O Desafio da Clínica

Ou a Clínica do Desafio

Fazer Clínica é difícil. Escrever sobre ela, mais ainda. Posto isso, o exercício ao qual eu e meus colegas nos propomos aqui na Sociedade dos Psicólogos, se trata de refletir e discutir sobre aquilo que estamos praticando ali, no consultório, com nossos pacientes.

Por isso decidi falar brevemente sobre o contexto que se encontra na clínica e uma percepção bem pessoal sobre o trabalho de análise e a manutenção de um discurso analítico.

Brincando com o nome (O Desafio da Clínica ou a Clínica do Desafio), penso que a clínica psicanalítica é em primeiro lugar uma clínica arriscada. Um espaço e um fazer que se constitui à partir de um desejo fundamentalmente particular de cada analista de conhecer o outro, mas de movimentar algo no outro também, operar uma mudança.

A psicanálise se reinventa em cada análise, por mais clichê que isso possa parecer: cada caso é um caso.

A formação do analista

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(Sigmund Freud, imagem retirada da internet)

Me parece que a formação do analista é algo um tanto obscuro para a maioria das pessoas. Ele é um psicólogo? Um médico? Falei um pouco sobre a diferença entre psicologia, psicanálise e psiquiatria em outro lugar.

Penso que seja válido tratar um pouco mais sobre a formação específica do analista, orientado à partir da metáfora do tripé, exemplificado por Freud, ainda em seus tempos.

Estudo dos textos

Primeiro e talvez mais óbvio é o estudo dos textos clássicos, isto é, o candidato à analista deve conhecer os conceitos à partir dos quais vai orientar a sua prática.

Lacan disse que o conceito é como a faca para o açougueiro, isto é, deve ser afiado para que possa operar. Nesse contexto, o analista dirige o tratamento, e deve, portanto, entender as etapas e como manejar a transferência.

O estudo não se dá em uma graduação, como, por exemplo, a psicologia. A Psicanálise é normalmente ensinada em instituições dedicadas à clínica e pesquisa, e transmitida de maneira singular em cada análise.

Análise pessoal

O analista faz análise? Claro que faz, e deve fazer.

Que seus conflitos se choquem e atrapalhem a sua relação com o outro, no caso o paciente, é um luxo que o analista não pode se dar.

Freud já dizia que o tratamento de um paciente só pode avançar até onde a análise do próprio analista avançou. Quanto mais tempo tiveres na clínica mais saberás disso.

Supervisão clínica

A supervisão clínica se coloca no lugar da “escuta da escuta”. Estranhei essa expressão da primeira vez que a ouvi, mas agora isso me faz total sentido. Não só as interpretações erradas ou omitidas que ocorrem por parte do analista, mas todos os entraves onde a escuta parece estar “emperrada”, batendo geralmente em uma questão tua, que deve ser trabalhada na análise pessoal.

O desejo do analista

Segundo Lacan, aquilo que sustenta o analista é seu desejo, desejo este que pode ser um só, que o analisando se analise.

A disponibilidade para que a transferência entre paciente e analista ocorra deve estar presente naturalmente no analista.

A Psicanálise atua de forma contrária ao laço social que parece dominar o mundo do trabalho nos dias de hoje. Metas, obsessão por resultados, pressão pelo ganho financeiro são coisas absolutamente alheias ao dia-a-dia do analista. Não que o analista seja um marajá, vivendo sem preocupação financeira, por exemplo. Todavia, a construção da clínica é algo que se dá de forma progressiva. Você pode ganhar dinheiro com a clínica, mas isso não é o objetivo, e sim consequência do bom trabalho feito.

O analista e seu lugar

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(Carlo Antonini, Ps!, HBO)

Pouco à pouco se vai descobrindo que a noção de um setting estático é uma furada. O espaço onde a transferência pode ocorrer é o próprio analista, isto é, a análise pode ocorrer fora da clínica. Não sou muito simpático à ideia de que o consultório pareça um oásis em meio à cidade, um lugar que pareça deslocado do tempo e espaço. A análise ocorre na cidade, na vida.

O lugar do analista diz de um espaço de escuta, onde o paciente pode se ouvir, e desamarrar seus próprios nós. Já ouvi de Christian Dunker que o analista é apenas o editor, o analisando é o autor. Sujeito de sua própria história.

 

À todos vós que se endereçam à clínica: bem-vindos, corajosos.

Por hoje é só.

Até a próxima.

Por Igor Banin

Ps: Fica aqui uma recomendação de vídeo que trata (talvez lateralmente) da clínica como a vejo:

Referências Bibliográficas

Forbes, J. (2014) Psicanálise – A clínica do Real. Barueri: Manole.

Freud, S. (1913/1996). O caso de Scheber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. (Obras completas de Sigmund Freud, v.12). Rio de Janeiro: Imago.

Nasio, J. D. (1999) Como trabalha um psicanalista? São Paulo: Editora Zahar.

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