Muitas pessoas confundem a Psicologia da Gestalt com a Gestalt-Terapia (Gestalt Therapy) e outras tantas pessoas nem sequer sabem que existe essa abordagem em psicoterapia. Sendo assim, buscarei, no aqui e agora, desmistificar algumas dessas confusões e apresentar os principais fundamentos desta corrente psicológica, além de sugerir, no final, um vídeo exemplificativo com uma sessão. Faço questão de dizer que a explicação que virá, faz parte de como a Gestalt se apresenta para mim neste momento e como eu a sinto agora enquanto escrevo este texto.
Psicologia da Gestalt X Gestalt-Terapia
Primeiramente, Gestalt é uma palavra alemã de difícil tradução para o português, mas que guarda relação com os conceitos de forma ou configuração e a psicologia da Gestalt é, portanto, uma teoria que apresenta leis da boa forma. Leis estas, desenvolvidas por Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940), que preocuparam-se em criar sólidos conceitos para que a Psicologia da Gestalt ganhasse consenso internacional e essa, de fato, é ainda hoje, uma das teorias da psicologia que menos ganhou controversas, contradições ou “polêmicas”.
Uma das principais visões dessa teoria é a noção de que “o todo é maior que a soma das partes”, que pode ser visto nos exemplos de imagens abaixo, que apresentam, respectivamente o Cubo de Necker e o Vaso de Rubin (este, contemplando também o conceito de “figura e fundo”).
Alguns dos fundamentos da psicologia da gestalt foram incorporados, por exemplo, às artes, à publicidade, ao design e também à Gestalt Terapia (como a noção de figura-fundo) que é para aonde estamos caminhando.
As Influências da Gestalt-Terapia
Essa abordagem teve influências da psicanálise, da psicologia da Gestalt, da teoria de campo (Kurt Lewin [1890-1947]), , do Humanismo (Martin Bubber [1878-1965]), dos aportes filosóficos da fenomenologia (Edmund Husserl [1859 – 1938]) e do existencialismo (Jean Paul-Sartre [1905-1980] e Maurice Merleau-Ponty [1908-1961]), além de contribuições vindas do zen-budismo e da teoria organísmica (Kurt Goldstein [1878-1965]), por exemplo.
A Gestalt-Terapia
É uma corrente pertencente ao chamado 3ª Grande Força em Psicologia (humanista-fenomenológico-existencial), como uma reação ao behaviorismo à psicanálise. Foi desenvolvida, no pós-guerra, pelo “Grupo dos Sete”, onde se encontrava Friederich Salomon Perls (1893-1970), mais conhecido como Fritz Perls. Esse grupo foi composto, originalmente, por Fritz Perls, Laura Perls, Isadore From, Paul Goodman, Paul Weisz, Sysvester Eastman e Elliot Shapiro, onde, posteriormente, houve a entrada de Ralph Hefferline .
Em resumo, esta corrente da psicologia apresenta um modelo de psicoterapia do contato, da consciência e da relação dialógica, que vê o indivíduo de forma holística (sem separação entre mente e corpo, por exemplo), onde o psicoterapeuta acredita, pelas bases do existencialismo, nos potenciais que o cliente dispõe, para alcançar a experiência significativa positiva, criativa, proveitosa e de responsabilidade para com o seu mundo.
“Diferentemente da dialética, que pretende alcançar uma síntese racional, a dialógica se propõe a ficar com aquilo que é figura na relação terapeuta cliente”
(Ribeiro, 2007, p. 4)
De acordo com Hall e Lindzey (1973) “o dogma principal da psicologia gestaltista sustenta que a maneira pela qual um objeto é percebido é determinada pelo contexto ou configuração total em que o objeto está envolvido. A percepção é determinada pelas relações entre os componentes de um campo perceptivo, e não pelas características físicas dos componentes individuais”. O gestalt-terapeuta não interpreta as ações do seu cliente, mas o convida a entrar em contato com e elas e descrevê-las – busca o fenômeno puro e utiliza de redução fenomenológica.
Vale dizer também que, sobre uma das posturas que acompanham esta abordagem psicoterápica, Perls afirma, em seu texto Gestalt-terapia e potencialidades humanas, contido no livro Isto é gestalt (1977), que “Gestalt-terapia é uma das forças rebeldes, humanistas e existenciais da psicologia, que procura resistir à avalanche de forças autodestrutivas, autoderrotistas, existentes entre alguns membros da nossa sociedade. […] Nosso objetivo como terapeutas é ampliar o potencial humano através do processo de integração”.
Sendo assim, este profissional está, durante a sessão, buscando chamar a atenção e experimentando como ele mesmo e o cliente se portam e se relacionam no momento presente, tendo em vista se este aceita os convites à conscientização – que inclui a atenção aos próprios pensamentos, sentimentos, emoções e comportamentos atuais – ou se este recusa a conscientização, por meio do fuga, do acting out e das incongruências emocionais. Não é raro, por exemplo, que o Gestalt-Terapeuta observe e aponte elementos incongruentes e/ou que caibam desenvolvimento ou amplificação naquilo que diz respeito à comunicação não-verbal do indivíduo e sua atuação não é interpretativa, mas fenomenológica e visa a descrição e a compreensão do fenômeno (aquilo que se manifesta na sessão).
De acordo com o livro Técnicas em Gestalt: aconselhamento e psicoterapia (2016), os autores apontam 5 características que acreditam serem adequadas para a boa prática desta, que são:
- “um foco nas experiências que emergem aqui e agora (por meio da awareness, da fenomenologia e do princípio paradoxal da mudança);
- um compromisso com uma perspectiva relacional cocriada;
- a oferta por parte do terapeuta de uma relação dialógica;
- uma perspectiva teórica de campo;
- uma atitude criativa e experimental com relação à vida e ao processo terapêutico.”
Perls & Gloria
A fim de ilustrar e exemplificar melhor como pode ser uma prática com esta abordagem, indico a sessão abaixo, que está gravada em vídeo e mostra um encontro de Gloria com Fritz Perls, com legendas em português.
Em 1964, o psicólogo canadense, Dr. Everett Shostrom, produziu uma série de 3 filmes educativos, que trazem 3 renomados psicoterapeutas (Carl Rogers; Albert Ellis; & Fritz Perls), durante uma sessão de 30 min. com uma mulher de 30 anos, chamada Gloria.
Vídeo original do YouTube.
Quer saber mais? Inscreva-se para o próximo Café Psico: Fritz Perls
Referências:
Hall, C. S. & Lindzey, G. (1973). Teorias da personalidade. São Paulo: EPU.
Joyce, P. & Silis, C. (2016). Técnicas em Gestalt: aconselhamento e psicoterapia. Petrópolis: Vozes.
Ribeiro, E. C. (2007). A perspectiva de intersubjetividade na abordagem gestáltica. Revista IGT na Rede, v. 4, n° 6, 2007, p.2-5.
Shostrom, E. (1964). Three approaches to psychotherapy.
Stevens, J. O. (Perls, F. et al.) (1977). Isto é Gestalt. São Paulo. Summus.
Por Caio Ferreira
0 comentário