Coraline e a parentalidade atual: Como ser pai hoje em dia?

Como ser pai hoje em dia?

Recentemente assisti um filme que é humilde em sua proposta, mas que, visto de perto explicita uma forma de relação muito própria ao nosso tempo. Ser pai e mãe, e como os filhos tomam essas figuras para si. Coraline, criado com base no livro homônimo de Neil Gaiman.

Fazendo face à esse filme, discutiremos alguns aspectos da parentalidade atual, de como é ser pai no século XXI.

Coraline e o mundo secreto

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(Imagem retirada da Internet)

Coraline é um filme de 2009, que conta a história de uma garota de 11 anos, filha única, com uma curiosidade característica da idade, que se muda para uma nova casa com seus pais.

Os pais de Coraline parecem ser a personificação de quem não investe em seus filhos, os chatos, por excelência. Ambos trabalham de casa, escrevendo para publicações sobre jardinagem (Algo que Coraline aponta de hipócrita em seus pais, é o fato de não gostarem de terra).

Sempre atolados de trabalho, não encontram (e parecem nem procurar) tempo para estar com Coraline. Sozinha, ela vaga pela casa procurando por diversão e aventura. Acaba encontrando uma pequena porta na sala de sua casa, que parece ser apenas decorativa agora, lembrança de uma passagem antiga da casa, talvez.

Logo, Coraline descobre que a passagem se abre durante a noite, revelando um “mundo à parte”, que representa de forma “quase” fidedigna o seu próprio. Lá, encontra seus Outros pais, figuras que parecem fisicamente com os pais verdadeiros, mas que agem de maneira completamente oposta, realizando todos os desejos de Coraline.

Encontra então a Bela Dama, disfarçada de a Outra mãe, a vilã de toda a história, que rapta, e se alimenta da alma (lemos desejo aqui) das crianças que moram, ou moraram, na casa. Todos os personagem neste outro mundo usam botões de costura no lugar dos olhos. Costurar os botões em seus olhos é o preço para permanecer para sempre nesse mundo de gozo eterno.

Para não estragar o desfecho, recomendo à todos que assistam o longa.

A criança em análise

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(Imagem retirada da Internet)

Em análise não tratamos da criança, e sim do sujeito (Flesler, 2012). Digo isso pois me parece estranho as divisões e especialidades que são colocadas

Entendemos que a criança já é falada mesmo antes de vir ao mundo. Como diz Alba Flesler:  “Um ser humano chega ao mundo, portanto, engedrado no entrecruzamento desses modos expectantes do adulto que, nos vazios de sua trama, lhe dará lugar como objeto do desejo, de amor e de gozo…” (2012, p.17).

A criança vem ao mundo enquanto objeto de completude do Outro, ele é algo que falta à mãe.

O pai entra em cena, com a função de nomear os objetos para a criança, instaurando um corte na relação simbiótica entre mãe e bebê (O que justamente a Bela Dama buscava no filme).

Tendo isso em vista, pensamos que “Uma criança chega ao consultório de uma analista pelas ressonâncias que gera num adulto” (Flesler, 2012, p.11). Por isso, temos sempre em vista qual a queixa, e de quem é de fato, um sintoma da criança, ou uma criança enquanto sintoma dos pais.

 

No filme, os botões nos olhos representam a falta de desejo na criança. A mãe a coloca no lugar de falo, de objeto de completude. A criança não pode, pois, desejar algo além dela. Fecha-se toda a possibilidade de uma emancipação da criança em relação ao desejo dos pais.

Quando não “há jogo”, o sujeito é eclipsado pelo desejo do Outro. Novamente recorrendo à senhorita Flesler:

“… o objeto a escreve uma dupla função: como falta, será causa do desejo; como mais-de-gozar, será objeto do gozo. Quando o objeto falta ou está ausente, opera dando causa do desejo; em troca, quando está presente, é um mais-de-gozar que, caso se mantenha fixo, obstrui, como um tampão, o sítio ou furo necessário para o engendramento ou promoção do movimento desejante” (Flesler, 2012, p.26)

Tratamos a criança, e a auxiliamos à sair o mais rapidamente da trama que está a prendendo em seu desenvolvimento. Nem sempre isso é possível, haja visto que os pais é que trazem a criança. Quando a criança começa a se movimentar, causa efeitos nos pais,  e isso muitas vezes não é suportável.

Se quiser saber mais sobre a clínica da infância à partir da perspectiva lacaniana, clique aqui.

Parentalidade hoje

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(Imagem retirada da Internet)

Para a psicanálise, o papel dos pais é, em sua essência, transmitir a falta, o limite, o que parece estar cada vez mais complexo.

Pais e filhos habitam tempos diferentes (Corso, D; Corso, M, 2006). Por isso, os filhos nunca saberão como foi ter crescido onde seus pais cresceram, e os pais, por sua vez, nunca entenderão o mundo em que seus filhos estão se desenvolvendo para tomar o seu lugar.

Alguns pais, como os de Coraline, não parecem ter tempo para afetos direcionados à seus filhos, o trabalho e a pós-graduação falam mais alto. Afogam a criança em si mesmas. Com isso vêm as aulas de canto, piano, inglês e por aí vai. Existe um excesso de estímulos, onde a criança é convidada à estar sempre ocupada, e formando seu currículo.

Como disse Manonni (1999): “O sintoma vem no lugar de uma fala que falta” (p. 48). Quando a palavra não circula, o sintoma reclama seu lugar na vida do sujeito.

Outro sintoma moderno é a dificuldade dos adultos de passarem da posição de filhos, para a posição de pais. Uma mudança significativa à nível psíquico, que diz do lugar em que se está em relação ao Outro.

“Uma criança condensa, para quem a deseja, uma expectativa que exige satisfação e que convida o sujeito a ocupar muito cedo o lugar do objeto preenchedor. Não apenas em relação aquilo que dele se deseja, mas também à satisfação que outorga no plano do gozo e do amor dos pais” (Flesler, 2012, p.16-17).

Damos o que não tivemos aos nossos filhos, logo, espera-se que sejam mais do que fomos. Parece ser impossível para nós aceitar que nossos filhos podem falhar no que desejarem fazer.

Com a mudança nas relações sociais, os jovens estão autorizados à buscar o saber por si mesmos. Tudo está ao acesso por um toque. Não parecem depender mais do saber transmitido por sua família apenas. Os adultos são estrangeiros de nosso tempo.

A adolescência é um pagamento parcelado, entra-se na “adultez” pouco a pouco. Mas sempre resta algo. Todos temos pendências com a nossa adolescência.

Os pais devem sempre acreditar no possível, e poder assim transmitir uma vontade de viver para seus filhos. O analista faz esse papel, apostando em um desenvolvimento do sujeito.

Para entender nossos filhos, temos primeiro que entender nossa própria infância.

Mais análise para nós à frente.

Até a próxima.

Por Igor Banin.

Referências Bibliográficas

Corso, D; Corso, M. (2006). Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed.

Flesler, A. (2012). Psicanálise de crianças e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar.

Mannoni, M. (1999) A Criança, sua “Doença” e os Outros. São Paulo: Via Lettera.

Selick, H. (Director). (2009). Coraline [Motion Picture]. USA: Laika Entertainment.

“Adolescentes e adultos: tudo fora do eixo”. Palestra da série: Adolescência em cartaz por Mario Corso e Diana Corso, feita em 2018. Promovido pela CPFL Cultura.

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