Fantasmas e Psicanálise

Carregamos um peso que não é nosso, pelo menos na medida em que ele nos precede, vem de alguém antes de nós. Tomamos decisões e caminhos na vida que, muitas vezes são guiados por isso.

Ultimamente tenho pensado bastante sobre o tema do peso que a história da nossa família incide em nós.

História familiar x Psicopatologia

Menina com Máscara da Morte (Niña con Máscara de Calavera): Frida Kahlo, 1938

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(Menina com Máscara da Morte: Frida Kahlo, 1938)

Quando nascemos, somos bombardeados por desejos e expectativas de nossos pais e familiares. Nosso nome é carregado de significações consciente e inconscientes. Entramos em uma rede simbólica complexa, que nos precede e nos sucederá no futuro.

Fazendo uma alusão rápida à noção de nó-borromeano, em Lacan, podemos pensar que o sujeito, inicialmente inscrito no Real, recebendo a significação externa do Outro, bem como suas fantasias e formas de ver o mundo.

É discutido se transtornos mentais são passados entre as gerações. Alguns, acredito, com mais propensão à serem de fato, como a Esquizofrenia. O que se propõe é que o sintoma familiar é atualizado geração após geração em seus membros novos, através dessa rede de significações.

Essa rede de filiação nos determina, isto é, dependemos dela, principalmente no início da vida para constituirmos nosso Eu. O que faremos com isso é o importante. Temos, em geral, 03 opções:

– Seguir à risca o que queriam de nós, algo do tipo: “ser um advogado pois meu pai sempre quis, ou porque foi de fato um”;

– Ir absolutamente contra todos os modelos apresentados, fazer “exatamente o contrário do que o pai queria”, causando, geralmente, um rompimento das relações entre pais e filhos;

– Produzir algo à partir daquilo que se recebeu. Aceitar a herança simbólica e subjetiva, e fazer produzir.

É interessante perceber que hora ou outra, durante uma análise, se empreende uma busca pela história da família. O sujeito começa à desamarrar questões que podem estar determinando suas escolhas, suas vontades, seu desejo, em última instância.

Os mortos andam entre nós

O passado está vivo. E quem não quiser olhar para ele, que pague a conta de seu enterro vivo. Pelos estudos mais confiáveis, para cada pessoa viva hoje na terra, existem cerca de 15 mortos, que um dia andaram pelo planeta. Passo à perceber cada vez mais a importância dos mortos nos vivos.

O inconsciente é atemporal, já dizia Freud. Justamente por essa atemporalidade podemos pensar em uma transmissão dos traumas, das expectativas, medos e desejos mais profundos da família.

A noção de Fantasma* em Psicanálise está ligada à fantasia fundamental daquele sujeito, isto é, uma narrativa através da qual o sujeito se coloca no mundo, se enxerga e se relaciona com os outros. O atravessamento dessa fantasia, isto é, das identificações mais aglutinadas e alienantes em relação ao Outro, é o objetivo de uma análise, até porque, como dizia Lacan, não há cura, na medida em que não se pode cura-lo de seu inconsciente.

Uma referência na cultura

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(A maldição da residência Hill: Netflix, 2018)

Recentemente assisti à mini-série do Netflix, “A maldição da residência Hill”, que por sinal gostei muito, e me levou à iniciar essa reflexão.

À primeira vista parece mais uma história clichê de filmes de terror: uma casa no meio do nada, uma família tradicional americana, um fundo religioso e muitos jump-scares (sustos com imagens chocantes, cortes rápidos de câmera e sons altos). É muito mais do que isso. Acreditem.

Acho que os piores fantasmas são aqueles desejos, vontades, sentimentos e afetos que não damos vazão, ou não fazemos nada à respeito. Eles nos assombram através das décadas e talvez até dos séculos. A Cultura nos permite isso.

Aquilo que não é simbolizado retorna de forma brutal, no Real. Ai que se dá, de forma simplista, o sintoma das psicoses.

Escravidão: um aporte nacional

Calligaris (2017), aponta que, no Brasil, parece se perpetuar um “Fantasma da escravidão”. As nossas relações são permeadas por essa lógica de dominação e servidão ao outro. Nossas relações de trabalho estão pautadas justamente na dialética senhor-escravo.

Relacionamentos amorosos entram também nesse jogo, uma briga de poder de quem pode mais. O casamento é tido por muitos como o fim do mundo, entra-se em uma relação de subjugação.

 

Alguns fantasmas parece que insistem em voltar. Pouco a pouco, parece que estamos voltamos à 64. Tomara que eu esteja errado.

Como um ditado popular italiano diz: “Aquilo que você manda embora pela janela, volta pela porta”.

Até a próxima.

Por Igor Banin

*Importante notar que Lacan se utiliza do termo fantasma, em contrapartida à Freud, que falava em Fantasia. Para maior detalhamento, sugiro a leitura do texto de Jean-Jacques Tyszler, e do vídeo de Christian Dunker, listados abaixo.

Referências Bibliográficas

Calligaris, C. (2017). Hello Brasil e outros ensaios. São Paulo: Três estrelas.

Dunker, C. (2017) Fantasma, fantema e fantasia na psicanálise? In Falando nisso produzido por Buli, L & Bulhões, J. Link:

https://www.youtube.com/watch?v=QqZnJVRRtsk

Flesler, A. (2012). Psicanálise de crianças e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar.


2 comentários

Dylan Weeks · 23 de junho de 2022 às 06:43

Intteresting read

Geraldo · 4 de agosto de 2022 às 16:06

Quem chegar a 2023, deverá conhecer 1964 e para quem achou que a Década de 70, foi a cruel ditadura…Há nos chamados padres progressistas esse “legado historico” dos antepassados que podem nos tirar a Paz ou Paz dos casais! A casa em que morou minha mãe passa por essa questão e, pasmem, meus irmãos parecem “adormecidos” frente a casa fechada se desvalorizando! Meu irmão, inventariante, mandou a foto da casa fazia, quintal mal cuidado, uma lástima! Sonhei até com minha avó, mãe de minha mãe, mostrando que a “matéria” (casa) tem que seguir seu curso (ter outros proprietários)!

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