Tyler Durden como metáfora do analista

“Ser despedido é a melhor coisa que nos pode acontecer – diz Tyler. – Assim a gente consegue sair do lugar e fazer alguma coisa na vida”.

Palavras fortes, ditas por Tyler Durden, protagonista da estória chamada de Clube da Luta. Em 1996, Chuck Palahniuk publica o livro, que é permeado por uma crítica social ácida. Em 1999 foi adaptado para o cinema pelo diretor David Fincher.

O texto “Psicologia de Grupos e Análise do Eu” (ou “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, na nova tradução de Paulo César de Souza), publicado em 1921, aborda um tema pouco discutido por Freud até então. Como um grupo se forma, quais as relações estabelecidas entre seus membros e o que os mantêm unidos.

Buscarei orbitar entre as idéias freudianas e o material apresentado na obra de Palahniuk, para pensar as relações de trabalho e consumo hoje. Pensar o mundo corporativo e o sofrimento dos que ali estão.

As idéias de Palahniuk fazem eco no mercado de trabalho de trabalho hoje e merecem ser lembradas.

Clube da Luta, a obra

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(Imagem retirada da Internet)

Clube da Luta é um livro, escrito por Chuck Palahniuk em 1996, e interpretado nas telonas em 1999. Contando com astros como Brad Pitt e Edward Norton, o filme se tornou um clássico cult da virada do milênio.

Na estória, Jack, nosso personagem principal, é um funcionário de uma empresa de seguros, realizando avaliações de acidentes.

Cidadão dos aeroportos, viajando de um lado para outro, preso à uma vida sem sentido. É assim que o personagem se auto-descreve. Compulsivamente compra sempre móveis que estampam as revistas, buscando ter o apartamento-modelo.

Sofrendo de insônia, Jack decide procurar um médico. “Quando se tem insônia, nunca se está realmente acordado ou realmente dormindo”.

Em um determinado ponto do filme, Jack conhece Tyler Durden. À partir desse ponto tudo muda.

O amor pelo líder, uma dascaracterísticas dos grupos é vista na obra, onde os integrantes do “Clube da Luta” amam e seguem inverteradamenteDurden.

A obra de Palahniuk de fato se mostra radical. Especialmente na abordagem dos personagens quanto à critica ao consumismo desenfreado. Fenômeno este que teve seu início já na Revolução Industrial. “As coisas que você tem acabam possuindo você”, diz Tyler em uma passagem do livro.

O “plano final” da trupe de Durden era explodir os prédios que sediam as operadoras de cartão de crédito, acabando assim com a dívida de todos os consumidores. “Zerando” o sistema.

Pensando na gramática lacaniana do nó-borromeano, “explodir” os prédios é algo tanto do registro do Simbólico, quanto do Real. Essa libertação é simbólica, fala ao leitor, diz de libertar-se da lógica de consumo, mas é também da ordem do Real, ao passo que, na história, os personagens o fazem literalmente, colocando dinamite, no concreto.

A Formação de grupos

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(Imagem retirada da Internet)

Freud (1921/1996)ao discutir a obra de Le Bon*, fala de três características que indivíduos apresentam quando em grupo.

A primeira delas é um “sentimento de poder invencível que lhe permite render-se a instintos que, estivesse ele sozinho, teria compulsoriamente mantido sob coerção.” (Freud, 1921/1996, p. 85). Ou seja, em grupo fazemos aquilo que não temos coragem sozinhos.

A segunda característica é o contágio, que se dá quando indivíduos realizam atos por imitação, ou semelhança em relação à seus irmãos de grupo (Freud, 1921/1996).

A terceira é a sugestionabilidade, que diz dos atos que são totalmente estranhos à determinado indivíduo quando  sozinho, mas identificados no mesmo quando está entre os pares do grupo (Freud, 1921/1996).

“Um grupo é impulsivo, mutável e irritável… Não pode tolerar qualquer demora entre seu desejo e a realização do que deseja. Tem um sentimento de onipotência: para o indivíduo num grupo a noção de impossibilidade desaparece” (Freud, 1921/1996, p. 88). Vejamos aí as torcidas de futebol, por exemplo.

Comprar para viver, ou viver para comprar

Temos um amor pelo dinheiro. Só por ter? Somos escravos daquilo que não abrimos mão.

Compramos as coisas muitas vezes por comprar, não é mesmo? Estamos em épocas festivas do ano. Nossos saldos no banco ficam negativos, mas sem problema, estamos comprando nossa felicidade. Compramos porque os outros compram, o grupo é sugestivo.

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(Imagem retirada da Internet)

Lacan (1969-70/1992), no seminário 17, O avesso da Psicanálise, constrói a noção de discurso, para indicar as modulações de laços sociais em diferentes grupos. O discurso se define como “  Essa representação conjuga portanto umaestrutura permanente e elementos cuja situação varia no interior dessa estrutura” (Kauffman , 1998, p.129-130). Ele formula quatro modalidades discursivas, O discurso do Mestre, O discurso da Universidade, O discurso da Histérica, e o discurso do Psicanalista. Após isso, ele indica um quinto discurso, o do capitalista. Que orientaria, segundo ele, nossas relações atualmente.

O discurso do capitalista nos leva à universalização, sempre tirando a originalidade da experiência (Barillot, 2016).

A tarefa da psicanálise é recolocar a castração em seu lugar. A busca incessante por objetos, por likes nas redes sociais, “matchs” nos aplicativos de relacionamento será sem faltante, incompleta.

O discurso da Psicanálise, em sua essência, transmite a falta, ao que Tyler diz: “Sou um estúpido, só o que faço é querer as coisas e precisar delas. Minha vidinha. Meu trabalhinho de merda. Minha mobília sueca”.

Tal qual o analista que aponta para a “falta-a-ser” (Quinet, 2015), Durden, por sua postura, justamente aponta para a falta de Jack. Sua tentativa frustrada de ter o apartamento do momento, tentando tamponar a angústia de viver uma vida sem sentido.

Hoje o Supereu não mais diz: pare, chega, basta, este é o limite. Hoje ele diz: goze, à todo momento. “Assista suas séries favoritas onde e quando quiser”. “Acesse seu e-mail em vários dispositivos”. “Não deu tempo de responder o aquele e-mail do cliente, sem erro, faça isso no caminho de casa, afinal, lhe demos um celular”. Não temos mais limites ou horários. Fica cada vez mais difícil conseguir um horário para ir à análise.

Compramos por que os outros compram. Já dizia Lacan: O desejo é sempre o desejo do Outro (Lacan, 1962-63/2005).

Que a “sexta-feira negra” tenha sido boa para vocês.

Boas festas.

Até ano que vem.

Por Igor Banin

* Gustave Le Bon (1841-1931), psicólogo social, sociólogo e físico amador francês.

Referências Bibliográficas

Barillot, P. (2016). Sair do discurso capitalista?. In Stylus Revista de Psicanálise (pp. 153 – 161, no 33). Rio de Janeiro.

Freud, S. (1921/1996). Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In Além do Princípio do Prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos. (pp. 79-156 Obras completas de Sigmund Freud, v.18). Rio de Janeiro: Imago.

Kauffman, P. (1998) Discurso. In Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O legado de Freud e Lacan. (pp.129-132) Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Lacan, J. (1962-63/2005) Angústia, signo do desejo. InA angústia. (pp. 25-37, Os Seminários, Livro X). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Lacan, J. (1969-70/1992) O mestre e a histérica. InO avesso da Psicanálise. (pp. 27-36, Os Seminários, Livro XVII). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Palahniuk, C. (1996/2012). Clube da Luta.Rio de Janeiro: Leya.

Quinet, A. (2015) O Grafo do Desejo. Aula realizada no dia 12/08/2015 no FCCL-Rio. Recuperado em 25 de Outubro de 2016, dehttps://www.youtube.com/watch?v=LFrD1HtPeWE


2 comentários

A Psicanálise hoje | Sociedade dos Psicólogos · 5 de novembro de 2018 às 13:21

[…] do Eu, texto de 1921, de Freud, para localizar esses sintomas de grupo. (Falei sobre o texto em outro […]

Lista de Filmes e Séries Para Amantes da Psicologia | Sociedade dos Psicólogos · 20 de outubro de 2021 às 18:25

[…] Clube da Luta (1999) […]

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