Nos anos 90, depois do enorme sucesso de Uma Cilada para Roger Rabbit, os estúdios Warner encomendaram ao Steven Spielberg uma série de TV para o público infantil intitulada Animanics, desenho de muito sucesso que fora transmitido em canal aberto no Brasil. Tentando retomar o humor pastelão das décadas de 40 e 50 para uma nova geração, o objetivo é criar algo mais adequado com os valores vigentes com de forma educativa. Afinal, não era politicamente correto jogar bigornas ACME nos amiguinhos. Entre os personagens criados, Pink e o Cérebro se perpetuaram ao longo do tempo graças a uma pergunta: “O que faremos hoje, Cérebro?” e sua celebre resposta “O que fazemos todos os dias Pink, tentar dominar o mundo”.

Somente na sua temporada final, os roteiristas resolveram se valer do fato que os personagens eram ratos de laboratório. O que nos leva a reflexão deste artigo, o 63º episódio “Pavlov’s Mice” (algo como “Os ratos de Pavlov”) em que nossos personagens se encontram com uma personalidade que tem um papel importante na Psicologia o célebre médico russo, fisiologista e Prêmio Nobel Ivan Pavlov.

Em seus experimentos Pavlov utilizava cachorros. Puristas torcem o nariz com estas inferências, o correto seria colocar nossos personagens no laboratório de Skinner. No meu texto anterior, sobre o episódio de Black Mirror Bandersnatch falamos sobre este experimento. Um desenho é entretenimento não uma aula de história, apesar experimento estar de forma simplista no episódio, nossos heróis cantam uma canção russa e uma dança ao ouvir o sino. Os roteiristas resolveram que os planos do Cérebro (Brain em inglês é uma sigla “Biological Recombinante Algorithmic Intelligence Nexus”, que fora um experimento sem sucesso, pois os demais ratos não replicaram da mesma forma, exemplo seu companheiro Pink) era roubar as joias da Coroa Russa, claro que não dá certo, as crianças riem, as falas são ditas o desenho acaba e a programação continua. Esta é uma das pouquíssimas citações na cultura pop sobre uma das descobertas mais importantes feitas na História da Psicologia.

Assim como no desenho, a palavra por traz da descoberta e seu conceito andam sendo empregados, digamos no mínimo, fora de contexto – um erro elementar. Assim como nos papos de bar, o Fantástico Mundo da Internet possibilita o expressar de opinião sobre quaisquer assuntos sem a exigência de um conhecimento aprofundado. Antes de falar sobre o assunto principal, não me leve a mal garanto que será bem útil, apontarei a diferença entre: palavra, conceito e contexto.

  1. Palavra: (Sub. Fem.) unidade da língua escrita.
  2. Conceito: (Sub. Masc.) compreensão que alguém tem de uma palavra; noção, concepção, ideia.
  3. Contexto: (Sub. Masc.) conjunto de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue a determinada palavra, frase ou texto, e que contribuem para o seu significado; encadeamento do discurso.

Esteja previamente avisado de que nenhum conceito, uma vez que entendido, supera a sensação de estranhamento do que a palavra: condicionamento.

Pião preto na casa E7

Geralmente, as pessoas começam a explicar o conceito pelo conceito, isto é igual aquilo. Neste caso é necessário algo mais complexo, como por exemplo, um jogo de xadrez. Sabemos que o objetivo é o xeque-mate, muito mais importante do que simplesmente dominar a movimentação das peças; ao tentar absorver a complexidade é necessário entender o qual estratégia o jogador traz consigo ao realizar os primeiros movimentos.

Para armar este tabuleiro, primeiro é necessário entender o que é um comportamento. Tudo que você faz da hora que acorda até á hora que vai dormir são emissões de comportamento. Certo?

Neste momento, como eu gostaria que a explicação fosse tão simples quanto. Parte do entendimento equivocado do conceito é exatamente por tentar simplifica-lo. Perceba que, apesar de parecer, um comportamento é algo mais complexo do que somente pegar um celular e colocar ao alcance dos olhos para leitura ao toque de uma mensagem.

Ainda hoje, estudiosos da Psicologia Comportamental divergem sobre o conceito do que é um comportamento. No texto ‘Sobre uma definição de comportamento’, João Claudio Todorov, cita diversos autores e sugere que o “comportamento é um processo com duração definida que ocorre o tempo todo, e parte da interação, mas não é a interação em si.” Vejamos, se um comportamento é parte de uma interação, outras peças deste jogo precisam ser deslocadas, neste caso vamos nos entender o que é uma interação.

Interação e Revolução Cognitiva

Interação entre indivíduos ocorre desde dos primórdios em nossa espécie, mas perceba, não é qualquer interação. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade – livro de Yubal Noah Harari, traça a evolução da espécie Homo sapiens, que exerceu um domínio sobre as outras espécies da família dos primatas há 70 mil anos atrás e se espalhou sobre as demais regiões do planeta habitáveis na África e Eurásia.

O Homo sapiens, diferente do que o senso comum propaga, não conseguiu expandir territorialmente através da força bruta. Muito além da evolução genética na qual o nosso ancestral apresentou cérebro em tamanho maior dos que outros hominídeos. Harari chamou de Revolução Cognitiva, uma capacidade que iniciou com os nossos antepassados adaptando ferramentas rudimentares que pudessem extrair tutano de carcaças deixadas por outros animais (mesmo porque o confronto poderia ser fatal), passou pelo domínio do fogo e a habilidade de cozinhar alimentos que em natura poderiam ser indigestos e chegou as habilidades de se comunicar, interagir com os outros de sua espécie e compartilhar mitos e crença.

“Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar o limite crítico (de no máximo 150 liderados por líder), fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios que governam centenas de milhões? O segredo provavelmente foi a ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos”

Harari

Este fora o setup de nosso desenvolvimento, quanto maior a fosse as necessidades: crescimento da população, abrigo, proteção, alimentação entre outras; consequentemente maiores eram as contingências de reforçamento. Sejam por necessidade (tabu) ou imposição (totem), novas regras eram criadas para estabelecer a ordem, não é mesmo Dr. S. Freud?

Nosso comportamento ao longo dos anos fora moldado por estas questões. De geração em geração foram transmitidos conhecimentos sobre: o que devemos fazer, como devemos fazer e quando devemos fazer. Quase nunca, ou delegado a uma casta intelectual superior, vinha o porquê fazemos.

Comportamento é dependente de contingência, absolutamente tudo que está no entorno de você pode se tornar contingência. Imagine que você está numa feira livre em São Paulo e sente o cheiro de pastel, não tem fome, mas tem vontade de comer pastel, automaticamente saliva por um copo de caldo de cana bem gelado, vem à mente e o pensamento ‘por que não?’. Se você tiver em Porto Alegre, pense num churrasco maturado a 12h. No Rio de Janeiro uma feijoada, na Bahia um acarajé, em Fortaleza peixe recém pescado frito na hora… Viva o Brasil! Este é um simples exemplo do que é uma contingência, “em sentido mais geral, a contingência poderia significar qualquer relação de dependência entre os eventos ambientais ou entre os eventos comportamentais e ambientais.” (Skinner. 1953: 1969).

Tudo bem, Harari havia alertado no livro, temos uma facilidade em entender que nossos ancestrais faziam assim, mas nós, superamos isto, somos mais inteligentes, evoluídos, não é? Lembre-se que eu avisei sobre a sensação de estranhamento.

“Em resumo, no campo do comportamento como um todo, as contingências de reforço que definem o comportamento operante estão por toda parte. Aquelas sensíveis a esse fato às vezes ficam embaraçados com a frequência com a qual eles veem reforço por toda parte, como os marxistas veem a luta de classes ou os freudianos o complexo de Édipo.”

Skinner

De volta ao passado na Russia

Somente em 1903 (exatamente 116 anos atrás), Dr. Ivan Pavlov estava estudando o reflexo (lembra que ele era fisiologista) em animais, especificamente em cães. O experimento consistia (imagem) que um cão era preso numa traquitana e era mensurada a quantidade de salivação, sempre fazendo um intervalo para alimentar o cão. Primeiro passo era apresentado o alimento (estimulo não condicionado), resultado aumento de salivação. Segundo passo, no período em que o cão deveria ser alimentado novamente era tocado o sino (estimulo neutro), cão não apresentava salivação (resposta não condicionada). Terceiro passo apresentava o alimento e tocava o sino, cão apresentava salivação (resposta não condicionada, dado que o alimento fora apresentado no primeiro passo). Quarto passo, o sino era tocado e o cão salivava sem que o alimento fosse dado (resposta condicionada). Batizado de condicionamento clássico, um estimulo condicionado gerava uma resposta programada.

A experiência de Pavlov começou com o cientista tocando uma sineta antes de cada refeição que os cachorros do seu laboratório recebiam. Depois que isso aconteceu várias vezes — o número era diferente para cada animal testado —, os cães ficavam condicionados a babar só de ouvir a sineta, mesmo que não tivessem ganhado nada para comer.

Fatos são o ar da ciência. Sem eles, cientistas não podem alcançar vôos.”

Pavlov

Quando seu despertador toca, você acorda, ou programou o horário para dormir mais 10 minutos? Se você tem horário de almoço fixo, seu estomago ronca pouco antes do previsto? Se você vai ao cinema, o cheiro da pipoca com manteiga te desperta vontade? Você deve parar seu veículo antes da faixa no sinal vermelho, se não você pode receber uma multa? Respostas condicionadas a estímulos contingenciais que são reforçados há quanto tempo mesmo?

Condicionamento foi a unidade que facilitou o entendimento sobre comportamentos, que são muito mais complexos do que aparentam ser, depende do desenvolvimento de fatores genéticos, psicológicos e sociais. Cultura, religião, crenças, questões morais e éticas, experiências são reforçadoras positivas e negativas para emissão dos comportamentos. Por isso, condicionamento em humanos descontextualizado, parece simples de ser modificado.

Seres humanos são tudo, menos simples.

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Masilvia Alves Diniz

Referências Bibliográficas

Harari, Y. N. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (2015). 25. ed. Tradução Janaina Marcoantonio. Porto Alegre/RS. LPM. Pág. 47.

MLA style: Ivan Pavlov – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2019. Sun. 17 Feb 2019. Disponível: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1904/pavlov/biographical/

Souza, Deisy das Graças de. O conceito de contingencia: um enfoque histórico. Temas psicol. [online]. 2000, vol.8, n.2, pp. 125-136. Disponível: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-389X2000000200002&script=sci_abstract&tlng=es

Steven Spielberg’s Animaniacs – Pink and the Brain: Pavlov´s Mice. (Warner/Amblin, 1995). Curta (8m42s). Disponível: https://www.bcdb.com/cartoon/15028-Pavlovs-Mice. Acesso: 07 fev. 2019

Todorov, J. C. Sobre uma definição de comportamento. (2012). Brasília. Revistas Perspectivas. vol. 03 n ° 01 pp. 032-037. Disponível: https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/79

Vários Colaboradores. Livro da Psicologia (2012). Behaviorismo pag. 60-61. Tradução Hermeto Clara M. e Martins A. L. São Paulo: Globo


3 comentários

Hilda Rosa Valério Blas · 15 de março de 2019 às 23:47

Quanta informação que desconhecia.Muito obrigada.

    psicomdiniz · 16 de março de 2019 às 02:17

    Olá Hilda. Nós que agradecemos que tenha escolhido a Sociedade dos Psicólogos e tenha gostado deste texto. Muito obrigada pelo seu comentário. Sucesso.

Porque todos desejam ser como Spock? | Sociedade dos Psicólogos · 1 de abril de 2019 às 07:23

[…] embate emoção versus razão. A capacidade racional da espécie humana já foi colocada em meu texto anterior. Diversas abordagens psicológicas e os recentes conhecimentos da neurociência discorrem sobre o […]

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