Expoente da chamada escola inglesa de psicanálise, D. W. Winnicott (1986 – 1971) foi um médico pediatra e psicanalista pós-freudiano que conseguiu criar uma dimensão original na psicanálise. Em sua trajetória, entre outros tópicos, destacam-se:
- o papel e valor do ambiente/cuidador para com o desenvolvimento do indivíduo;
- as funções de holding, handling e apresentação de objetos;
- a descoberta do objeto transicional e da zona potencial;
- os conceitos de verdadeiro e falso self;
- a teoria da tendência antissocial e delinquência.
Escola britânica de psicanálise e Donald Winnicott
Winnicott foi supervisando de Melanie Klein (1882-1960) – psicanalista austríaca responsável por pioneiras teorias e descobertas acerca do aparelho psíquico do bebê e da criança – sendo que a teoria kleiniana serviu tanto para Winnicott confirmar algumas de suas investigações, como para o guiar e inspirar sua em própria teoria e abordagem, distinta da clínica de Klein.
O olhar de Winnicott mirou o ambiente e os cuidados maternos que cercam o início da vida de alguém. Diferente de Klein, ele nos diz que não é possível compreender a vida psíquica primitiva do bebê olhando apenas para esse e suas fantasias, mas deve-se analisar também o ambiente no qual ele está inserido e como são os cuidados que ele recebe.
Dessa forma, a teoria winnicottiana nos diz que não existe um bebê separado do seu cuidador (There is no such thing as a baby / a baby alone doesn’t exist) Winnicott,
“Se a dependência realmente significa dependência, então a história de um bebê individualmente não pode ser escrita apenas em termos do bebê. Tem de ser escrita também em termos da provisão ambiental que atende a dependência ou que nisso fracassa”.
(Winnicott, 1975, p. 116)
Dependência e ambiente em Winnicott
Winnicott observou que ao nascer, diferente de alguns outros bichos, o ser humano é completamente dependente de seu cuidador, sendo que, caso esse não provenha alimento e segurança para o bebê, o mesmo certamente morrerá, uma vez que é incapaz de buscar, inicialmente e por conta própria, o conforto no ambiente – ele chamou isso de dependência absoluta.
Na teoria winnicottiana aparecem 3 fases de dependência: absoluta; relativa e rumo à independência. Na dependência absoluta não há separação entre corpo e meio; ainda não existe Eu configurado; o indivíduo é completamente dependente do ambiente. Na dependência relativa começamos a encontrar o self separado do outro; é o início da distinção do ser; há Eu e há outro; envolve a utilização de objeto transicional; o indivíduo começa a buscar o ambiente, mas ainda necessita de cuidados de alguém. No rumo à independência temos o estabelecimento de relacionamentos do indivíduo para com objetos externos baseados no princípio da realidade. Para o autor, o ser humano é um ser potencialmente criativo, que carrega uma tendência inata para a integração e o desenvolvimento, mas cabe ao ambiente oferecer o suporte para que essas potencialidades se realizem. Dessa forma, Winnicott fala de um ambiente facilitador ou suficientemente bom, representado pela mãe suficientemente boa (good enough parent): alguém que consegue, de forma empática, sensível e dinâmica se adaptar aos diversos estágios de desenvolvimento do bebê e responder adequadamente tanto às suas necessidades quanto às suas tolerâncias em suportar a frustração. De acordo com o autor, é função da mãe suficientemente boa: o holding; o handling; e a apresentação dos objetos.
Sustentação (Holding)
Geralmente traduzido como sustentar ou segurar e, por outras vezes, mantido no original “holding”, o termo faz referência ao suporte físico e psíquico oferecido ao bebê pelo seu cuidador. Envolve um padrão empático e uma rotina nos cuidados do bebê e se expressa como um conjunto de comportamentos afetivos relacionados ao alimentar, limpar, proteger, uma vez que o bebê precisa estar fisicamente seguro e psicologicamente acolhido. O holding permite uma certa estabilidade e previsibilidade do ambiente, o que é fundamental para o desenrolar das tendências hereditárias do indivíduo. De acordo com Winnicott, esse processo se dialoga diretamente com a continuidade do ser, com a noção de ilusão e com a integração das partes do self.
“Tudo isso é muito sutil, mas ao longo de muitas repetições, ajuda a assentar os fundamentos da capacidade que o bebê tem de sentir-se real. Com esta capacidade o bebê pode enfrentar o mundo ou (eu diria) pode continuar a desenvolver os processos de maturação que ele ou ela herdaram.”
(Winnicott, 2012, p. 5)
“quando o ato de segurar o bebê é perfeito (e de um modo geral assim é, já que as mães sabem exatamente como fazê-lo),o bebê pode adquirir confiança até mesmo no relacionamento ao vivo, e pode não integrar-se enquanto está sendo seguro. Esta é a experiência mais enriquecedora. Freqüentemente, no entanto, o ato de segurar o bebê é irregular, e pode até mesmo ser desperdiçado pela ansiedade (o controle exagerado da mãe para não deixar o bebê cair) ou pela angústia (a mãe que treme, a pele quente, um coração batendo com muita força, etc.), casos em que o bebê não pode dar-se ao luxo de relaxar. O relaxamento acontece então, nestes casos, apenas por pura exaustão. Aqui, o berço ou a cama oferecem uma alternativa muito bem-vinda.”
(Winnicott, 1990a, p. 61)
Manejo (Handling)
Traduzido como manejo ou deixado no original “handling”, esse termo deriva de hand (mão) e diz respeito ao contato pele com pele entre bebê e cuidador. Faz referência aos cuidados físicos e envolve o manuseio corporal do bebê durante os suportes básicos como: banho, troca e amamentação, por exemplo. Segundo o autor, o handling auxilia a formar as bordas do corpo, a harmonizar a vida psíquica (realidade interna) com o corpo (esquema corporal), a diferenciar o Eu do outro, e a reconhecer sua própria psique dentro do seu próprio corpo (personalização). Dessa forma, o par segurar-manejar é fundamental para o estabelecimento das bases mínimas que possibilitarão a instauração de um ser saudável e criativo.
“Um bebê pode ser alimentado sem amor, mas um manejo desamoroso, ou impessoal, fracassa em fazer do indivíduo uma criança humana nova e autônoma”.
(Winnicott, 1975, p. 172)
Apresentação de Objetos (Object-presenting)
Por fim, mas não menos importante, a 3ª função que compete à mãe suficientemente boa é a apresentação dos objetos (ou apresentação de mundo), que consiste em oferecer objetos substitutos de satisfação. Relaciona-se com a apresentação da externalidade e da realidade. É fundamental para a avanço da fase de dependência absoluta para dependência relativa, uma vez que possibilita o interesse, curiosidade e a busca por objetos de satisfação para além da cuidadora. A mãe deve apresentar o mundo em pequenas doses, ao passo em que permita a ilusão inicial (onipotência) de que quem criou aquilo foi o bebê. Segundo o autor, essa apresentação carrega a função formativa que permite o estabelecimento das relações objetais.
“O bebê desenvolve a expectativa vaga que se origina em uma necessidade não-formulada. A mãe, em se adaptando, apresenta um objeto ou uma manipulação que satisfaz as necessidades do bebê, de modo que o bebê começa a necessitar exatamente o que a mãe apresenta. Deste modo o bebê começa a se sentir confiante em ser capaz de criar objetos e criar o mundo real. A mãe proporciona ao bebê um breve período em que a onipotência é um fato da experiência.”
(Winnicott, 1990b, p.56).
Ambiente e Self
De acordo com o autor, o sucesso dos processos ambientais possibilitará o desenvolvimento e a estruturação saudável do ser (distinto, autêntico e criativo), assim como as falhas ambientais (negligências, intrusões ou desastres) levam ao desenvolvimento adaptativo e reativo de personalidade ao ambiente. O verdadeiro self e a sensação de que a vida vale apena ser vivida, apontada por Winnicott, é a realização da nossa tendência e potencial de desenvolvimento, assim como as estruturações defensivas do self, as neuroses e sensação de futilidade do viver, são características de um falso self que precisou se adaptar e/ou reagir a um ambiente falho.
Para saber mais sobre verdadeiro e falso self, recomendo a leitura do texto Explicando Winnicott: Criatividade Primária, onde abordo mais aspectos do desenvolvimento emocional primitivo e trago algumas relações entre o self e a criatividade primária. Deixo também como recomendação o trecho de “A criatividade humana e a crise contemporânea”, com psicanalista Carlos Plastino, que discorre sobre a temática.
Referências e complementos
Winnicott, D. W. (1975). O brincar & a realidade. Rio de Janeiro: Imago
Winnicott, D. W. (1990a). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago.
Winnicott, D. W. (1990b). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.
Winnicott, D. W. (2012). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes.
Por Caio Ferreira
2 comentários
Thais · 13 de agosto de 2021 às 16:12
Olá, gostaria de saber o local de publicação para citar essa matéria em meu TCC.
Att.
Thais Lima
04 Filmes que VOCÊ JÁ DEVERIA TER ASSISTIDO sobre Psicologia | Sociedade dos Psicólogos · 13 de junho de 2021 às 13:23
[…] refrigerante, vinho, cerveja, cigarros, charutos e todos os confortos que um retorno, via objetos de transição, à fase oral podem proporcionar! Desejo a vocês a melhor das [re]vivências da pulsão escópica: […]