Por que todos desejam ser como Spock?

“O espaço, a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise em sua missão de cinco anos para a exploração de novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve!”.

Esta é abertura padrão de todos os episódios da consagrada série Star Trek, que no Brasil nas décadas de 80/90 passava na TV aberta com o nome de Jornada nas Estrelas. A série originalmente produzida para TV americana com 3º temporadas e 79 episódios procedimentais,

estruturados para serem histórias fechadas, tinha como elenco principal o comandante da tripulação o Capitão James T. Kirk e seus homens de confiança o oficial chefe médico Leonard McCoy e o primeiro oficial, segundo em comando e oficial de ciências Sr. Spock.

Algo particular sobre Sr. Spock era pontuado pelos demais personagens, além de ser um alienígena originário do planeta Vulcano, possuía a habilidade de resolver problemas de forma lógica desprezando emoções, é isto causava desconforto com os outros personagens do seriado. Em diversos momentos, o estranhamento era percebido quando uma resposta lógica desconsiderava valores morais e/ou questões éticas. Porque ainda hoje pessoas desejam resolver questões vitais de forma pragmática? É se isto fosse possível, o Homo sapiens evoluiria neste contexto?

Antes de seguirmos em frente, ressalto que existem várias analises psicológicas sobre a representação simbólica da tríade Kirk, McCoy e Spock, portanto nossa missão não irá por este sistema solar. Neste texto, o que irei assumir de forma isolada a dimensão que o personagem Spock ganhou em nossa cultura. Como ponto de partida, uma abordagem que é também contemporânea da série, a Teoria Comportamental Cognitiva, nos acompanhará na aventura.

Neste diário de bordo data estelar 282.17, o fenômeno eletromagnético conhecido como Efeito Murasaki 312 (citação do Episódio 17º “O primeiro em comando” da 1º Temporada) se espalha como uma tormenta no fantástico mundo da internet: o embate entre razão versus emoção.

Na ponte de comando, o Capitão Kirk ordenaria a velocidade para o início da aventura ‘Sr. Sulu, mantenha em velocidade de dobra 7’.

“É curioso como vocês humanos conseguem tantas vezes obter aquilo que não querem.”

Spock, Star Trek T03E01

Spock povoa a cultura pop mais de 50 anos. Mascote informal da Agência Espacial NASA, o ator Leonard Nimoy que imortalizou o personagem, fora recepcionado Cabo Canaveral em 1967 pelo astronauta John Glenn após o termino da primeira temporada.

Quando fora ameaçada de ser cancelada por baixa audiência no final da segunda temporada, a emissora teve a informação de quem era seu público cativo: assistido por cientistas, curadores de museus, psiquiatras, doutores e professores de universidade, a grande maioria de pessoas letradas. Se não fosse uma mobilização em massa, a série não chegaria a terceira temporada. Começou com uma enxurrada de cartas (tecnologia da época) que se igualava a série mais famosa da emissora, o The Moonkes (um grupo de rock que tinha um apelo semelhante aos The Beatles), chegando a uma manifestação de estudante do centro de Instituto de Tecnologia da Califórnia marchou para frente dos estúdios da NBC carregando cartazes dizendo “Escolham Spock” e “Poder Vulcano”. Apesar de ser efetivo, não foi eficiente, com orçamento muito menor do que as temporadas anteriores, não agradou o público e não foi renovada. Em suas reprises, ganhou público cativo e passou a fazer parte do imaginário da cultura pop.

Nas décadas seguintes, o Sr. Spock, foi reverenciado em musicas, filmes, seriados, desenhos (inclusive o aclamado The Simpson), videoclipes e até no WhatsApp tem um emoji com sua saudação típica. Inúmeras vezes o personagem Sheldon desejou ser Spock na série The Big Bang Theory ( Warner Bros. Television  em sua ultima temporada). No lançamento do terceiro filme da recente leva Star Trek: Beyond (2016), nos despedíamos de Nimoy (falecido em fevereiro/2015) e ao mesmo tempo seu filho lançava o documentário contando a vida do ator intitulado “For the Love of Spock” disponível na Netflix.

“Como eu posso ter sido tão tolo? Ao ponto de seguir uma raça alienígena inventada pela televisão? Sheldon, The Big Bang Theory. T9EP07

Se esta pergunta titulo deste texto fosse feita ao personagem da série clássica exibida de setembro entre 1966 a 1969,originalmente produzida o canal de televisão americano NBC e disponível na plataforma Netflix, provavelmente a resposta seria:

“Após algum tempo, você vai perceber que ter não é tão agradável como querer. Não é lógico, mas é normalmente verdade.” (citação do 1º episódio da segunda temporada Amok Time).

“A mudança é um processo essencial a toda a existência.”

Spock, Star Trek – T03E15

No começo anos 1960 também nos Estados Unidos, Aaron Beck com formação psicanalista (especialista na teoria desenvolvida pelo Dr. Sigmund Freud) e seus colaboradores, começaram a trabalhar em pesquisas de dados dos sonhos dos seus pacientes e encontrará um padrão de sonhos masoquistas em pacientes deprimidos. Após inúmeros estudos fizeram com que a equipe abandonasse a hipótese inicial, concluiu que “certos padrões cognitivos poderiam ser responsáveis pela tendência de o paciente fazer julgamento de si mesmo, de seu ambiente e do futuro que, embora menos proeminentes no período fora o episodio depressivo, se ativariam facilmente durante os períodos de depressão. (Beck,1967)”

Descartes cunhou a frase iluminista “Penso, logo existo”, certo? Bem, até Antônio Damásio, neurocientista em seu livro o “O Erro de Descartes” descrevendo o caso Phineas Gage, colocou em xeque está máxima, dado que a perda de massa cerebral do lobo frontal ocasiona drástica mudança de comportamento. Considerando que isto ocorre com uma porção mínima da população mundial, os que possuem o frontal intacto em teoria, possuem a capacidade de pensar. Portanto é seguro fazer a seguinte pergunta: é se o que você pensa te faz você existir em sofrimento?

Digamos que ocorreu uma situação, imagine um fato qualquer, enquanto você lê este texto ouve, por exemplo, uma freada de carro. Primeiro o barulho, instantaneamente isto pode ter mobilizado uma mudança de humor e/ou sensação física, que de acordo com a sua história de vida, gera um (ou uma cadeia de) pensamento(s), estes sendo desagradáveis podem retroalimentar as mesmas sensações físicas e/ou alterações do estado de humor. Esta mesma situação pode gerar reações distintas em pessoas diferente, ou até a mesma pessoa pode interpretar a mesma situação de formas diferentes em diferentes fases da sua própria vida. Uma mente em constante atividade, cuja as emoções tem como base o pensamento, gerando raciocínio, afetos e condutas que permitem o indivíduo ter maior ou menor percepção da realidade.

Ambiente, pensamentos, reações físicas, estados de humor e comportamento, atuam interligados, ora um protagonista e ora os demais como coadjuvantes, “os cinco mobilizam os aspectos das experiencias de vida do indivíduo.” (Padesck, 1995).

Perceba na imagem a importância do fator ambiente. Na Terapia Cognitiva Comportamental a individuo é “biopsicossocial”, gerado através da carga genética, fruto do meio o ambiente sócio-econômico-cultural e sua constituição psíquica, e a partir do seu desenvolvimento cognitivo ser capaz de se relacionar com o mundo.

“Se nosso pensamento fica atolado de significados simbólicos distorcidos, pensamentos ilógicos e interpretações erradas, nos tornamos, de verdade, cegos e surdos.” Aaron Beck

Anamnese Procedimental

Antes de iniciar esta parte do texto, peço desculpas aos fãs da série caso alguma informação esta errada e/ou suprimida. Meu conhecimento aqui apresentado é baseado na série original que ainda permanece disponível em streaming e em textos retirados da internet. Em nenhum momento tive a intenção de desrespeitar, mas apenas homenagear este personagem. Caso desejar, fique a vontade para corrigir o fato/dados encaminhando mensagem no box no final do texto.

Spock nasceu em Vulcano (planeta fictício) e foi submetido ao processo de condicionamento para hipervalorizarão do raciocínio lógico e total repressão das emoções, baseado nos ensinamentos do filósofo (também fictício) Surak que prega a lógica para guiar a vida. Através de um ritual de meditação diário, os vulcanos mantém-se em controle, sem isto, perdem de sí mesmos e se transformam em bárbaros novamente. Outro fator constitui a persona Spock, fruto da união entre a terráquea Amanda Grayson e embaixador Vulcano Sarek (ser extraterreste humanoide desse planeta fictício) por ser um hibrido, ele é não é bem aceito em sua comunidade. Sempre que possível seja por vulcanos e mais comumente por humanos, é colocado em xeque capacidade de se comportar como a cultura Vulcana demanda.

No auge da série, o ator Leonard Nimoy observava Spock como alguém que vive “lutando para manter uma atitude vulcana, uma postura filosófica vulcana e uma lógica vulcana, se opondo a aquilo que está lutando em seu interior, que era a emoção humana”.

“Fatos insuficientes convidam sempre ao perigo.”

Spock, Star Trek T01E24

O cenário está montado, já temos um personagem, uma abordagem teórica, o contexto biopsicossocial.

A ideia é sedutora, resolver questões apenas com raciocínio logico, menosprezando a existência das emoções, sendo capaz de calcular com precisão quais sãos os riscos e fazer a escolha com menor prejuízo. Ressalto aqui, se o computador de bordo forneceu corretamente os dados, o que mantem a capacidade de racionalizar dos Vulcanos não é uma característica genética, em vez disso um processo de condicionamento e autocontrole.

Ressalto que a abordagem da Teoria Cognitivo Comportamental tem como objetivo utilizar técnicas que viabilizam o minimizar o sofrimento do individuo e melhora de sua qualidade de vida. A ideia do texto e apresentar conceitos básicos que façam com o leitor perceba o cerne da questão: a maneira que o individuo conduz sua vida é baseada em capacidade cognitiva e seu constructo . Algo como: ‘somos como nos percebemos e aquilo que aprendemos ser’. Spock, por questões filosóficas e culturais, realmente acredita que suas decisões são baseadas tão somente em lógica. Fascinante!

No episódio “O primeiro comando”, uma equipe vai fazer uma exploração num planeta, dado que parte da missão espacial é informações e amostras para compor base de dados para pesquisas. Devido a um efeito eletromagnético a nave exploradora perde contato e não tem combustível suficiente para retornar a Enterprise. Após inúmeras tentativas propondo inclusive deixar tripulantes para trás, a solução foi propor uma manobra arriscada, com baixa possibilidade de sucesso e que no máximo possibilitaria ter contato visual pela Enterprise que acionaria o teletransporte.

Ao retornar a nave, Spock fora questionado pelo Capitão Kirk: “não vai admitir que a solução encontrada para salvar os tripulantes fora um ato de desespero.” A reposta de Spock não poderia ser outra: “não, foi uma solução lógica”. Kirk discorda: “mas foi um descontrole emocional” e Spock permanece em sua posição: “Não concordo.”  Kirk finaliza: “Sr. Spock o senhor é teimoso.” Spock diz: “sim, eu sou.”

No episodio ‘Amok Time‘, o Sr. Spock tem reações e falas agressivas que são reparadas por diversos tripulantes. Ao ser interpelado pelo Capitão Kirk, Spock explica que devido a uma questão biológica vulcana, os exames médicos constataram altos níveis de adrenalina e poderá morrer se não retornar ao seu planeta natal para o ritual de acasalamento. Devido a urgência, a Enterprise e desviada de sua missão e mantem-se em orbita de Vulcano. No cerimonial, a noiva prometida não aceita a união e propõem um luta entre Spock versus Kirk, que perde o embate e cai morto.

Ao ver Kirk morto, a Spock sai do estado febril e descrito pelo mesmo como “estado de loucura” que se encontrava e liberta sua noiva para que o seguir com outro vulcano. Ao subir na Nave, Spock é surpreendido ao ver o Capitão Kirk vivo (que havia recebido uma injeção do Dr. McCoy que paralisa o corpo) e demonstra com através de expressões faciais emoções de surpresa e alegria e ao alterar o tom de voz ao dizer: “Jim”.

Ao ser questionado sobre sua reação, Spock apenas diz: “foi apenas uma reação muito lógica, por não ver a frota perder um excelente capitão”. McCoy apenas diz: “que não está plenamente convencido”. É você leitor, está convencido?

“Quando você elimina o impossível, o que restar, embora improvável, deve ser a verdade.”

Spock, Star Trek VI

O embate emoção versus razão. Diversas abordagens psicológicas e os recentes conhecimentos da neurociência concordam sobre o fato é que se não fossem as emoções humanas jamais teríamos chegado tão longe como espécie.

Em sua publicação Razão, Emoção e Ação em Cena: A Mente Humana sob um Olhar Evolucionista, a pesquisadora Angela D. Oliveira, apresentou como considerações finais é “que se procurou demonstrar é que tomar decisões, comportar-se de uma determinada maneira, fazer escolhas, agir como free-rider (tradução livre: impulsivamente) ou seguir padrões morais do grupo dependem tanto de mecanismos racionais quanto emocionais. Ingênuo pensar os indivíduos da espécie humana pautando-se em avaliações de custo-benefício de suas condutas, prescindindo das emoções.”

Ressalto que Spock é, por assim dizer, meio humano e você (assim espero) é um humano inteiro.

Como complemento deste texto, recomendo o vídeo ‘Como seria viver sem emoções’ do Canal Nerdologia. O vídeo também analisa o primeiro oficial da Enterprise, além de embasar de forma cientifica a importância das emoções em humanos.  Além de simular como seria a personalidade do Sr. Spock se fosse bem-sucedida a exclusão de suas emoções, certamente, os espectadores jamais conseguiríamos nos identificar com o personagem.

Isto acontece por causa de outro conceito que valeria outro texto, a Teoria da Mente. Por enquanto, podemos dizer que além de outros atributos, é a capacidade de reconhecer nas pessoas emoções semelhantes a que individuo possui em seu repertório. É isto só é possível porque o Homo sapiens expressa emoções de forma patronizada não importando a região do globo (ou platô, como dizem por ai), língua, cor de pele como revela os estudos do Dr. Paul Ekman (mas isto é assunto para outro colega, não é Caio Ferreira).

Me despeço como Spock faria: Vida Longa e Próspera.

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Masilvia Diniz

Bahls, S. Clair e Navolar, Ariana B. Borba. Razão, Emoção e Ação em Cena: A Mente Humana sob um Olhar Evolucionista. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Jan-Abr Vol. 22 n. 1, pp. 053-062 (2006). Brasília
Disponível: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ptp/v22n1/29844.pdf

DAMÁSIO, Antonio. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. (1998) São Paulo: Schwarcz.

Greenberger D. e Padesky C. A. Vencendo a Mente com Humor: Mude como você se sente, mudando o modo com você pensa. (1999) Tradução: Andrea Caleffi. Porto Alegre: Artmed.

LISTA DE EPISÓDIOS DE STAR TREK: THE ORIGINAL SERIES. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lista_de_epis%C3%B3dios_de_Star_Trek:_The_Original_Series&oldid=53583005>. Acesso em: 17 mar. 2018.

Nerdologia. Como seria viver sem emoções. 2015 (5m47). Disponível:
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Oliva, Angela D. Terapia Cognitivo-Comportamentais: Conceitos e Pressupostos Teóricos. (2004). Curitiba. Disponível: http://files.personapsicologia.webnode.com/200000093-024d10346f/Terapias%20Cognitivo-comportamentais.pdf

Star Trek – A caminho de Babel (Jorney to Babel) T2:E10. Criação: Gene Roddenberry: NBC, 1968. Streaming Netflix. (50 minutos).

Star Trek – Tempo de Loucura (Amok Time) T2:E1. Criação: Gene Roddenberry: NBC, 1968. Streaming Netflix. (47 minutos e 50 segundos).

STAR TREK. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Star_Trek&oldid=54072910>. Acesso em: 15 mar. 2019.

Range B. e Colaboradores. Psicoterapias cognitivo-comportamentais : um diálogo com a psiquiatria (2011). 2. ed. Porto Alegre: Artmed.

Vários Colaboradores. Livro da Psicologia (2012). Tradução: Hermeto Clara M. e Martins A. L. São Paulo: Globo

Pink e o Cérebro: o acerto de Pavlov

Nos anos 90, depois do enorme sucesso de Uma Cilada para Roger Rabbit, os estúdios Warner encomendaram ao Steven Spielberg uma série de TV para o público infantil intitulada Animanics, desenho de muito sucesso que fora transmitido em canal aberto no Brasil. Tentando retomar o humor pastelão das décadas de 40 e 50 para uma nova geração, o objetivo é criar algo mais adequado com os valores vigentes com de forma educativa. Afinal, não era politicamente correto jogar bigornas ACME nos amiguinhos. Entre os personagens criados, Pink e o Cérebro se perpetuaram ao longo do tempo graças a uma pergunta: “O que faremos hoje, Cérebro?” e sua celebre resposta “O que fazemos todos os dias Pink, tentar dominar o mundo”.

Somente na sua temporada final, os roteiristas resolveram se valer do fato que os personagens eram ratos de laboratório. O que nos leva a reflexão deste artigo, o 63º episódio “Pavlov’s Mice” (algo como “Os ratos de Pavlov”) em que nossos personagens se encontram com uma personalidade que tem um papel importante na Psicologia o célebre médico russo, fisiologista e Prêmio Nobel Ivan Pavlov.

Em seus experimentos Pavlov utilizava cachorros. Puristas torcem o nariz com estas inferências, o correto seria colocar nossos personagens no laboratório de Skinner. No meu texto anterior, sobre o episódio de Black Mirror Bandersnatch falamos sobre este experimento. Um desenho é entretenimento não uma aula de história, apesar experimento estar de forma simplista no episódio, nossos heróis cantam uma canção russa e uma dança ao ouvir o sino. Os roteiristas resolveram que os planos do Cérebro (Brain em inglês é uma sigla “Biological Recombinante Algorithmic Intelligence Nexus”, que fora um experimento sem sucesso, pois os demais ratos não replicaram da mesma forma, exemplo seu companheiro Pink) era roubar as joias da Coroa Russa, claro que não dá certo, as crianças riem, as falas são ditas o desenho acaba e a programação continua. Esta é uma das pouquíssimas citações na cultura pop sobre uma das descobertas mais importantes feitas na História da Psicologia.

Assim como no desenho, a palavra por traz da descoberta e seu conceito andam sendo empregados, digamos no mínimo, fora de contexto – um erro elementar. Assim como nos papos de bar, o Fantástico Mundo da Internet possibilita o expressar de opinião sobre quaisquer assuntos sem a exigência de um conhecimento aprofundado. Antes de falar sobre o assunto principal, não me leve a mal garanto que será bem útil, apontarei a diferença entre: palavra, conceito e contexto.

  1. Palavra: (Sub. Fem.) unidade da língua escrita.
  2. Conceito: (Sub. Masc.) compreensão que alguém tem de uma palavra; noção, concepção, ideia.
  3. Contexto: (Sub. Masc.) conjunto de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue a determinada palavra, frase ou texto, e que contribuem para o seu significado; encadeamento do discurso.

Esteja previamente avisado de que nenhum conceito, uma vez que entendido, supera a sensação de estranhamento do que a palavra: condicionamento.

Pião preto na casa E7

Geralmente, as pessoas começam a explicar o conceito pelo conceito, isto é igual aquilo. Neste caso é necessário algo mais complexo, como por exemplo, um jogo de xadrez. Sabemos que o objetivo é o xeque-mate, muito mais importante do que simplesmente dominar a movimentação das peças; ao tentar absorver a complexidade é necessário entender o qual estratégia o jogador traz consigo ao realizar os primeiros movimentos.

Para armar este tabuleiro, primeiro é necessário entender o que é um comportamento. Tudo que você faz da hora que acorda até á hora que vai dormir são emissões de comportamento. Certo?

Neste momento, como eu gostaria que a explicação fosse tão simples quanto. Parte do entendimento equivocado do conceito é exatamente por tentar simplifica-lo. Perceba que, apesar de parecer, um comportamento é algo mais complexo do que somente pegar um celular e colocar ao alcance dos olhos para leitura ao toque de uma mensagem.

Ainda hoje, estudiosos da Psicologia Comportamental divergem sobre o conceito do que é um comportamento. No texto ‘Sobre uma definição de comportamento’, João Claudio Todorov, cita diversos autores e sugere que o “comportamento é um processo com duração definida que ocorre o tempo todo, e parte da interação, mas não é a interação em si.” Vejamos, se um comportamento é parte de uma interação, outras peças deste jogo precisam ser deslocadas, neste caso vamos nos entender o que é uma interação.

Interação e Revolução Cognitiva

Interação entre indivíduos ocorre desde dos primórdios em nossa espécie, mas perceba, não é qualquer interação. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade – livro de Yubal Noah Harari, traça a evolução da espécie Homo sapiens, que exerceu um domínio sobre as outras espécies da família dos primatas há 70 mil anos atrás e se espalhou sobre as demais regiões do planeta habitáveis na África e Eurásia.

O Homo sapiens, diferente do que o senso comum propaga, não conseguiu expandir territorialmente através da força bruta. Muito além da evolução genética na qual o nosso ancestral apresentou cérebro em tamanho maior dos que outros hominídeos. Harari chamou de Revolução Cognitiva, uma capacidade que iniciou com os nossos antepassados adaptando ferramentas rudimentares que pudessem extrair tutano de carcaças deixadas por outros animais (mesmo porque o confronto poderia ser fatal), passou pelo domínio do fogo e a habilidade de cozinhar alimentos que em natura poderiam ser indigestos e chegou as habilidades de se comunicar, interagir com os outros de sua espécie e compartilhar mitos e crença.

“Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar o limite crítico (de no máximo 150 liderados por líder), fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios que governam centenas de milhões? O segredo provavelmente foi a ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos”

Harari

Este fora o setup de nosso desenvolvimento, quanto maior a fosse as necessidades: crescimento da população, abrigo, proteção, alimentação entre outras; consequentemente maiores eram as contingências de reforçamento. Sejam por necessidade (tabu) ou imposição (totem), novas regras eram criadas para estabelecer a ordem, não é mesmo Dr. S. Freud?

Nosso comportamento ao longo dos anos fora moldado por estas questões. De geração em geração foram transmitidos conhecimentos sobre: o que devemos fazer, como devemos fazer e quando devemos fazer. Quase nunca, ou delegado a uma casta intelectual superior, vinha o porquê fazemos.

Comportamento é dependente de contingência, absolutamente tudo que está no entorno de você pode se tornar contingência. Imagine que você está numa feira livre em São Paulo e sente o cheiro de pastel, não tem fome, mas tem vontade de comer pastel, automaticamente saliva por um copo de caldo de cana bem gelado, vem à mente e o pensamento ‘por que não?’. Se você tiver em Porto Alegre, pense num churrasco maturado a 12h. No Rio de Janeiro uma feijoada, na Bahia um acarajé, em Fortaleza peixe recém pescado frito na hora… Viva o Brasil! Este é um simples exemplo do que é uma contingência, “em sentido mais geral, a contingência poderia significar qualquer relação de dependência entre os eventos ambientais ou entre os eventos comportamentais e ambientais.” (Skinner. 1953: 1969).

Tudo bem, Harari havia alertado no livro, temos uma facilidade em entender que nossos ancestrais faziam assim, mas nós, superamos isto, somos mais inteligentes, evoluídos, não é? Lembre-se que eu avisei sobre a sensação de estranhamento.

“Em resumo, no campo do comportamento como um todo, as contingências de reforço que definem o comportamento operante estão por toda parte. Aquelas sensíveis a esse fato às vezes ficam embaraçados com a frequência com a qual eles veem reforço por toda parte, como os marxistas veem a luta de classes ou os freudianos o complexo de Édipo.”

Skinner

De volta ao passado na Russia

Somente em 1903 (exatamente 116 anos atrás), Dr. Ivan Pavlov estava estudando o reflexo (lembra que ele era fisiologista) em animais, especificamente em cães. O experimento consistia (imagem) que um cão era preso numa traquitana e era mensurada a quantidade de salivação, sempre fazendo um intervalo para alimentar o cão. Primeiro passo era apresentado o alimento (estimulo não condicionado), resultado aumento de salivação. Segundo passo, no período em que o cão deveria ser alimentado novamente era tocado o sino (estimulo neutro), cão não apresentava salivação (resposta não condicionada). Terceiro passo apresentava o alimento e tocava o sino, cão apresentava salivação (resposta não condicionada, dado que o alimento fora apresentado no primeiro passo). Quarto passo, o sino era tocado e o cão salivava sem que o alimento fosse dado (resposta condicionada). Batizado de condicionamento clássico, um estimulo condicionado gerava uma resposta programada.

A experiência de Pavlov começou com o cientista tocando uma sineta antes de cada refeição que os cachorros do seu laboratório recebiam. Depois que isso aconteceu várias vezes — o número era diferente para cada animal testado —, os cães ficavam condicionados a babar só de ouvir a sineta, mesmo que não tivessem ganhado nada para comer.

Fatos são o ar da ciência. Sem eles, cientistas não podem alcançar vôos.”

Pavlov

Quando seu despertador toca, você acorda, ou programou o horário para dormir mais 10 minutos? Se você tem horário de almoço fixo, seu estomago ronca pouco antes do previsto? Se você vai ao cinema, o cheiro da pipoca com manteiga te desperta vontade? Você deve parar seu veículo antes da faixa no sinal vermelho, se não você pode receber uma multa? Respostas condicionadas a estímulos contingenciais que são reforçados há quanto tempo mesmo?

Condicionamento foi a unidade que facilitou o entendimento sobre comportamentos, que são muito mais complexos do que aparentam ser, depende do desenvolvimento de fatores genéticos, psicológicos e sociais. Cultura, religião, crenças, questões morais e éticas, experiências são reforçadoras positivas e negativas para emissão dos comportamentos. Por isso, condicionamento em humanos descontextualizado, parece simples de ser modificado.

Seres humanos são tudo, menos simples.

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Masilvia Alves Diniz

Referências Bibliográficas

Harari, Y. N. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (2015). 25. ed. Tradução Janaina Marcoantonio. Porto Alegre/RS. LPM. Pág. 47.

MLA style: Ivan Pavlov – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2019. Sun. 17 Feb 2019. Disponível: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1904/pavlov/biographical/

Souza, Deisy das Graças de. O conceito de contingencia: um enfoque histórico. Temas psicol. [online]. 2000, vol.8, n.2, pp. 125-136. Disponível: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-389X2000000200002&script=sci_abstract&tlng=es

Steven Spielberg’s Animaniacs – Pink and the Brain: Pavlov´s Mice. (Warner/Amblin, 1995). Curta (8m42s). Disponível: https://www.bcdb.com/cartoon/15028-Pavlovs-Mice. Acesso: 07 fev. 2019

Todorov, J. C. Sobre uma definição de comportamento. (2012). Brasília. Revistas Perspectivas. vol. 03 n ° 01 pp. 032-037. Disponível: https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/79

Vários Colaboradores. Livro da Psicologia (2012). Behaviorismo pag. 60-61. Tradução Hermeto Clara M. e Martins A. L. São Paulo: Globo