2023 foi um ano repleto de leituras fantásticas em diversos campos. Busquei explorar autores clássicos e contemporâneos, nacionais e gringos e de diversos gêneros. Com isso, selecionei algumas das melhores experiências que podem te interessar.
5. Declínio de um Homem (1948) por Osamu Dazai (1909-1948)
Começamos com um obra bem sombria. “Declínio de um Homem” é um romance japonês escrito por Osamu Dazai. Publicado em 1948, o livro é uma obra profundamente introspectiva que narra a vida de um homem chamado Yozo, um jovem que luta com uma sensação de desajuste e alienação em relação à sociedade. Yozo é retratado como alguém que não se encaixa nos padrões convencionais e que lida com problemas de identidade e autoestima.
Ao longo do livro, acompanhamos a vida de Yozo enquanto ele tenta encontrar seu lugar no mundo, mas é constantemente atormentado por suas próprias inseguranças e pela pressão social. A narrativa explora temas como a alienação, a autodestruição e a busca por significado na vida. A obra é conhecida por sua abordagem franca e por retratar os conflitos internos de seu protagonista de maneira intensa e comovente.
Aqui uma das passagens mais sombrias da literatura na minha opinião que já vi:
– Cerca de dez anos atrás, alguém enviou um pacote com essas fotos e os cadernos endereçados ao bar de Kyobashi. O remetente devia ser Yo-chan, mas não havia seu endereço e nem ao menos seu nome no pacote. Durante os ataques aéreos, o embrulho se perdeu em meio a outras coisas e, por obra do destino, se salvou. Há pouco tempo, pela primeira vez, li tudo. – A senhora chorou? – Não, não foi bem isso… pensei que não tem jeito. Quando um ser humano chega nesse estado, não tem mais jeito.
“Declínio de um Homem” é considerado uma das obras mais importantes da literatura japonesa do século XX e é frequentemente estudado por sua análise profunda da condição humana. É importante notar que se trata de uma de suas últimas obras e já aponta o que viria à passar. A escrita de Dazai é elogiada por sua honestidade brutal e sua capacidade de criar personagens profundamente humanos e cativantes.
Para esse ano planejo a leitura da adaptação do mestre mangaká, Junji Ito da obra de Dazai.
Complementos acerca da obra:
4. Torto Arado (2019) por Itamar Vieira Junior (1979-)
“Torto Arado” é um romance do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, publicado em 2019. A história se passa no sertão da Bahia e acompanha a vida de duas irmãs, Bibiana e Belonísia, que são filhas de escravos e vivem em uma fazenda. O enredo se desenrola ao longo de várias décadas, abrangendo desde o final do período escravocrata até os tempos modernos.
A narrativa é marcada por questões de identidade, memória e luta por justiça social. As irmãs enfrentam diversas adversidades ao longo de suas vidas, incluindo a violência e a opressão, mas também mostram uma grande resiliência e determinação para superar esses desafios.
Além da história das duas irmãs, o livro também aborda temas como a desigualdade social, a herança da escravidão no Brasil e a busca por reconhecimento e dignidade.
O medo atravessou o tempo e fez parte da nossa história desde sempre. Era o medo de quem foi arrancado do seu chão. Medo de não resistir à travessia por mar e terra. Medo dos castigos, dos trabalhos
A escrita de Itamar me tocou por sua sensibilidade e profundidade ao retratar as complexidades da vida no sertão nordestino e as lutas enfrentadas pela população marginalizada da região. “Torto Arado” recebeu diversos prêmios e foi muito bem recebido pela crítica e pelo público, tornando-se um clássico instantâneo.
Ainda me faltam ler as duas obras posteriores do escritor baiano, entre elas as que me mais me interessam: “Doramar ou a Odisseia”, de 2021 e “Salvar o Fogo”, mais recente, de 2023.
Complementos acerca da obra:
3. A estrada (2006) por Cormac McCarthy (1933-2023)
A Estrada, de Cormac McCarthy, é um livro que me tocou profundamente. Ao acompanhar a jornada de um pai e seu filho por uma paisagem pós-apocalíptica, fui levado a refletir sobre a natureza humana e a essência da vida.
No desolador cenário em que se passa a história, onde o mundo que conhecíamos não existe mais, os valores fundamentais da humanidade são postos à prova. A sobrevivência é uma luta constante, e a bondade e a compaixão se tornam preciosidades raras, quase nunca encontradas.
A relação entre o pai e o filho é o centro emocional da narrativa. O pai busca proteger seu filho da crueldade do mundo ao mesmo tempo em que tenta lhe ensinar valores como a honestidade e a compaixão. Em meio à desolação, essa relação representa uma luz de esperança, um símbolo da resiliência humana em face da adversidade.
A linguagem poética e a atmosfera sombria da obra me levaram a refletir sobre a fragilidade da civilização e a força do vínculo humano. Em cada página, senti a urgência de valorizar as coisas simples da vida e a importância de manter a esperança mesmo nos momentos mais sombrios.
Um exemplo do estilo de McCarthy:
Uma hora mais tarde estavam na estrada. Ele empurrava o carrinho e tanto ele quanto o menino carregavam mochilas. Nas mochilas estavam coisas essenciais. Caso tivessem que abandonar o carrinho e correr para salvar suas vidas. Preso à barra do carrinho de supermercado havia um espelho retrovisor para motocicleta que ele usava para observar a estrada atrás deles. Ajeitou a mochila mais alto sobre o ombro e olhou para o terreno árido adiante. A estrada estava vazia. Lá embaixo no pequeno vale a serpentina imóvel e cinzenta de um rio. Parada e precisa. Ao longo da margem um feixe de juncos mortos. Você está bem? ele disse. O menino fez que sim. Então partiram sobre o asfalto sob a luz cinza-chumbo, caminhando vagarosamente por entre as cinzas, cada um o mundo interno do outro.
No final, A Estrada não é apenas uma história sobre o fim do mundo, mas uma reflexão profunda sobre o que significa ser humano. É um lembrete poderoso de que, mesmo diante da mais profunda escuridão, a luz da bondade e da compaixão ainda pode brilhar.
Com a recente passagem de McCarthy, não poderia deixar de colocar um título dele na lista. Além dessa obra, li também “Onde os Velhos não tem vez”, e a mais recente duologia dele: “O Passageiro” e “Stella Maris” (que terminei em janeiro/24).
Complementos acerca da obra:
2. A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Mr. Punch (1994) por Neil Gaiman (1960) e Dave McKean (1963)
“A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Mr. Punch”, de Neil Gaiman, uma obra que me pegou pela sua abordagem única e complexa. A história segue um homem adulto que relembra sua infância e os eventos estranhos e perturbadores que testemunhou na época.
Se trata aqui de uma adaptação de Gaiman de “Punch and Judy”, que é o tradicional espetáculo de marionetes que apresenta o Sr. Punch e sua esposa Judy. Uma figura arquetípica e controversa da cultura britânica, com origens no carismático boneco italiano do século XVI, Pulcinella, tendo chegado à Inglaterra no século XVII.
A narrativa mescla elementos de fantasia e terror, criando uma atmosfera surreal e inquietante. É uma obra visualmente impressionante pelo mestre Dave McKean, que já havia trabalhado nas capas de Sandman, em parceria com o próprio Gaiman. A mistura de fotografia com colagem gera uma estranheza sem igual.
Ao longo da história, somos levados a explorar os mistérios da mente humana e os limites entre a realidade e a imaginação. A presença constante do personagem Mr. Punch, uma figura sinistra e ambígua, adiciona uma camada adicional de mistério e intriga à trama. A ambientação tem os ares que seriam explorados em Coraline (2002).
A obra também aborda temas profundos, como a passagem da infância para a idade adulta, a natureza da memória e a dualidade entre a inocência e a crueldade. A maneira como Gaiman entrelaça esses temas de forma sutil e complexa me fez refletir sobre a natureza da experiência humana e a forma como as memórias moldam nossa percepção do mundo.
No final, “A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Mr. Punch” é uma obra que me desafiou e me levou a refletir sobre a natureza da realidade e da fantasia. É uma leitura que fica gravada na memória, provocando questionamentos profundos sobre a natureza da vida e da mente humana.
Complementos acerca da obra:
1. O Velho e o Mar (1952) por Ernest Hemingway (1899 – 1961)
Esse aqui foi um dos primeiros que li no ano, e me pegou de forma única. Li febrilmente em 2 dias. Ao acompanhar a jornada solitária do pescador Santiago em seu barco, fui levado a refletir sobre a coragem, a perseverança e a luta contra as adversidades da vida.
Essa passagem, por exemplo, mefez pensar o quanto se pode aguentar antes de desistir.
– Mas o homem não foi feito para a derrota – disse em voz alta – Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado.
A solidão de Santiago em seu barco me fez refletir sobre a natureza da existência humana. Em meio à vastidão do oceano, ele se vê confrontando não apenas as forças da natureza, mas também sua própria essência. Sua luta contra o peixe é uma metáfora da luta pela vida e pela dignidade, uma batalha que todos nós enfrentamos em algum momento.
A linguagem simples e direta de Hemingway me envolveu na história de Santiago, tornando sua jornada ainda mais impactante. Cada página me fez refletir sobre o significado da coragem e da perseverança, e sobre como a vida pode ser uma luta constante contra as adversidades.
No final, O Velho e o Mar não é apenas a história de um pescador e seu peixe, mas uma reflexão profunda sobre a condição humana. É um lembrete poderoso de que, mesmo diante das maiores dificuldades, a determinação e a força de vontade podem nos levar a grandes conquistas.
Complementos acerca da obra:
Menções honrosas:
- O sentido da vida – Contardo Calligaris
- Crash – J G Ballard
- Verões Felizes – Zidrou e Jordi Lafebre
- Vida à venda – Yukio Mishima
- Onde os velhos não tem vez – Cormac McCarthy
- Objecto Quase – José Saramago
- A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Mr. Punch
- Sonho Manifesto – Sidarta Ribeiro
Você pode ver também a minha lista do ano passado aqui.
Até a próxima,
Por Igor Banin
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