Primeiramente, há defesa, quando há ameaça. Falaremos hoje sobre os chamados “mecanismos de defesa do Eu” (ou “mecanismos de defesa do Ego” – a depender da tradução).
Trata-se de um conceito desenvolvido por Sigmund Freud, que é incontornável quando se analisa algo por meio da ótica psicanalítica – a defesa sempre emerge e revela muito sobre seu portador.
Visão geral da psicanálise
Freud apresentou uma teoria de compreensão e tratamento do aparelho mental que é caracterizada, em resumo, por ser topográfica, dinâmica e econômica, isto é:
- referente à 1ª tópica e as instâncias mentais consciente, pré-consciente e inconsciente;
- à 2ª tópica e as relações entre Isso, Eu e Supereu (ou Id, Ego e Superego – a depender da tradução);
- e à quantidade de catéxis libidinal investida sobre um objeto.
Ele partiu de uma visão evolucionista e relacionou o homem aos outros animais, diferenciando a pulsão (relativa ao homem) do instinto (relativa aos outros animais), sendo que, ambos dialogam com necessidades biológicas e desejos básicos para a manutenção e continuidade da vida, entretanto, a pulsão guarda relação com o chamado “representante psíquico” que atua na dialética entre o desejo e o objeto final (visado pela pulsão) – a energia motriz desse movimento é a libido. Freud também fala de homeostase e apresenta o seu valor nesta dinâmica. Para quem não conhece o termo, homeostase (ou homeostasia) é a tendência ao equilíbrio / à estabilidade que um organismo necessita para desempenhar, de forma adequada, suas funções (substâncias químicas em concentrações ideais, temperatura, pressão etc…)
Pois bem, onde entram as defesas?
Nem todos os desejos são satisfeitos e nem sempre a homeostase é constante. Quanto há perturbações no equilíbrio psíquico há defesas. Defesas essas que podem aparecer frente à realidade externa e à realidade interna – funcionam como um intermediador entre a realidade e aquilo que é percebido.
“A percepção de um acontecimento, do mundo externo ou do mundo interno, pode ser algo muito constrangedor, doloroso, desorganizador. Para evitar este desprazer, a pessoa “deforma” ou suprime a realidade — deixa de registrar percepções externas, afasta determinados conteúdos psíquicos, interfere no pensamento.”
(Bock; Furtado & Teixeira, 1999/2001, p. 78)
Freud chamou essa “deformação” de mecanismos de defesa e os alocou como uma função do Eu (do Ego). Em resumo, o papel do Eu é mediar as demandas entre o Isso (relacionas à satisfação imediata do desejo) e o Supereu (relacionadas à censura/proibição/castração, à moralidade e a busca de um ideal). É o Eu que protege toda a personalidade contra uma ameaça, contra uma falha, contra uma falta – ele visa a integridade.
Conteúdos bizarros excluídos do consciente: a repressão
Estudando as histéricas, Freud observou que muitas memórias afetivas externalizadas durante o tratamento psicanalítico haviam sido reprimidas (ou recalcadas – a depender da tradução) até então, isto é, não é que elas haviam sido meramente esquecidas, mas, por guardarem relação com temas inaceitáveis perturbadores e particulares para cada paciente (e sua inserção sócio-cultural), elas haviam sido, de forma intencional e inconsciente afastadas da consciência e realocadas para onde a pessoa não tem contato, equilibrando assim, por meio de uma defesa psíquica, a homeostase do sujeito – uma vez que o contato e a percepção do tema é conflituosa, impede-se o processo e neutraliza-se a ameaça.
De uma forma geral, os principais temas associados ao mecanismo de repressão costumam ser sobre:
- Medos;
- Experiências constrangedoras;
- Necessidades egoístas;
- Motivações violentas;
- Desejos imorais;
- Desejos sexuais inaceitáveis.
Discorrendo acerca de suas descobertas envolvendo a repressão (ou recalque – a depender da tradução), certa vez Freud escreveu:
“Tratava-se em todos os casos do aparecimento de um desejo violento mas em contraste com os demais desejos do indivíduo e incompatível com as aspirações morais e estéticas da própria personalidade. Produzia-se um rápido conflito e o desfecho desta luta interna era sucumbir à repressão a idéia que aparecia na consciência trazendo em si o desejo inconciliável, sendo a mesma expulsa da consciência e esquecida, juntamente com as respectivas lembranças”.
(Freud, 1970, p. 16)
Nesta mesma obra, que foi originalmente proferida por meio de 5 conferências na Clark University, Massachusetts, em 1909, Freud faz uma comparação didática da repressão para com o auditório que estava:
“Talvez possa ilustrar o processo de repressão e a necessária relação deste com a resistência, mediante uma comparação grosseira, tirada de nossa própria situação neste recinto. Imaginem que nesta sala e neste auditório, cujo silêncio e cuja atenção eu não saberia louvar suficientemente, se acha no entanto um indivíduo comportando-se de modo inconveniente, perturbando-nos com risotas, conversas e batidas de pé, desviando-me a atenção de minha incumbência. Declaro não poder continuar assim a exposição; diante disso alguns homens vigorosos dentre os presentes se levantam, e após ligeira luta põem o indivíduo fora da porta. Ele está agora `reprimido’ e posso continuar minha exposição”.
(Freud, 1970, p. 17)
O pai da psicanálise observou e falou, ao longo de sua obra, de vários mecanismos de defesa que fazem parte da dinâmica relacional na vida pessoas, como: repressão, projeção, regressão, identificação, negação, descolamento, conversão, entre outros… autores posteriores, como M. Klein e a própria filha A. Freud, contribuíram de forma significativa para a elaboração dessas e de outras defesas – defesas essas que fazem parte do “funcionamento normal” do indivíduo ou das possibilidades de atuação frente às frustrações da realidade; e defesas essas que revelam o sintoma – a verdade emergente da personalidade e dos desejos do sujeito neurótico em sua relação conflituosa com a falta.
Diz me como te defendes e te direi quem és!
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Referências consultadas
Bock, A. M. B.; Furtado, O. & Teixeira, M. L. T. (2001). Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva.
Fadiman, J. & Frager, R. (1986). Teorias da personalidade. São Paulo: HARBRA.
Freud, S. (1970) . Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos: Vol. XI: 1910[1909]. Rio de Janeiro: Imago.
por Caio Ferreira
1 comentário em “O Que São Mecanismos de Defesa do Eu”