O que é o Autismo?

No mês de Abril comemora-se o mês da conscientização do Autismo. Para uma condição tão em voga para pais nos dias atuais, penso que seja necessário um debate explicativo do que é o autismo, como se constitui enquanto estrutura clínica e seu tratamento.

Autismo 2

Histórico

Apenas recentemente o Autismo ganhou um espaço próprio na compreensão diagnóstica psiquiátrica e psicológica. Até então, o autista era incluído no grande grupo de crianças com deficiências mentais (Kupfer, 1999).

Foi apenas nos anos 1940 que o autismo foi diferenciado das psicoses mais gerais, à partir dos trabalhos de Leo Kanner e Hans Asperger.

O asilamento provinha do diagnóstico frequente de incurabilidade do quadro clínico. A luta por direitos exercida por associações de pais fez com que o acesso à melhores tratamentos fosse possível (Laurent, 2014).

No âmbito da psicanálise, é importante destacar o trabalho de Rosine e Robert Lefort, que, seguindo os passos de Lacan, introduziram uma abordagem terapêutica que conciliava o entendimento psicanalítico lacaniano com a clínica da infância.

Autismo é genético?

Alguns acreditam que componentes genéticos são responsáveis pelo desencadeamento da sintomatologia autista. Por outro lado, temos aqueles que creem que o ambiente é responsável por si só.

A psicanálise envereda por uma terceira via, a da psicogênese, mas sem descartar a importância de outros elementos. Segundo Kupfer (1999):

“o autismo não seria nem o efeito de uma falha genética, nem o efeito de “interações ambientais” entendidas como o faz a psicologia americana, mas uma conseqüência da falha no estabelecimento da relação com o Outro, quer porque o Outro materno não esteve disponível, quer porque falhou no bebê a permeabilidade biológica ao significante.” (p. 99)

Como afirma Laurent (2014): “O fato de haver algo de biológico em jogo não exclui a particularidade do espaço de constituição do sujeito como ser falante” (p. 33).

Lacan dizia que um bebê não passa de um bife com olhos. A subjetivação vai sendo acrescida a sua vida com o passar do tempo, em sua entrada no laço social, na sociedade.

Pensando nisso, é importante ressaltar que a psicanálise não culpa as mães pela emergência no autismo em seus filhos, como falas errôneas pregam já há muito tempo.

Autismo no DSM

Pela perspectiva do DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders) o autismo se encontra dentro do grande conjunto de Transtornos de Neurodesenvolvimento.

Algumas das características diagnósticas do transtorno são:

“prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social (Critério A) e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividade (Critério B). Esses sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário (Critérios C e D). O estágio em que o prejuízo funcional fica evidente irá variar de acordo com características do indivíduo e seu ambiente. Características diagnósticas nucleares estão evidentes no período do desenvolvimento, mas intervenções, compensações e apoio atual podem mascarar as dificuldades, pelo menos em alguns contextos. Manifestações do transtorno também variam muito dependendo da gravidade da condição autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica; daí o uso do termo espectro. O transtorno do espectro autista engloba transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger.” (DSM, 2014, p. 53)

Em muitos casos o paciente não fala. Não porque não consegue, mas não sente a necessidade. A necessidade de rotinas bem definidas e seguidas à risca também é uma característica comum em pacientes com tal transtorno.

Autismo na Psicanálise

Rosine
Rosine e Robert Lefort

O autismo foi tema de debates intensos nos anos 80 e 90 no cenário psicanalítico. Muito se debatia se a sintomatologia autística se enquadrava dentro de um grande grupo de estruturas psicóticas, ou se era algo à parte. Apenas para relembrar rapidamente, a diagnóstica psicanalítica lacaniana se constitui de três estruturas clínicas, ou, em termos técnicos, três modulações de transferências, isto é, três maneiras de se estar com, e em relação ao Outro. São elas: Neurose, Psicose e Perversão.

O autista é psicótico?

Sim, e não. Pensando por uma clave de primeira clínica lacaniana o psicótico é um sujeito que não interiorizou o “Nome-do-Pai”, e isso, o autista não faz mesmo, o que em um primeiro momento nos levaria à crer que trata-se de uma estrutura no âmbito da psicose. Todavia, por outro lado, autistas não apresentam alucinações e delírios que frequentemente vemos em sujeitos de estrutura psicótica.

Para alguns analistas, há uma diferença, no entanto na forma de não integração do Nome-do-Pai entre psicose e autismo. Enquanto na primeira há um sujeito que se inscreve no Simbólico em uma posição fixa, na segunda não há assunção de sujeito.

Essa posição pode ser contestada pela teorização mais clássica da psicanálise em comportamentos frequentes em austistas como “tapar os ouvidos” quando na presença de outras pessoas. Em teoria, isso demonstra o reconhecimento de algo do qual o sujeito gostaria de “fugir” (Kupfer, 1999).

Penso que na estrutura autista como estando em um momento anterior de formação de alteridade em relação ao desenvolvimento do Eu, do que as psicoses mais clássicas.

Tratamento do Autismo

Autismo

O estigma gerado por um diagnóstico atrapalha ainda mais o sujeito que já encontra obstáculos em sua vida. Não é incomum que os pais da crianças assumam imaginariamente o lugar de defensores da “causa” de seus filhos (Laurent, 2014).

Importante mencionar que o meu entendimento do tratamento se dá a partir da clínica psicanalítica de orientação lacaniana.

Muito se fala em metodologias comportamentais de aprendizado, que, em muitos casos se concentra em objetivos como adquirir funções elementares, através do espelhamento. Critico nesses casos, as experiências que adquirem um aspecto coercitivo e imaginário, sem que se possa inserir o sujeito na troca significante.

O singular da falar do sujeito deve ser o ponto balizador da escuta do analista, e prover esse enquadramento de espaço ao sujeito o auxilia no processo de subjetivação.  Seu tempo e suas rotinas devem ser respeitados de tal modo que o avanço do tratamento aconteça progressivamente.

Sobre o acesso à linguagem do sujeito, Dolto (2010) afirma:

“Para estudar a linguagem difratada e diferida no comportamento, nos desenhos, nas modelagens e no discurso do analisando, o psicanalista topa com fantasias (até mesmo fantasias de fantasias), máscaras em camadas de cebola, que poderíamos chamar de “resistências” e que ele deve respeitar totalmente, se pretende socorrer o sujeito em sua relação consigo mesmo, reconhecidamente mascarado, mas também livre para conservar a máscara” (p. 210)

Um dos pontos importantes à se trabalhar na clínica de sujeitos autistas, é o desejo da mãe (Outro materno). Temos que lembrar que para Lacan, o sujeito se faz na e pela linguagem, através de um Outro que o enlaça. Esse Outro deve supor um sujeito e se dirigir à ele antes que ele exista (Kupfer, 1999).

As estereotipias, ou movimentos repetidos que o sujeito performa podem ser entendidos também como movimentos que não receberam uma significação pelo Outro, isto é, permanecem “sem sentido”.

A mãe (Outro) tem então o papel de criar , como afirma Kupfer (1999):

“Seja como for, o corpo de um bebê jamais sairá de sua condição de organismo biológico se não houver para ele um outro que sustente o lugar de Outro Primordial e que o pilote em direção ao mundo humano, que lhe dirija os atos para além dos reflexos, e, principalmente, que lhes dê sentido.” (p. 99)

Pensando no manejo dos pais no tratamento de seus filhos, Kupfer (1999) afirma:

“Aposta-se que, para eles, fará diferença que um psicanalista oponha resistência à objetalização da criança e à “desresponsabilização” do Outro materno, pois isto permitirá que se localize com maior precisão a posição das mães, quem sabe a tempo de a reverter.” (p. 107)

Que a conscientização que Abril nos traz perdure pelo ano.

Até a próxima,

Igor Banin

Referências Bibliográficas

American Psychiatric Association (2014). DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.

Dolto, F. (2010). O caso Dominique. São Paulo: Editoria WMF Martins Fontes.

Kupfer. M (1999). Psicose e Autismo na Infância: Problemas Diagnósticos. In Estilos da Clínica. (pp. 96-107, Instituto de Psicologia da USP). São Paulo.

Lacan, J. (1953/1998). Função e campo da fala e da linguagem. Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Laurent, E. (2014) A Batalha do Autismo: Da Clínica à Política. Rio de Janeiro: Zahar.

Mélega, M. (1999) Pós-Autismo: Uma narrativa psicanalítica. Rio de Janeiro: Imago.

 

Winnicott: Holding, Handling e Apresentação dos Objetos

Expoente da chamada escola inglesa de psicanálise, D. W. Winnicott (1986 – 1971) foi um médico pediatra e psicanalista pós-freudiano que conseguiu criar uma dimensão original na psicanálise. Em sua trajetória, entre outros tópicos, destacam-se:

  • o papel e valor do ambiente/cuidador para com o desenvolvimento do indivíduo;
  • as funções de holding, handling e apresentação de objetos;
  • a descoberta do objeto transicional e da zona potencial;
  • os conceitos de verdadeiro e falso self;
  • a teoria da tendência antissocial e delinquência.

Escola britânica de psicanálise e Donald Winnicott

Winnicott foi supervisando de Melanie Klein (1882-1960) – psicanalista austríaca responsável por pioneiras teorias e descobertas acerca do aparelho psíquico do bebê e da criança – sendo que a teoria kleiniana serviu tanto para Winnicott confirmar algumas de suas investigações, como para o guiar e inspirar sua em própria teoria e abordagem, distinta da clínica de Klein.

O olhar de Winnicott mirou o ambiente e os cuidados maternos que cercam o início da vida de alguém. Diferente de Klein, ele nos diz que não é possível compreender a vida psíquica primitiva do bebê olhando apenas para esse e suas fantasias, mas deve-se analisar também o ambiente no qual ele está inserido e como são os cuidados que ele recebe.

Dessa forma, a teoria winnicottiana nos diz que não existe um bebê separado do seu cuidador (There is no such thing as a baby / a baby alone doesn’t exist) Winnicott,

“Se a dependência realmente significa dependência, então a história de um bebê individualmente não pode ser escrita apenas em termos do bebê. Tem de ser escrita também em termos da provisão ambiental que atende a dependência ou que nisso fracassa”.

(Winnicott, 1975, p. 116)

melanie klein e donnald winnicott
(Melanie Klein e Donald W. Winnicott, em jantar para M. Klein, em Londres de 1952).

Dependência e ambiente em Winnicott

Winnicott observou que ao nascer, diferente de alguns outros bichos, o ser humano é completamente dependente de seu cuidador, sendo que, caso esse não provenha alimento e segurança para o bebê, o mesmo certamente morrerá, uma vez que é incapaz de buscar, inicialmente e por conta própria, o conforto no ambiente – ele chamou isso de dependência absoluta.

Na teoria winnicottiana aparecem 3 fases de dependência: absoluta; relativa e rumo à independência. Na dependência absoluta não há separação entre corpo e meio; ainda não existe Eu configurado; o indivíduo é completamente dependente do ambiente. Na dependência relativa começamos a encontrar o self separado do outro; é o início da distinção do ser; há Eu e há outro; envolve a utilização de objeto transicional; o indivíduo começa a buscar o ambiente, mas ainda necessita de cuidados de alguém. No rumo à independência temos o estabelecimento de relacionamentos do indivíduo para com objetos externos baseados no princípio da realidade. Para o autor, o ser humano é um ser potencialmente criativo, que carrega uma tendência inata para a integração e o desenvolvimento, mas cabe ao ambiente oferecer o suporte para que essas potencialidades se realizem. Dessa forma, Winnicott fala de um ambiente facilitador ou suficientemente bom, representado pela mãe suficientemente boa (good enough parent): alguém que consegue, de forma empática, sensível e dinâmica se adaptar aos diversos estágios de desenvolvimento do bebê e responder adequadamente tanto às suas necessidades quanto às suas tolerâncias em suportar a frustração. De acordo com o autor, é função da mãe suficientemente boa: o holding; o handling; e a apresentação dos objetos.

Sustentação (Holding)

Geralmente traduzido como sustentar ou segurar e, por outras vezes, mantido no original “holding”, o termo faz referência ao suporte físico e psíquico oferecido ao bebê pelo seu cuidador. Envolve um padrão empático e uma rotina nos cuidados do bebê e se expressa como um conjunto de comportamentos afetivos relacionados ao alimentar, limpar, proteger, uma vez que o bebê precisa estar fisicamente seguro e psicologicamente acolhido. O holding permite uma certa estabilidade e previsibilidade do ambiente, o que é fundamental para o desenrolar das tendências hereditárias do indivíduo. De acordo com Winnicott, esse processo se dialoga diretamente com a continuidade do ser, com a noção de ilusão e com a integração das partes do self.

“Tudo isso é muito sutil, mas ao longo de muitas repetições, ajuda a assentar os fundamentos da capacidade que o bebê tem de sentir-se real. Com esta capacidade o bebê pode enfrentar o mundo ou (eu diria) pode continuar a desenvolver os processos de maturação que ele ou ela herdaram.”

(Winnicott, 2012, p. 5)

“quando o ato de segurar o bebê é perfeito (e de um modo geral assim é, já que as mães sabem exatamente como fazê-lo),o bebê pode adquirir confiança até mesmo no relacionamento ao vivo, e pode não integrar-se enquanto está sendo seguro. Esta é a experiência mais enriquecedora. Freqüentemente, no entanto, o ato de segurar o bebê é irregular, e pode até mesmo ser desperdiçado pela ansiedade (o controle exagerado da mãe para não deixar o bebê cair) ou pela angústia (a mãe que treme, a pele quente, um coração batendo com muita força, etc.), casos em que o bebê não pode dar-se ao luxo de relaxar. O relaxamento acontece então, nestes casos, apenas por pura exaustão. Aqui, o berço ou a cama oferecem uma alternativa muito bem-vinda.”

(Winnicott, 1990a, p. 61)

Manejo (Handling)

Vibrant Health Mother hugging child – Katie M. Berggren

Traduzido como manejo ou deixado no original “handling”, esse termo deriva de hand (mão) e diz respeito ao contato pele com pele entre bebê e cuidador. Faz referência aos cuidados físicos e envolve o manuseio corporal do bebê durante os suportes básicos como: banho, troca e amamentação, por exemplo. Segundo o autor, o handling auxilia a formar as bordas do corpo, a harmonizar a vida psíquica (realidade interna) com o corpo (esquema corporal), a diferenciar o Eu do outro, e a reconhecer sua própria psique dentro do seu próprio corpo (personalização). Dessa forma, o par segurar-manejar é fundamental para o estabelecimento das bases mínimas que possibilitarão a instauração de um ser saudável e criativo.

“Um bebê pode ser alimentado sem amor, mas um manejo desamoroso, ou impessoal, fracassa em fazer do indivíduo uma criança humana nova e autônoma”.

(Winnicott, 1975, p. 172)

Apresentação de Objetos (Object-presenting)

Por fim, mas não menos importante, a 3ª função que compete à mãe suficientemente boa é a apresentação dos objetos (ou apresentação de mundo), que consiste em oferecer objetos substitutos de satisfação. Relaciona-se com a apresentação da externalidade e da realidade. É fundamental para a avanço da fase de dependência absoluta para dependência relativa, uma vez que possibilita o interesse, curiosidade e a busca por objetos de satisfação para além da cuidadora. A mãe deve apresentar o mundo em pequenas doses, ao passo em que permita a ilusão inicial (onipotência) de que quem criou aquilo foi o bebê. Segundo o autor, essa apresentação carrega a função formativa que permite o estabelecimento das relações objetais.

“O bebê desenvolve a expectativa vaga que se origina em uma necessidade não-formulada. A mãe, em se adaptando, apresenta um objeto ou uma manipulação que satisfaz as necessidades do bebê, de modo que o bebê começa a necessitar exatamente o que a mãe apresenta. Deste modo o bebê começa a se sentir confiante em ser capaz de criar objetos e criar o mundo real. A mãe proporciona ao bebê um breve período em que a onipotência é um fato da experiência.”

(Winnicott, 1990b, p.56).

Ambiente e Self

De acordo com o autor, o sucesso dos processos ambientais possibilitará o desenvolvimento e a estruturação saudável do ser (distinto, autêntico e criativo), assim como as falhas ambientais (negligências, intrusões ou desastres) levam ao desenvolvimento adaptativo e reativo de personalidade ao ambiente. O verdadeiro self e a sensação de que a vida vale apena ser vivida, apontada por Winnicott, é a realização da nossa tendência e potencial de desenvolvimento, assim como as estruturações defensivas do self, as neuroses e sensação de futilidade do viver, são características de um falso self que precisou se adaptar e/ou reagir a um ambiente falho.

Para saber mais sobre verdadeiro e falso self, recomendo a leitura do texto Explicando Winnicott: Criatividade Primária, onde abordo mais aspectos do desenvolvimento emocional primitivo e trago algumas relações entre o self e a criatividade primária. Deixo também como recomendação o trecho de “A criatividade humana e a crise contemporânea”, com psicanalista Carlos Plastino, que discorre sobre a temática.

Referências e complementos

Winnicott, D. W. (1975). O brincar & a realidade. Rio de Janeiro: Imago

Winnicott, D. W. (1990a). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago.

Winnicott, D. W. (1990b). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.

Winnicott, D. W. (2012). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes.

Por Caio Ferreira

A política de Trump e seus efeitos nos pequenos

A política de Trump e seus efeitos nos pequenos

Estruturação frente à falta do Outro

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(Imagem retirada da Internet. Na imagem lê-se: Nós temos os líderes que merecemos?)

Algum tempo atrás, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, intensificou a luta com relação à restrição da entrada no país de imigrantes ilegais.

Com a prática chamada de “tolerância zero”, o presidente determinou que ao serem flagradas ingressando em solo americano ilegalmente, as famílias fossem apartadas, com as crianças sendo direcionadas a abrigos. Antes, sempre que possível, as famílias eram mantidas unidas em prisões.

É importante apontar que parte das crianças que se encontram em abrigos, atravessou a fronteira sozinha, fugindo da violência de seus países de origem.

Muitas das crianças foram separadas dos pais antes dos 04 anos de idade. Isso impacta diretamente na estruturação da criança enquanto sujeito.

As fases do desenvolvimento sexual foram magistralmente descritas pelo meu colega Caio César. Sugiro que se remetam à esse texto para maior enfoque no tema.

Nasce um sujeito

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(Imagem retirada da Internet)

Quando uma criança vem ao mundo, ela “chega ao mundo, portanto, engendrado no entrecruzamento desses modos expectantes do adulto que, nos vazios de sua trama, lhe dará lugar como objeto do desejo, de amor e de gozo” (Flesler, 2012, p.17). Isto é, ela vem carregada já de significação, ela já é falada no discurso dos pais.

A sua entrada na sociedade se dará por meio de uma balização imaginária, de forma especular. Explico. O eu, a noção própria de quem somos, que é diferente dos outros, só é obtida à partir do tu, à partir, justamente do outro, que é encarnado, normalmente, pela mãe, pai, e/ou cuidadores iniciais da criança.

Pouco à pouco começa à emergir na criança o símbolo (Lacan, 1953-1954/1996). A criança começa à entrar no jogo simbólico, começa a estar submetida à regras, na escola e em casa. Aí, efetivamente começa a humanização, o processo de entrada na cultura.

Dois conceitos concebidos por Freud merecem nossa atenção nesse momento, pois interpelam diretamente a estruturação da criança enquanto sujeito.

O primeiro é a noção de Eu Ideal, uma instância primariamente imaginária, ligada ao desejo materno, ao olhar do Outro sobre o bebê. Quando uma criança nasce, há um investimento libidinal muito forte por parte dos pais (ou cuidadores). Eles depositam na criança uma série de afetos muito intensos.

Após o Complexo de Édipo, entra em cena o Ideal de Eu, referência externa à família, que baliza as relações da criança com o grupo social em que está inserida. Ou seja, a criança passa à ter como referência algo externo, um ideal, uma causa que não esteja em seu círculo familiar.

O olhar desejante da mãe para o bebê configura o primeiro objeto da criança, a primeira forma de relação do sujeito. Esse é o Eu Ideal.

Psicoses e outras saídas desfavoráveis

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(Imagem retirada da Internet)

O rompimento abruto do contato da criança com os genitores pode ocasionar uma série de complicações. Buscarei me apoiar também em trabalhos de F. Dolto e D. Winnicott.

A presença de um genitor nessa fase que é crucial para a constituição do sujeito. O atendimento psicanalítico à essas crianças vai na direção de uma aposta em um possível, de uma estruturação possível.

Um exemplo de um caso em que o analista aposta no sujeito, é o Caso Dominque, contado por Françoise Dolto no livro de mesmo nome. É um texto que me parece importante citar, dado que a “criança”, já com 14 anos, apresentava uma  série de comportamentos psicóticos, totalmente desconexos com a realidade.

Naturalmente, a separação vivida por Dominique é bem diferente daquela enfrentada pelos filhos e filhas de imigrantes ilegais, atualmente nos EUA. Todavia, os efeitos psicotizantes da falta de uma figura paterna (ou que faça a função paterna) são notáveis.

Como diz Dolto (2010): “O amor que o ser humano, em sua pessoa em via de estruturação, tem pela mãe e pelas pessoas à sua volta é um amor cuja resultante efetiva é uma mímica de identificação, seguida do processo de introjeção”. Vemos aqui, o reconhecimento em forma de espelho que lhes dizia, uma identificação com os pais ou cuidadores que se rompida abruptamente, resulta em um sujeito preso em tempo passado, não conseguindo elaborar sua perda.

Winnicott, em seu trabalho Privação e Delinquência, fala justamente dos efeitos em crianças que não tiveram o acolhimento necessário, ou que o perderam, em momentos muito precoces da vida. A Criatividade Primária da criança é prejudicada, e surge, o que o autor chama de Tendência Anti-Social. Falando de Criatividade Primária, sugiro a leitura do texto do meu colega Caio Ferreira.

winnicott

(Sociedade dos Psicólogos, 2017)

Olhemos pelos pequenos.

Até a próxima.

Por Igor Banin

*Todas as imagens aqui utilizadas foram retiradas da internet. Caso alguma seja de sua propriedade, entre em contato conosco imediatamente.

Referências Bibliográficas

Dolto, F. (2010). O caso Dominique. São Paulo: WMF Martins Fontes.

Flesler, A. (2012). Psicanálise de crianças e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar.

Lacan, J. (1953-1954/1996) Os escritos técnicos de Freud – Os Seminários, Livro I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Winnicott, D. (1987). Privação e Delinquência. São Paulo: Martins Fontes.