Empatia é uma palavra realmente comentada nos últimos anos, seja por ser um conceito extremamente humanizado e vivemos cada vez mais uma realidade virtual e liquida, onde não é difícil ridicularizar, zombar ou menosprezar a dor e sofrimento alheio, ou talvez pelo contexto do mundo, onde tantas coisas ruins acontecem e sempre se buscam artifícios para sensibilizar as pessoas a respeito do que acontece a sua volta. Dessa forma a maioria de nós já se deparou com essa palavrinha por ai, seja em uma palestra motivacional, um livro, um post em rede social ou até uma ou outra tatuagem por aí. Mas como o que é de fato essa tal “empatia”? Seria simplesmente se colocar no lugar do outro? Bom, qualquer ser humano faz este movimento racional de simular estar em outras condições, então qual é a grande “sacada” para a empatia ser tão falada por ai?
Em primeiro lugar precisamos trabalhar a ideia de empatia em seu contexto teórico, então vamos falar sobre um dos que mais pontuou sobre o papel deste conceito: Carl Rogers, psicólogo estadunidense, e que nos presenteou com uma das grandes correntes de pensamento e atuação na psicologia, a Abordagem Centrada na Pessoa. Rogers era esse cara que olhava o que se fazia em psicologia em sua época, sabia a importância, entretanto não ficava satisfeito, achava que a ótica behaviorista radical de seus contemporâneos era um tanto mecanicista e a visão psicanalítica apenas baseada no inconsciente, um tanto reducionista. Dessa forma Rogers compreende a importância da pessoa, do momento, da relação, do aqui e agora, deixando para trás a ideia do terapeuta que se foca apenas na doença, não, Carl queria era aprofundar-se nas pessoas que o procuravam. Bom com certeza textos virão para nos aprofundarmos na ACP (abordagem centrada na pessoa) de Rogers, então onde entra a empatia aqui?
Bom a ideia de psicoterapia que o bom terapeuta estadunidense propôs, se apoiava em um determinado tripé, congruência, ou seja, uma pessoa que age como realmente é, livrando-se de amarras sociais ou máscaras, válido tanto para o terapeuta quando para o cliente (no caso, chegar a congruência geralmente é parte do processo). O segundo apoio seria a aceitação positiva incondicional, um tipo de respeito pelo indivíduo a sua frente enquanto ser humano, e estar aberto ao que este expor com amabilidade e aceitação. E por fim a tão esperada empatia, ou ainda para Rogers, compreensão empática, como uma parte deste tripé facilitador para o movimento terapêutico.
Essa ideia de empatia começa com uma atitude, onde o terapeuta se dedica a compreender objetivamente as dificuldades do cliente, todavia, não de uma maneira fria e distante, tampouco uma atitude nada emocionalmente exagerado, o objetivo aqui é que a pessoa a sua frente sinta que existe alguém o ouvindo de fato.
Outro ponto rogeriano que se liga a essa construção de uma atitude empática, é a não-diretividade do terapeuta, deixar que essa pessoa que procura ajuda fale livremente, daquilo que precisa falar, Rogers aqui não foi inconsequente de entender um profissional que fica calado e deixa a pessoa falar sozinha, não, a ideia aqui é a de um terapeuta que permite o outro ser quem ele é em seu discurso, e também de não colocar-se como a autoridade na sala, que vai dizer o que deve ou não ser dito sobre a vida do outro, o que Carl propõe é humanidade e humildade, o maior especialista da sua vida é você, então, por favor, me conte o que acontece com você. Quando chegamos a este ponto na concepção de Rogers, vemos que a ideia de compreender o cliente ficou pra trás, aqui o cliente já pode compreender a si mesmo, e o terapeuta se coloca como quem cria um ambiente onde isso é possível.
Á frente, Carl Rogers vai desenvolver mais essas ideias e chegar a uma postura reflexiva, onde o terapeuta trabalha a partir da ideia de refletir de maneira suave e compreensiva as questões, emoções e sentimentos do cliente, podendo este perceber assim as possibilidades que envolvem a situação que se desenvolve na sessão.
Dessa forma a compreensão empática será um desenvolvimento da ideia de empatia, onde o terapeuta se propõe a uma sensibilidade aos sentimentos e vivências do cliente, e busca apreendê-los a partir de sua subjetividade, na tentativa de aproximar-se da experiência do cliente, e assim poder buscar êxito em comunicar essa compreensão. Veja bem, não falamos aqui de ideia racional, difundida em senso-comum, de “eu sei como você se sente”, o que se propõe aqui é um sentir a vivência do outro, como sua, mas sem se desfazer de sua identidade, e buscar mudança a partir daí.
E usando suas próprias palavras, podemos aqui citar o que ele mesmo compreende como este processo de empatia:
significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente a vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando. Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar, perceber os significados que ele/ela quase não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme. Significa frequentemente avaliar com ele/ela a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir nesta vivência. Estar com o outro desta maneira significa deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos; num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu (Rogers, 1974/1977, p.73).
O que pretendo deixar aqui é a ideia de que empatia não é algo dado, algo pronto, ou algo que se alcança e acabou, muito menos vai haver o terapeuta que magicamente será empático e compreender tudo com um olhar, empatia é este processo que se ganha com respeito e confiança direcionados as pessoas que nos relacionamos, sejam cliente ou qualquer outra relação, isso se constrói ao passo em que nos permitimos sentir o outro sem pretensões ou preconceitos.
Referencial
Rogers, C. R. Pode a aprendizagem abranger ideias e sentimentos? (R. Rosenberg, Trad.). Em C. R. Rogers & R. Rosenberg. A pessoa como centro(pp. 143-161). São Paulo: EPU. 1977. (Original publicado em 1974).
Rogers, C. R. Tornar-se pessoa. Tradução Manuel J. do Carmo Ferreira e Alvamar Lamparelli. 6ª edição – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes. 2009.
Tempo, marcado pelos números em folhas de papel dependurado em algum lugar próximo a você. Um período que termina e outro que se inicia. Num momento de pausa para reflexão, proponho uma reflexão diferente. Não aquela que usualmente você faria sobre metas que não foram cumpridas por um fator chamado Vida, mas aquela que estamos precisando.
Como buscamos o que precisamos?
Neste momento interconectado, fazemos como qualquer um, abrimos uma página de busca no Google e digitamos o que desejamos saber.
Você consegue imaginar quais foram as palavras mais se buscadas em 2019?
O ano em que a polarização ficou mais evidente, enquanto muitos de nós, usou palavras fortes e caluniosas de enfrentamento para defender posicionamentos e tentar mudar as crenças das demais pessoas. Num momento de tanto embate e desgaste mental para quer dizer como os outros devem viver, pensar e sentir, o Google nos trouxe num vídeo as palavras mais buscas em 2019 foram: Existem heróis de verdade?
Se você clicou no vídeo acima, dois minutos de vida que valem o investimento, você deve ter visto várias pessoas reais apenas almejando uma única coisa: existir.
Existir, como você é neste exato momento, com as potencialidades que possui e talvez não faça a menor ideia e as fraquezas que tenta esconder na maioria das vezes desnecessariamente. Fazendo aquilo que faz ou almeja fazer, principalmente, sem medo de ser julgado. Julgado somos todos. Todos sem exceção, mas a frente neste texto ficará bem evidente.
Parece simples, não é mesmo. Leio com certa frequência que é fácil, que para existir basta fechar seus olhos, inspirar profundamente e deixar seu pulmão encher de oxigênio. Mas, sempre tem o, mas. Todos nós encontramos em diversos de obstáculos sejam físicos ou mentais, dentro de si e no mundo exterior, as vezes mais ou menos intenso, mas em todos os casos a dor sentida é real.
Porque estamos no Janeiro Branco o mês da consciência da Saúde Mental, esta seja a reflexão que necessita maior atenção, a sua atenção.
“Este é seu Ego falando“
Se utilizamos como base o 1º Parágrafo da Constituição Brasileira ou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, está tudo descrito, todos temos direito garantido do livre pensar e de livremente nos expressar.
Porém quando nós nos expressamos por palavras e/ou atitudes somos categorizados, como produtos numa gôndola de supermercado. Os produtos mais caros e com maior investimento de propaganda ficam nas prateleiras que está ao alcance dos olhos, e assim se segue até que os produtos cujo investimento é menor ficam nas prateleiras superiores ou na inferior quando o preço é menor.
Você não é um produto, não é mesmo, você é uma pessoa, mas é categorizado pela cor da pele, pela roupa que veste, pela aparência e pela importância. Quando aquilo que é mais precioso, que faz de você ser uma experiência única é deixado em segundo plano. Exigem seu silêncio antes mesmo de deixá-lo falar, o tempo passa e as vezes você esquece a sua própria voz ou que ao menos tem uma voz.
Posso ouvi-lo enquanto lê este trecho neste momento “este texto está envolto de posicionamento político com viés X ou Y”, assim como várias pessoas foram para Youtube querendo desqualificar o filme Dois Papas (2019, Netflix) pelas posições políticas do diretor. Como estamos num momento de reflexão um convite honesto, deixe as armas e as foices de fora e permita-se e continuar lendo este texto.
Podemos nos abrir ao diálogo mesmo discordando sobretudo, é assim derrubando muros imaginários e construindo novas possibilidades podemos inclusive descobrir que no fundo todos queremos apenas a mesma coisa: co-existir.
“Uma resposta certa para tudo“
Então você está zapeando seu catálogo Netflix e vê o título: Dois Papas. Fujas das primeiras impressões, não precisa ser católico, religioso ou ateu para poder desfrutar de um filme por duas horas. Basta assistir, sem bandeiras e investir a sua atenção numa aula diferente, uma sobre usar aquilo que você tem deixado desligado há algum tempo: a habilidade de ouvir. Porque é quando se ouve que a comunicação começa.
Marshall B. Rosenberg (1934/2015), psicólogo americano com PHD na Universidade Madison em Wisconsin, em sintonia com os movimentos dos direitos civis americanos propôs um treinamento conhecido como “Comunicação Não-Violenta” (1999) que serve de guia para resolução de conflitos em mais de 65 países, é utilizada em tribunais de Justiça na vara da família, na Justiça Restaurativa e por situações de risco pela Policia Militar de São Paulo. O que a CNV (assim como é conhecida a Comunicação Não-Violenta) almeja é aquilo que o próprio Marshall definiria nas primeiras páginas do livro: “uma forma de comunicação que nos leva a nos entregarmos de coração.”
O diretor Fernando Meirelles (“Cidade de Deus” e “O Ensaio da Cegueira”) e o roteirista Anthony McCarten (“Teoria de Tudo” e “Bohemian Rhapsody”) pretendiam preencher lacunas. Filme que fica numa janela entre a realidade e ficção. Teria então estas duas pessoas de posicionamentos tão diferentes tido esta conversa e se houvesse como teria sido? Então, num jardim eles se encontram, cada um deles tem um pedido a fazer ao outro, curiosamente ambos querem a mesma coisa, desistir daquilo que mais lutaram para ter, mas estranhamente ambos precisam um do outro para ter validada sua solicitação.
O que eu quero em minha vida é compaixão, um fluxo entre mim mesmos e os outros com base numa entrega mútua, do fundo do coração.
Marshall B. Rosenberg, Ph.D.
“Seus sapatos são uma crítica”
Não há spoiler em fatos, um Papa renunciou e outro teve que ser eleito. Talvez tentar entender os porquês seja a parte menos interessante.
O Papa Bento XVI fora julgado e condenado por muitos, pela sua aparência austera e pouco afetiva, momentos após sua eleição, um retrogrado que não faria as mudanças desejadas pelos fiéis e desgarrados do catolicismo. Os anos que seguirão trouxeram à tona as muitas denúncias de pedofilia encobertas em vários países e o Vatileaks, um escândalo de proporções nunca vistas, envolvendo lavagem de dinheiro e o vazamento de documentos que comprometia a idoneidade da Cúria Romana – os cargos mais importantes da Santa Fé no Vaticano. Chamavam-no de Papa Nazista, de distante e incomunicável com seus discursos em latim e suas incontáveis encíclicas. Em meio a tudo isto, um ato que deixaria até as pessoas que não se interessavam pelo assunto em descrença – a renúncia a cadeira de São Pedro.
Não julgueis, para não sejais julgado. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgado.
Mateus Capitulo 7. Versículo 1
Quando se abdica daquilo que se pensa ser seu destino, que passara anos buscando esta posição, um dos cargos mais poderosos do Mundo, todos nós podemos aprender com isto. Aprender sobre vulnerabilidade, sobre limitações e aceitar como somos, aceitar que é chegada a hora de ter que admitir que o que se deve abandonar.
Anos antes de Benné Brown escrever em seu livro “A Coragem de Ser Imperfeito” (2016), Marshall já apontava a vulnerabilidade como a raiz causa de toda a violência, a nossa incapacidade de aceitar nossa própria vulnerabilidade e a incapacidade de perceber de forma empática a vulnerabilidade do outro.
Longe das frases prontas que você reposta em suas redes sociais, o conceito de empatia em Psicologia nasceu na abordagem da Terapia Centrada no Cliente de Carl Rogers (1902/1987), psicólogo americano também formado na Universidade Madison em Wisconsin e indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1987. Então, vamos tirar o elefante branco da sala: empatia não é capacidade de estar no lugar do outro, isto é fisicamente impossível.
Empatia é a capacidade de mesmo você estando na sua pele, sendo quem você é sentindo o que você sente, você consegue ouvir o outro e perceber o que esta pessoa está falando e sentindo quando ela está se expressando e dizendo o que é importante, para ela.
“Dizem que Deus elege um Papa para corrigir o anterior”
Caro leitor, trabalhei arduamente para evitar spoilers. Como temos os dois maiores atores em atividade em cena, não se sinta impedido de ver o filme mesmo que depois de ler o texto. Portanto, agora que temos um cenário perfeito: a Capela Sistina, dois homens em seu vigor intelectual, que se permitem expressarem e ouvir atentamente o ponto de visto um do outro, nos apresentam uma de uma receita de Comunicação Não-Violenta.
Comunicação Não-Violenta – Modo de Fazer
Observar: Bento XVI, mesmo certo de suas convicções, quer ouvir o cardeal Bergoglio. Pergunta, presta atenção e gentilmente o ouve. Pontua, questiona, diz claramente que não há concordância, mas não demonstra julgá-lo por suas convicções. Não julgar aqui não se trata de algo religioso, como um mandamento, mas construir uma percepção de si e do outro para estabelecer comunicação.
Sentimento: Quanto mais o diálogo avança, o Papa Bento XVI percebe seu sentimento de coragem, que tudo que aconteceu é uma validação daquilo que ele esperava sentir quando fosse chegado o momento.
Necessidade: Havia algo que consumia Bento XVI há semanas, uma necessidade de expor sua vulnerabilidade, pois sua decisão havia sido tomada ele não sentia capaz de se manter em sua posição à frente da Igreja Católica.
Pedido: Quando o sentimento se encontra com a necessidade, é hora de fazer um pedido. Algo que acontece no filme que o Papa Bento chama de dilema espiritual, dado que ele confessa que deseja renunciar, mas para isto, precisa do Cardeal Bergoglio, que atônito fiz: “Se você fizer isto, estará danificando o Papado para sempre”, e Bento responde: “E o mal que eu farei se eu permanecer?”
O Papa do Fim do Mundo
Em entrevista ao Fantástico em 2014, o Papa Francisco (real-oficial, não resisti), disse que para sua saúde mental não vivia no apartamento Papal, porque ele não gosta de viver sozinho “então por razões psiquiátricas, eu moro na Casa Santa Marta com bispos, padres, visitantes não católicos. Almoçamos juntos no mesmo refeitório e conversamos”.
É impossível viver sozinho, mesmo quando estamos amalgamados com nossos celulares. Apesar de passarmos muito tempo mandando emoji e figurinhas para nossos grupos de relacionamento, estamos de fato nos comunicando?
A misericórdia é a dinamite que explode os muros.
Cardeal Jorge Bergoglo no filme Dois Papas
Comunicação necessita de embate, mas de forma boa. Desclassificar, categorizar, diminuir, simplificar e por fim excluir é quando o 5G cai para internet discada da comunicação.
Quando fazemos isto, o que acha que iremos receber? A beleza está na diferença, naquilo que faz o outro brilhar e quando vimos o reflexo em nós. Pensar que se sabe tudo sobre os seres humanos, te limita a conhecê-los verdadeiramente.
Saúde Mental é como um alimento, não basta nutrir, tem que ter gosto e dar prazer ao comer. Como saber se é bom ou ruim sem experimentar? Então, experimente: o divergente, o contraditório que há em si e no outro. Quando você pensa ser completo em si, perde a possibilidade de perceber a sua incompletude, pois sempre há um outro que pode dizer aquilo que você não pensou e fazer você sentir o que não sentiu.
Permita-se a ouvir suas necessidades e seus sentimentos e assim reconhecer que o outro também tem necessidades e sentimentos. Desejo que alcance uma boa Comunicação Não-Violenta, assim como Dois Papas dançando tango dentro dos muros do Vaticano.
Referências consultadas
DOIS PAPAS (Two Popes). Direção: Fernando Meirelles: Netlflix, 2019. (125 minutos).
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais I Marshall B. Rosenberg ; [tradução Mário Vilela]. – São Paulo: Ágora, 2006.
Psicologia? Psicanálise? Behaviorismo? Gestalt-Terapia? Perls? Skinner? Freud? Como é estruturado o saber psicológico? O que é o que?
O texto de hoje visa explanar sobre as chamadas 3 Grandes Forças em Psicologia, a fim de traçar uma organização teórica e cronológica acerca do behaviorismo, psicanálise e das linhas humanistas-existenciais.
A Psicologia enquanto ciência
Wundt e estudantes de psicologia em Leipzig
1879 é considerado o ano de nascimento da psicologia. Naturalmente que já se falava de psicologia e de temas como mente, comportamento, felicidade, sofrimento, percepção, inteligência, emoção, saúde, doença, entre outros tópicos basilares, desde a antiguidade, porém, 1879 é o ano em que W. M. Wundt (1832-1920) funda o 1º laboratório de psicologia experimental (Psychologische Institut, na Universidade de Leipzig – Alemanha). É a partir dessa data que a psicologia começa a criar um campo de conhecimento próprio, com metodologia própria e separada do saber filosófico.
Esta ciência tem de investigar os fatos da consciência, suas combinações e relações, de tal modo que possam, finalmente, descobrir as leis que governam tais relações e combinações.
(Wundt, 1912/1973, p. 1)
Os primeiros psicólogos experimentais (além de Wundt vale citar Ernst Heinrich Weber [1795-1878] e Gustav Theodor Fechner [1801-1889]) se debruçaram sobre temas como consciência, introspecção, sensação e percepção, limiares de percepção, atenção e emoções, por exemplo e utilizaram, principalmente, técnicas da chamada psicometria e psicofísica, para analisar e medir esses fenômenos.
A partir dessas investigações surgem ramificações, movimentos e escolas próprias como o estruturalismo, o funcionalismo, o behaviorismo (1ª grande força), a psicanálise (2ª grande força) e a psicologia humanista-existencial (3ª grande força). Essas correntes psicológicas são arcabouços teórico-práticos que influenciam a forma com que o psicólogo compreende e intervém sobre as questões humanas.
1ª Grande Força em Psicologia: o Behaviorismo
(Skinner, Watson e Pavlov com um cão, respectivamente)
O behaviorismo (ou comportamentalismo) nasce como uma crítica ao introspeccionismo e às teorias mentalistas (como a psicanálise), isto é, quando o indivíduo busca acessar, se conscientizar e relatar seus estados internos. Para os behavioristas, o introspeccionismo é falho e, além de fornecer informações errôneas, afasta a psicologia do seu verdadeiro objeto de estudo – o comportamento.
O problema mentalista pode ser evitado com procurarmos diretamente as causas físicas anteriores, desviando-nos dos sentimentos ou estados mentais intermediários. A maneira mais rápida de fazer isto consistem em limitarmo-nos àquilo que um dos primeiros behavioristas, Max Meyer, chamou de “a psicologia do outro”; considerar apenas aqueles fatos que podem ser objetivamente observados no comportamento de alguém em relação com a sua história ambiental prévia. Se todas as ligações são lícitas, não se perde nada por desconsiderar uma ligação supostamente imaterial.
(Skinner, 1974/2006, p. 16)
Dessa forma, essa corrente da psicologia se debruçou sobre o que pode ser observado e mensurado diretamente, isto é, o ambiente e o comportamento da pessoa, ou seja, as contingencias ambientas e comportamentais (estímulos anteriores e posteriores referentes à uma ação).
Podemos entender estímulo como “uma alteração detectável no meio em que o indivíduo está inserido” (Lombard-Platet, Watanabe & Cassetari, p. 37, 2008), o que compreende, por exemplo, alterações na luminosidade, temperatura, sons, cheiros e qualquer coisa captada pelos órgãos sensoriais. O comportamento, em um primeiro momento, tem ser uma ação observável e mensurável, isto é, o behaviorista não analisa o “sofrer” ou a “diversão”, mas pode analisar, em intensidade e frequência, o chorar, a diminuição da fala, a mudança na postura, o gritar, o sorrir, o pular, o correr…. Também falamos de comportamentos involuntários (respondentes, como alteração de pupila, sudorese, salivação, erubescer…) e voluntários (operantes, como acender a luz, pegar uma revista, andar até a padaria…). De uma forma resumida, os comportamentos involuntários são eliciados pelos estímulos antecedentes (condicionamento clássico, pavloviano ou respondente) enquanto os comportamentos voluntários são emitidos, reforçados, punidos ou extintos pelas suas consequências – o estímulo posterior (condicionamento operante). Com o avanço da corrente behaviorista passou-se a falar também dos chamados comportamentos encobertos, isto é, aqueles que não são observados diretamente por outrem (como pensar, sonhar, imaginar…). É importante dizer também que seu desenrolar/legado fez nascer a TCC – Terapia Cognitivo-Comportamental.
Autores do Behaviorismo
Os 3 principais e “clássicos” autores do behaviorismo são I. Pavlov (1849-1936), responsável pela descoberta do comportamento respondente; J. B. Watson (1878-1958), considerado o fundador da corrente, pai do behaviorismo metodológico e famoso pelo experimento do pequeno Albert; e B. F. Skinner (1904-1990), pai do behaviorismo radical, que ampliou as “Leis do Efeito” (de E. L. Thorndike) enquanto compreensão do comportamento operante, grande autor sobre processo de aprendizagem, criador da Caixa de Skinner, famoso pelos experimentos e demonstrações com ratos e pombos.
2ª Grande Força em Psicologia: a Psicanálise
(Representação da compreensão Freudiana sobre o aparelho psíquico humano: 1ª e 2ª tópica)
Aqui temos o papel do influente Sigmund Freud (1856-1939) e a importância da vida psíquica inconsciente, onde emergem temas como psicossomática, desenvolvimento psicossexual, neurose, histeria, mecanismos de defesa, sonhos, desejos e censuras. A psicanálise nasce na psicologia e dialoga, principalmente, com a psicologia clínica, todavia, hoje ela está para além da questão clínica, aparecendo como uma forma de estudar os aspectos dinâmicos da sociedade, economia, política e pensamento. Dessa forma, hoje temos muitos psicanalistas que não são psicólogos, mas possuem formação básica em filosofia, sociologia, medicina, letras e outras graduações. Falamos também de psicanálises, isso pois se trata de uma das linhas teórico-práticas que mais apresentam diferenças conceituais e intervencionistas de autor para autor, o costuma causar confusões naquilo que diz respeito às compreensões iniciais na temática. Mas, independente das diferenças do psicanalista em questão e como ele vai compreender aspectos do psiquismo, as psicanálises se aproximam quando compreendem um processo de conhecimento/tratamento/cura que, necessariamente e para sua efetividade, precisa passar pelo outro. Isto é, só sei de mim, pelo outro – e sobre essa questão específica, recomendo o seminário A Utopia do Autoconhecimento, veiculado no Café Filosófico, por Ricardo Goldenberg.
As psicanálises também costumam compartilhar a questão da transferência, isso é, padrões específicos relacionados às relações interpessoais passadas que direcionam a forma como a relação presente se manifesta e se estabelece – a transferência diz sobre seu portador e seu manejo pode ressignificar/resolver conflitos reprimidos. A noção da influência dos processos inconscientes também é basilar sobre o discurso do sujeito (discurso aqui, não compreende apenas a fala).
Digamos que alguém — um paciente em análise, por exemplo — nos relata um de seus sonhos. Nós supomos que desse modo ele faz uma das comunicações que se comprometeu a fazer iniciando um tratamento psicanalítico. Uma comunicação com meios inadequados, é certo, pois o sonho não é uma expressão social, um meio de entendimento. Não compreendemos o que ele quer dizer, e ele próprio não sabe o que é. Então temos que tomar rapidamente uma decisão: ou o sonho, como nos asseguram os médicos que não são psicanalistas, é um indício de que a pessoa dormiu mal, de que nem todas as partes do seu cérebro descansaram igualmente, de que alguns pontos quiseram continuar trabalhando, sob a influência de estímulos desconhecidos, e só puderam fazê-lo de modo bastante incompleto. Se assim for, será correto não nos ocuparmos mais do produto — psiquicamente sem valor — da perturbação noturna; pois o que tal pesquisa traria de útil para nossos propósitos? Ou então — percebemos que desde o início já decidimos de outra forma. Fizemos o pressuposto, adotamos o postulado — bem arbitrariamente, deve-se admitir — de que também esse sonho incompreensível teria de ser um ato psíquico inteiramente válido, de sentido e valor plenos, que podemos usar como qualquer outra comunicação na análise.
(Freud, 2010 pp. 95-96)
O clínico Freud foi influenciado, principalmente, por J.-M. Charcot (1825-1893), com quem aprendeu sobre histeria e hipnose, e J. Breuer (1942-1925) com quem estudou o método catártico (a cura pela fala). Sua obra é grande, estruturada e desenvolve o nascimento da psicanálise por meio de contato com outros saberes (biologia, física e literatura) e por meio dos processos de análise clínica e da autoanálise do próprio Freud.
Durante muito tempo, o aspecto mais conhecido e discutido da obra de Freud era o da teoria da libido, que ele elaborou inspirado nos modelos da eletrodinâmica ou da hidrodinâmica vigentes na ciência da época. Assim, o conceito de libido, que Freud concebeu como sendo a manifestação psicológica do instinto sexual, recebeu sua origem na tentativa de explicar fenômenos, tais como os da histeria, que Freud explicava como sendo resultantes do fato de que a energia sexual era impedida de expandir-se através de sua saída natural e fluía, então, para outros órgãos, ficando restringida ou contida em certos pontos e manifestando-se através de sintomas vários. Freud chegara à conclusão de que as neuroses, como a histeria, a neurose obsessiva, a neurastenia e a neurose de angústia (fobia), teriam sua causa imediata no aspecto “econômico” da energia psíquica, ou seja, num represamento quantitativo da libido sexual.
(Zimerman, 2007, p.23)
Autores da Psicanálise
Para além do próprio Freud, podemos citar a influência de nomes como J. Lacan (1901-1981), que propôs um retorno sistemático à obra de Freud e a relacionou com os saberes da antropologia, linguística e estruturalismo, além de ter desenvolvido conceitos como Real, Simbólico e Imaginário; M. Klein (1882-1960), expoente da chamada “escola inglesa de psicanálise” foi uma das primeiras psicanalistas a atender crianças e sua contribuição se dá, principalmente, na compreensão dos componentes e fenômenos associados à vida psíquica primitiva; D. Winnicott (1896-1971) que abordou o papel do ambiente-cuidador para com o desenvolvimento emocional do sujeito e trouxe, entre outros, os conceitos de criatividade primária e tendência antissocial.
3ª Grande Força em Psicologia: a Psicologia Humanista-Existencial
Como uma reação ao behaviorismo e à psicanálise, a partir da segunda metade dos anos 1950 (e ganhado maior desenvolvimento e destaque durante as duas décadas posteriores), surge a 3ª Força. Contrária a uma visão determinista do homem (seja pela questão dos condicionamentos comportamentais ou pelo determinismo do inconsciente), ela valoriza a experiência consciente e trabalha com tópicos como: livre arbítrio; autorrealização; criatividade; esperança; potencial; sentido; contato; decisão; congruência; responsabilidade; entre outros…
(Abraham Maslow)
Seu fundador é considerado A. Maslow (1908-1970), famoso por desenvolver a “pirâmide hierárquica das necessidades básicas” e quem primeiro cunhou o termo “psicologia positiva“, em uma contraposição à chamada “psicologia negativa” – tradicional e focada na doença, no transtorno, no sofrimento e em seu tratamento/cura. Dessa forma, a Psicologia Humanista incorporou a visão de homem e mundo referente aos movimentos intelectuais do humanismo, do existencialismo e da fenomenologia. Dentro dela, vamos encontrar abordagens distintas como a Gestalt-Terapia, a Abordagem Centrada na Pessoa, ou a Logoterapia, por exemplo, onde cada uma tem suas particularidades clínicas e acabam por se aproximar mais do humanismo ou do existencialismo, a depender da linha téorico-prática, mas todas fazem parte da 3ª força que, segundo Schultz & Schultz (2008), integra os seguintes pontos essenciais:
uma ênfase na experiência consciente;
uma crença na integralidade da natureza e da conduta do ser humano;
a concentração no livre-arbítrio, na espontaneidade e no poder de criação do indivíduo;
o estudo de tudo o que tenha relevância para a condição humana.
Dentre as abordagens clínicas dessa corrente psicológica, aquela que mais me identifico e acabei por estudar é a Gestalt-Terapia (não confundir com Psicologia da Gestalt). Essa abordagem é sempre uma terapia do contato e seu manejo é pautado no aqui-agora, sendo que a relação terapeuta-paciente funciona do ponto de vista dialógico, onde o terapeuta confronta e frustra o paciente que tenta se esquivar ou fugir do seu contato e experiência com o presente. A fenomenologia pauta o setting clínico e, desta forma, a interpretação não é adequada, mas sim a descrição. A farsa, as atuações e as incongruências não se sustentam na Gestalt-Terapia, uma vez que são valorizadas e validadas as experiências mais espontâneas e verdadeiras de alguém.
Gestalt-terapia é uma das forças rebeldes, humanistas e existenciais da psicologia, que procura resistir à avalanche de forças autodestrutivas, autoderrotistas, existentes entre alguns membros de nossa sociedade. Ela é “existencial” num sentido amplo. […] Nosso objetivo como terapeutas é ampliar o potencial humano através do processo de integração. Nós fazemos isto apoiando os interesses, desejos e necessidades genuínas do indivíduo.
(Perls, 1977, p.19)
A Gestalt-Terapia deve ser experimentada para melhor compreensão – ela não se basta enquanto teoria. Caso tenha curiosidade em saber como é uma sessão com abordagem gestáltica, recomendamos que participe de uma 😉 E recomendamos também que assista um, das várias sessões gravadas, com F. Perls – pai da GT. (após esse vídeo, colocamos também um atendimento de Carl Rogers, com a mesma mulher, para finalidades didáticas e comparativas).
Autores da Psicologia Humanista-Existencial
Como já foi dito antes, há abordagens mais humanistas e outras mais existenciais. C. Roger (1902-1987) pai da Abordagem Centrada na Pessoa e dos Grupos de Encontro, estudou sobre o crescimento pessoal, as relações interpessoais e os processos experienciais; F. Perls (1893-1970) ex-psicanalista, pai da Gestalt-Terapia, contribuiu naquilo que diz respeito à visão holística sobre o indivíduo, sobre o papel do terapeuta na conscientização das incongruências, bem como sobre as dificuldades da pessoa em experienciar e desfrutar do presente. V. Frankl (1905-1997), pai da Logoterapia, tem uma abordagem mais existencialista que se relaciona com a temática do sentido da vida – que começou a ser desenvolvida quando esse foi prisioneiro em um campo de concentração nazista.
Referências
Freud, S. (2010). O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). São Paulo: Companhia das Letras.
Lombard-Platet, V. L. V.; Watanabe, O. M. & Cassetari, L. (2008). Psicologia experimental: Manual teórico e prático de análise do comportamento. São Paulo: Edicon.
Schultz, D. P. & Schultz, S. E. (2008). História da psicologia moderna. São Paulo: Cengage Learning.
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