Entre o RH e o Divã
Leu o título? Bom… O que acha? Impossível? Inviável? Talvez. Vejamos o que pode ser feito.
A proposta deste texto é audaciosa, não há como negar. Tentar aproximar dois temas que raramente são vistos juntos em meios científicos.Já ouviu falar de um psicanalista trabalhando em RH? Não se assuste se não vier nenhum à mente. De fato, são poucos. Ou melhor, são poucos os que escrevem sobre.
Tenho atuado já há algum tempo em organizações, na área de Recursos Humanos,e muitas das coisas que aparecerão nas próximas linhas são baseadas em minhas experiências.
Psicanálise dentro das organizações
A Psicologia Organizacional é um dos ramos de pesquisa e atuação dos Psicólogos. Ela visa estudar os fenômenos psicológicos dentro das organizações, e atuar sobre os problemas ligados à gestão de pessoal.
Primeiro, uma distinção deve ser feita. Algo que muitas vezes é apontado por professores e estudantes da Psicologia, e que durante a graduação ouvi, não uma, não duas, mas diversas vezes, professores dizerem: “Não há espaço para a Psicanálise dentro de hospitais, simplesmente não há tempo”. O mesmo se repete quando se fala da área de Recursos Humanos.
Parece ser um entendimento generalizado de quê não se pode fazer Psicanálise fora do consultório, ou de instituições de saúde mental.
Uma coisa é a teoria à partir da qual você entende e faz o seu trabalho, seja a Psicanálise, o Comportamentalismo, o Humanismo ou qualquer outro. Esse é o primeiro passo. E essa escolha tem implicações.
Outra coisa é onde você irá intervir à partir da tua posição de psicólogo, analista, terapeuta ou psicoterapeuta. Hospitais, escolas, consultórios e consultorias de RH. Esse é o segundo passo. Não vejo como poderia ser ao contrário. Escolher a teoria com base em onde você irá atuar.
(Imagem retirada da Internet)
Em uma cultura globalizada, de internet de alta velocidade, onde é inadmissível aguardar mais que 5 segundos para assistir um vídeo no Youtube, como andam as pessoas que devem cuidar das pessoas dentro das empresas?
As teorias psicológicas vertentes do Comportamentalismo parecem dialogar mais estritamente (talvez pelo tempo “mais curto” de intervenção. A “Comportamental é mais rápida”, diz-se no meio psi) com processos como Recrutamento e Seleção (R&S) e Treinamento e Desenvolvimento, e são apontadas como mais indicadas para se utilizar, quando se está atuando em Recursos Humanos. Olha-se, por essa perspectiva, o indivíduo (funcionário/candidato) em relação ao todo (mercado de trabalho, por exemplo). Na Psicanálise é ao contrário.
Como disse Lacan no início de seu primeiro seminário, lá em 1953: “A psicanálise é uma ciência do particular”. Difícil pensar por este prisma, especialmente quando se trabalha na dinâmica do volume. “Quanto mais gente, melhor”, parece ser o mantra dos recrutadores.
As consultorias de Recrutamento: um caso à parte
(Imagem retirada da Internet)
Tenho retomado a leitura à respeito de alguns conceitos das teorias da Administração Clássica, como o Taylorismo e o Fordismo (coisas que parecem sempre estar na ponta da língua de estudantes iniciantes do curso de Administração).
Não posso me furtar à comparar esses métodos, inegavelmente revolucionários, que visavam o não-desperdício de movimentos e melhoria no processo produtivo, iniciados nos séculos XIX e XX, aos processos de seleção de pessoal em grande volume. É engraçado como facilmente se perde a noção de particular em meio à pilhas de currículos. Esperanças enviadas por e-mail, que queimam indefinidamente no Purgatório dos e-mails não lidos.
Ouvi de minha orientadora, durante a graduação, que o posicionamento de um psicanalista dentro de uma corporação é justamente o de consultor, fazendo a intervenção de fora. Uma escuta, um olhar diferente.
Trocando em miúdos, penso que o papel de um psicanalista, nas empresas, seja o de oferecer uma escuta da singularidade do sujeito. Escutar suas questões, à partir dele mesmo. Não buscar enquadrá-lo em um modelo engessado.
Laço perverso no RH
Lacan constrói o conceito de laço para explicar uma modulação específica de relação entre os sujeitos em um grupo, uma sociedade. Por exemplo, quando uma criança nasce, ela já começa a ser enlaçada no social, inserida na cultura onde vive.
O que acontece em muitas organizações é o estabelecimento de um laço perverso, uma forma de relação onde os gestores mandam e desmandam, sem mais nem menos. O lugar adoece, como se costuma dizer. Curioso é que não é incomum escutar funcionários, que estão mais abaixo na cadeia alimentar da empresa, afirmarem que seus maiores desejos permeiam estar na posição de chefe, “só para fazer o que fizeram comigo”. Já dizia Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”.
O funcionário se torna mercadoria, a própria nomeclatura utilizada hoje pelos líderes de grandes corporações, já diz de um empobrecimento da subjetividade: capital humano, capital. A histeria toma uma dimensão coletiva, ao checar o pagamento do bônus.
Outra característica deste enlaçamento perverso, é que as organizações estão sujeitas aos horários e demandas dos clientes à quem se propõe atender. Reféns, para bem dizer. O cliente quer isso para amanhã? Tudo bem. O cliente sempre tem razão (?).
O Imaginário e a entrevista de emprego
(Imagem retirada da Internet)
Nos últimos anos de vida, Lacan começa a desenvolver o que vem a ser chamado, “A Clínica do Real”, ou segunda clínica, calcada na noção de enodamento, ou nó-borromeano. Mais precisamente, Lacan propôs que se escute o sujeito à partir da forma como os três registros de sua experiência enquanto humano dialogam (o que permite que se escute sintomatologias modernas, como os casos de Borderline). São eles o Simbólico, que diz respeito às regras e trocas sociais, o Imaginário, que compreende nossa relação com as imagens, ou imagos, para Freud. Compreende também nossa fantasia. O terceiro registro é o Real, ou tudo aquilo que não se pode simbolizar (Simbólico), ou fantasiar (Imaginário). O muro da linguagem.
Acho válido fazer uma leitura de como os registros do Real e Imaginário se entrelaçam na dinâmica de Recrutamento e Seleção.
Em uma situação de entrevista de emprego, a fantasia está presente para o candidato, de tal forma que ele se prepara (ou não), antecipa o que irá acontecer, quais serão as perguntas, e muitas vezes fica “sem palavras”, quando algo não sai como imaginado. Há aí, portanto, algo da ordem do Real. Outra situação comum onde se observa o Real, é quando se recebe uma resposta negativa em relação ao processo. Devemos escutar como o candidato lida com isso.
Por fim, não trago uma solução mágica para todas as questões envolvendo a dinâmica de lidar com o trabalhador. Apenas peço que questionem o que está sendo feito. Que, no futuro, talvez tenhamos mais (psic) analistas no RH.
Até a próxima.
Referências
Recursos Humanos à luz da Psicanálise – Uma reflexão possível. Lucia Conceição Santos de Almeida. Rio de Janeiro, 2011.
Por Igor Banin
3 comentários
Márcio E. Lopes · 25 de julho de 2017 às 20:15
Excelente texto, Igor.
Infelizmente a psicanálise está sendo cada vez mais vista, como algo do passado, dos que “tinham tempo e dinheiro”. Talvez deveríamos pensar a psicanálise como algo dos que tem “coragem”, mas aí, já é outra história.
Abraço.
Márcio Lopes
psicólogo e psicanalista.
Bárbara · 30 de janeiro de 2018 às 23:12
Gostei!
Isailton Reis · 29 de setembro de 2018 às 09:57
Prezado Igor,
Parabéns pelo escrito.
Onde consegui esta referência?
Recursos Humanos à luz da Psicanálise – Uma reflexão possível. Lucia Conceição Santos de Almeida. Rio de Janeiro, 2011.
Agradeço