Por que o aplicativo que nos mostra mais velhos chama tanta atenção?
(Imagem retirada da Internet)
De tempos em tempos um aplicativo chamado FaceApp cai no gosto do povo e chama a atenção geral. Já conseguiu “mudar” o gênero da face das pessoas e transformá-las em bebês. Nos últimos meses, outra aplicabilidade interessante causou alvoroço geral na rede. A possibilidade de “predizer” como você estará daqui à alguns anos. Ou seja, com base em uma foto de sua escolha, realiza um processo de envelhecimento artificial e apresentava um resultado (na maioria das vezes bizarro).
Não deu outra, a internet foi abaixo. O aplicativo acumulou mais de 150 milhões de fotos em questão de dias.
O debate acerca da privacidade envolvendo esses aplicativos fica para outro dia (e recomendo essa reportagem).
Espelho e formação da imagem
(Imagem retirada da Internet)
A nossa imagem corporal é constituída em um longo processo mental, que é sempre pautado pela relação com o Outro. Jacques Lacan (1901 – 1981) introduziu a noção de estádio do espelho, que, resumidamente, nos auxilia a compreender a constituição do sujeito em relação ao outro. Sugiro que todos se remetam ao próprio texto, mas para já é importante apontar que o aporte corporal do sujeito é dado pelo outro. A nomeação de nosso corpo e filiação é dada pelo Outro, e é simbolizada pelo sujeito.
“Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja predestinação para esse efeito de fase é suficiente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago.” (Lacan, 1951/1998, p. 97)
Logo após a constituição dessa unidade imaginária (Eu), o sujeito passa de uma relação auto-erótica, anterior, primária, a uma relação de narcisismo, onde o investimento libidinal volta-se sobre si mesmo, mas de uma maneira organizada.
Diana e Mario Corso (2018) falam da formação da imagem no adolescente, e como esse período determinará nossa relação com o espelho para o resto da vida. A adolescência é o momento onde formamos nossa assinatua visual, como fala Diana. “Sempre que olharmos para o espelho, é esse adolescente que vamos enxergar, e ele vai nos cobrar”. As selfies insistentes dos adolescentes (e dos nem tão jovens) podem ser entendidos como esse apoio para a formação da imagem.
A morte, segundo Freud se coloca como a castração final. E nos é impossível, conceber a nossa propria morte em seu aspecto completo, realmente imaginar nosso desfalecimento.
Muitos pacientes relatam imaginar e fantasiar sobre o seu próprio funeral. O que aconteceria, quem viria, se haveriam lágrimas sendo derramadas ou sorrisos exibidos.
O que argumento é, talvez o que importa no fato do app nos transformar em velhos é a possibilidade de poder mostrar para o outro. Olhar e ser olhado. Toda relação é a três como já dizia o velho Freud. Em uma passagem interessante do livro Como ler Lacan? (2010), do irreverente Slavoj Žižek, ele comenta esse aspecto (o leitor me perdoará desde já a longa citação):
“Essa referência inerente ao Outro é o tópico de uma piada infame sobre um pobre camponês que, tendo sofrido um naufrágio, vê-se abandonado numa ilha com, digamos, a Cindy Crawford. Depois de fazer sexo com ela, ela lhe pergunta como foi; sua resposta é “Foi ótimo”, mas ele ainda tem um favorinho a pedir para completar sua satisfação: poderia ela se vestir como seu melhor amigo, usar calças e pintar um bigode no rosto? Ele lhe garante não ser um pervertido enrustido, como ela verá assim que lhe fizer o favor. Quando ela o faz, ele se aproxima dela, dá-lhe um tapinha nas costas e lhe diz com o olhar malicioso da cumplicidade masculina: “Sabe o que me aconteceu? Acabo de transar com a Cindy Crawford!”
A clínica psicanalítica com idosos
(Imagem retirada da Internet)
É possível analisar idosos? Agora, respondo que sim. Antes, talvez tivesse mais resistência para com isso. A kilometragem de divã nos ajuda bastante.
Para Freud (1898/1996), analisar idosos poderia não ser uma boa idéia pelo fato da neurose estar tão arraigada que não haveria tempo de realizar o tratamento psicanalítico, haveria “muito material”.
A psicanálise faz com que o sujeito reflita sobre seu próprio desejo, e muitas vezes ajuda a recriá-lo. A velhice pode ser tida por alguns como período de espera pela morte. O analista aposta no sujeito, para que ele ainda podem ter sonhos.
A clínica psicanalítica faz com que o sujeito possa se re-inventar, encontrar outras formas de satisfação e lidar de maneira menos tóxica com a perda dos objetos.
Lembro de um episódio específico da série televisiva “Friends” quando todos fazem 30 anos, onde a forma como cada um lida com isso é mostrado. Muitos não aceitam, alguns inclusive querem fazer um pacto com Deus para não mais envenlhecer.
Como dizia Freud: Existe vida antes da morte.
Até a próxima,
Por Igor Banin
PS:
Sobre esse tema, acho interessante a leitura dos textos abaixo. Um deles trata de um experimento feito por um fotógrafo onde ele junta imagens de pessoas idosas, com retratos das mesmas quando jovens. O outro é um artigo da psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar, que também faz uma análise do aplicativo FaceApp. Além disso, seguem também os comentários do psicanalista Christian Dunker acerca da clínica na velhice.
Referências Bibliográficas
Crane, D & Kauffman, M. (2000). Friends: The one where they all turn thirty. Estados Unidos da América: Warner Bros. Television.
Freud, S. (1898/1996). A sexualidade n aetiologia das neuroses. In Primeiras publicações psicanalíticas. (pp. 249-272, Obras completas de Sigmund Freud, v.3). Rio de Janeiro: Imago.
Lacan, J. (1951/1998). O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica. In Escritos. (pp 96 – 103). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Zizek, S. (2010). Como ler Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
“Adolescentes e adultos: tudo fora do eixo”. Palestra da série: Adolescência em cartaz por Mario Corso e Diana Corso, feita em 2018. Promovido pela CPFL Cultura.
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