A política de Trump e seus efeitos nos pequenos
Estruturação frente à falta do Outro
(Imagem retirada da Internet. Na imagem lê-se: Nós temos os líderes que merecemos?)
Algum tempo atrás, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, intensificou a luta com relação à restrição da entrada no país de imigrantes ilegais.
Com a prática chamada de “tolerância zero”, o presidente determinou que ao serem flagradas ingressando em solo americano ilegalmente, as famílias fossem apartadas, com as crianças sendo direcionadas a abrigos. Antes, sempre que possível, as famílias eram mantidas unidas em prisões.
É importante apontar que parte das crianças que se encontram em abrigos, atravessou a fronteira sozinha, fugindo da violência de seus países de origem.
Muitas das crianças foram separadas dos pais antes dos 04 anos de idade. Isso impacta diretamente na estruturação da criança enquanto sujeito.
As fases do desenvolvimento sexual foram magistralmente descritas pelo meu colega Caio César. Sugiro que se remetam à esse texto para maior enfoque no tema.
Nasce um sujeito
(Imagem retirada da Internet)
Quando uma criança vem ao mundo, ela “chega ao mundo, portanto, engendrado no entrecruzamento desses modos expectantes do adulto que, nos vazios de sua trama, lhe dará lugar como objeto do desejo, de amor e de gozo” (Flesler, 2012, p.17). Isto é, ela vem carregada já de significação, ela já é falada no discurso dos pais.
A sua entrada na sociedade se dará por meio de uma balização imaginária, de forma especular. Explico. O eu, a noção própria de quem somos, que é diferente dos outros, só é obtida à partir do tu, à partir, justamente do outro, que é encarnado, normalmente, pela mãe, pai, e/ou cuidadores iniciais da criança.
Pouco à pouco começa à emergir na criança o símbolo (Lacan, 1953-1954/1996). A criança começa à entrar no jogo simbólico, começa a estar submetida à regras, na escola e em casa. Aí, efetivamente começa a humanização, o processo de entrada na cultura.
Dois conceitos concebidos por Freud merecem nossa atenção nesse momento, pois interpelam diretamente a estruturação da criança enquanto sujeito.
O primeiro é a noção de Eu Ideal, uma instância primariamente imaginária, ligada ao desejo materno, ao olhar do Outro sobre o bebê. Quando uma criança nasce, há um investimento libidinal muito forte por parte dos pais (ou cuidadores). Eles depositam na criança uma série de afetos muito intensos.
Após o Complexo de Édipo, entra em cena o Ideal de Eu, referência externa à família, que baliza as relações da criança com o grupo social em que está inserida. Ou seja, a criança passa à ter como referência algo externo, um ideal, uma causa que não esteja em seu círculo familiar.
O olhar desejante da mãe para o bebê configura o primeiro objeto da criança, a primeira forma de relação do sujeito. Esse é o Eu Ideal.
Psicoses e outras saídas desfavoráveis
(Imagem retirada da Internet)
O rompimento abruto do contato da criança com os genitores pode ocasionar uma série de complicações. Buscarei me apoiar também em trabalhos de F. Dolto e D. Winnicott.
A presença de um genitor nessa fase que é crucial para a constituição do sujeito. O atendimento psicanalítico à essas crianças vai na direção de uma aposta em um possível, de uma estruturação possível.
Um exemplo de um caso em que o analista aposta no sujeito, é o Caso Dominque, contado por Françoise Dolto no livro de mesmo nome. É um texto que me parece importante citar, dado que a “criança”, já com 14 anos, apresentava uma série de comportamentos psicóticos, totalmente desconexos com a realidade.
Naturalmente, a separação vivida por Dominique é bem diferente daquela enfrentada pelos filhos e filhas de imigrantes ilegais, atualmente nos EUA. Todavia, os efeitos psicotizantes da falta de uma figura paterna (ou que faça a função paterna) são notáveis.
Como diz Dolto (2010): “O amor que o ser humano, em sua pessoa em via de estruturação, tem pela mãe e pelas pessoas à sua volta é um amor cuja resultante efetiva é uma mímica de identificação, seguida do processo de introjeção”. Vemos aqui, o reconhecimento em forma de espelho que lhes dizia, uma identificação com os pais ou cuidadores que se rompida abruptamente, resulta em um sujeito preso em tempo passado, não conseguindo elaborar sua perda.
Winnicott, em seu trabalho Privação e Delinquência, fala justamente dos efeitos em crianças que não tiveram o acolhimento necessário, ou que o perderam, em momentos muito precoces da vida. A Criatividade Primária da criança é prejudicada, e surge, o que o autor chama de Tendência Anti-Social. Falando de Criatividade Primária, sugiro a leitura do texto do meu colega Caio Ferreira.
(Sociedade dos Psicólogos, 2017)
Olhemos pelos pequenos.
Até a próxima.
Por Igor Banin
*Todas as imagens aqui utilizadas foram retiradas da internet. Caso alguma seja de sua propriedade, entre em contato conosco imediatamente.
Referências Bibliográficas
Dolto, F. (2010). O caso Dominique. São Paulo: WMF Martins Fontes.
Flesler, A. (2012). Psicanálise de crianças e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar.
Lacan, J. (1953-1954/1996) Os escritos técnicos de Freud – Os Seminários, Livro I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Winnicott, D. (1987). Privação e Delinquência. São Paulo: Martins Fontes.
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