-terapia é uma das forças rebeldes, humanistas e existenciais da psicologia, que procura resistir à avalanche de forças autodestrutivas, autoderrotistas, existentes entre alguns membros de nossa sociedade. Ela é “existencial” num sentido amplo. […] Nosso objetivo como terapeutas é ampliar o potencial humano através do processo de integração. Nós fazemos isto apoiando os interesses, desejos e necessidades genuínas do indivíduo.

(Perls, 1977, p.19)

A Gestalt-Terapia deve ser experimentada para melhor compreensão – ela não se basta enquanto teoria. Caso tenha curiosidade em saber como é uma sessão com abordagem gestáltica, recomendamos que participe de uma 😉 E recomendamos também que assista um, das várias sessões gravadas, com F. Perls – pai da GT. (após esse vídeo, colocamos também um atendimento de Carl Rogers, com a mesma mulher, para finalidades didáticas e comparativas).

Autores da Psicologia Humanista-Existencial

Como já foi dito antes, há abordagens mais humanistas e outras mais existenciais. C. Roger (1902-1987) pai da Abordagem Centrada na Pessoa e dos Grupos de Encontro, estudou sobre o crescimento pessoal, as relações interpessoais e os processos experienciais; F. Perls (1893-1970) ex-psicanalista, pai da Gestalt-Terapia, contribuiu naquilo que diz respeito à visão holística sobre o indivíduo, sobre o papel do terapeuta na conscientização das incongruências, bem como sobre as dificuldades da pessoa em experienciar e desfrutar do presente. V. Frankl (1905-1997), pai da Logoterapia, tem uma abordagem mais existencialista que se relaciona com a temática do sentido da vida – que começou a ser desenvolvida quando esse foi prisioneiro em um campo de concentração nazista.

Referências

Freud, S. (2010). O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). São Paulo: Companhia das Letras.

Lombard-Platet, V. L. V.; Watanabe, O. M. & Cassetari, L. (2008). Psicologia experimental: Manual teórico e prático de análise do comportamento. São Paulo: Edicon.

Schultz, D. P. & Schultz, S. E. (2008). História da psicologia moderna. São Paulo: Cengage Learning.

Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix

Stevens, J. O. (Perls, F. et al.) (1977). Isto é Gestalt. São Paulo. Summus.

Wundt, W. (1912/1973). An introduction to psychology. Translation R. Pintner. London: George Allen & Company, Ltd.

Zimerman, D. E. (2007). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed.

Por Caio Ferreira

O Experimento de Obediência que Chocou o Mundo

O ano é 1962 e o local é um laboratório da Universidade de Yale, em Connecticut, nos EUA, foi lá que o psicólogo Stanley Milgram (1933-1984) realizou o estudo polêmico e paradigmático que você vai conhecer por esse texto.

Stanley Milgram

Judeu e de família afetada pelo holocausto, Milgram foi influenciado pelos eventos e efeitos violentos da 2º Grande Guerra Mundial e também pelo processo de julgamento de Aldolf Eichmann – um dos mais altos militares da polícia nazista SS – para idealizar seu experimento. A fim de contextualizar, segue um trecho da fala de Eichmman:

“There is a need to draw a line between the leaders responsible and the people like me forced to serve as mere instruments in the hands of the leaders” e “I was not a responsible leader, and as such do not feel myself guilty”, respectivamente, em tradução livre: “É necessário traçar uma linha entre os líderes responsáveis e as pessoas, como eu, forçadas a servir como meros instrumentos nas mãos dos líderes” e “Eu não era um líder responsável e, como tal, não me sinto culpado”.

Adolf Eichmann, durante o processo de seu julgamento, em 1961

Milgram quis investigar quais circunstâncias levavam os homens a cometer barbáries e observar até onde eles seriam capazes de chegar se houvesse um superior responsável por seus atos ou se este lhes passasse instruções para violar a integridade e inferir dor ao outro. E assim, construiu seu experimento para responder à pergunta: “pode ser que Eichmann e milhões de seus cúmplices estavam apenas seguindo ordens? Será que devemos chamá-los todos de cúmplices?”

experimento de milgram Yale estudo de memória
(Um dos anúncios de divulgação da época)

O Experimento de Milgram

O estudo foi divulgado como se fossem os processos da memória que estivem sendo investigados e, no laboratório, o argumento implicava sobre a relações entre aprendizagem e punição, visando a correção de um comportamento considerado incorreto e, assim, Milgram trouxe um total de 40 homens cobaias ao seu laboratório e estes faziam o papel de um professor que aplicava choques no aluno, sempre que ele errava a resposta, ahh, esses homens também ganhavam 4 dólares e 50 para contribuírem com o estudo.

A primeira fase do experimento compreende 3 pessoas:

  • Um laboratorista (da equipe do Milgram)
  • Um professor (desempenhado pela cobaia)
  • Um aluno (desempenhado por um ator da equipe, mas visto como cobaia pela real cobaia)

Professor e aluno se conheciam antes do teste e então iam para salas separadas onde não podiam ver um ao outro. O professor fazia uma série de associações de palavras e o aluno deveria responder corretamente. A cada resposta errada o aluno “tomava um choque” (o que não acontecia de verdade, mas a nível de efeito) e esses choques aumentavam gradativamente – começando em 15V e indo até 450V.

Experiência de milgram obediência experimento
(Sociedade dos Psicólogos, 2018, CC BY-SA 3.0)

A imagem ao lado mostra o esquema logístico utilizado para o estudo, onde:

  • E é o especialista (laboratorista)
  • C é a cobaia, que faz o papel de professor
  • A é o ator, da equipe de cientistas, que faz o papel de aluno

Conforme o teste ia decorrendo, os choques iam ficando mais intensos e o aluno (ator) que os recebia manifestava reações de incômodo e dor, até a ausência total de respostas (simulação de desmaio). Caso o professor (cobaia) relutasse em continuar o experimento, o laboratorista (especialista) dava os seguintes comandos:

  • Estímulo 1: Por favor, continue.
  • Estímulo 2: O experimento requer que você continue.
  • Estímulo 3: É absolutamente essencial que você continue.
  • Estímulo 4: Você não tem outra escolha a não ser continuar.

Antes de revelar os resultados desse experimento, faço questão de perguntar à você leitor se seria capaz de aplicar choques em uma pessoa que parece estar sentindo dor e pedindo para você parar. O que você faria se um experimento desses dependesse de você? Você causaria dor a um estranho? Se fosse você o professor, respaldado por uma equipe de cientistas apoiados em uma metodologia e que, de certo, sabem o que estão fazendo…você interromperia o estudo? Ou continuaria seguindo a função que lhe foi definida por outro? Faria com maestria e não titubearia pois seu fazer é fundamental para o sucesso do experimento? Ou faria, mas faria com culpa, vergonha e empatia? O que você faria se o seu superior lhe pedisse para fazer algo que machucasse alguém?

Resultados

Segundo o próprio Milgram: “pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer animosidade pessoal, podem tornar-se agentes de processos terrivelmente destrutivos. Além disso, mesmo quando os efeitos nocivos de seu trabalho se tornam claros e eles são orientados a continuar ações incompatíveis com seus padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade”.

Resumidamente, todos os participantes chegaram ao choque de 300V e cerca de 2/3 (65%) deram o choque final de 450V. O estudo sugere que a maioria das pessoas vai seguir as instruções de uma figura de autoridade, desde que considere esta uma autoridade legítima. O experimento foi replicado em outros países e obteve resultados semelhantes. Hoje, é impossível, do ponto de vista ético de pesquisas com seres humanos, replicá-lo.

No Cinema

Em 2015, foi lançado o longa-metragem O Experimento de Milgram (Experimenter), dirigido por Michael Almereyda e estrelando Peter Sarsgaard e Winona Ryder. O Filme aborda e ilustra bem os processos envolvidos no experimento, revelando também as reflexões e indagações do Dr. Milgram.

Para alegria da nação, está disponível no catálogo do Netflix.

o experimento de milgram netflix psicologia
(Netflix, acesso em Fevereiro de 2018)

Referências

Blass, T. (1999). The Milgram paradigm after 35 years: some things we know about obedience to authority. Journal of Applied Social Psychology, 29, (5), 955-978.

Milgram, S. (1963). Behavioral study of obedience. Journal of Abnormal and Social Psychology, 67, 371–378.

Por Caio Ferreira