Seguindo a tradição de listar as leituras que mais me impactaram, abaixo estão as 05 melhores leituras que tive em 2024. Antes tarde do que nunca!

Se te interessar, aqui estão as listas de 2023, 2022 e 2021.

5. Caim (2009) por José Saramago (1922-2010)

Essa obra me pegou de surpresa, especialmente por eu ter pouco conhecimento prévio sobre o personagem em si. Saramago nos leva aqui à uma viagem por diferentes passagens da Bíblia, tendo como apresentador Caim, o primeiro assassino, segundo o texto sagrado.

“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.” (p.91)

José Saramago

Nesta obra provocativa, o autor revisita a história bíblica desse personagem, oferecendo uma perspectiva única sobre ele. A narrativa questiona temas como destino, moralidade e a natureza/justiça divina, nos conduzindo a reflexões profundas sobre a condição humana e as interpretações religiosas tradicionais.

“Matei o meu irmão. Se os tempos fossem outros, talvez tivesse chorado, talvez se tivesse desesperado, talvez tivesse dado punhadas no peito e na cabeça, mas sendo as coisas como são, praticamente o mundo só agora foi inaugurado, faltam-nos ainda muitas palavras para que comecemos a tentar dizer quem somos e nem sempre daremos com as que melhor o expliquem”. (p.45)

Recomendo também essa fala de Saramago pela ocasião do lançamento do livro:

4. Meu Amigo Kim Jong-Un (2024), HQ por Keum Suk Gendry-Kim (1971-)

Nesta graphic novel, fiquei impressionado com a profundidade com que a autora sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim explora a vida do líder norte-coreano Kim Jong-un. Através de entrevistas com especialistas, desertores e pessoas que conheceram Kim Jong-un durante seu tempo na Europa, a obra revela tanto a trajetória política quanto o lado humano dessa figura enigmática.

Keum Suk Gendry-Kim

Gendry-Kim não só narra a ascensão de Kim ao poder, mas também explora seu aspecto humano nesta impressionante reportagem em forma de graphic novel. Ela descreve desde a infância de Kim Jong-un em Pyongyang até as negociações recentes com Donald Trump, sempre intercalando com experiências próprias e depoimentos dos entrevistados.

A narrativa combina elementos jornalísticos e pessoais, proporcionando uma visão singular (de alguém que está lá) sobre a Coreia do Norte e seu líder supremo. A leitura foi uma experiência muito interessante, já que toca no meu interesse por geopolítica e Relações Internacionais.

Recomendo essa entrevista (em inglês) falando sobre outra obra seminal dela (Grama, 2017):

3. Os Vagabundos Iluminados (1958) por Jack Kerouac (1922-1969)

Kerouac nos apresenta nessa obra uma narrativa que mergulha na vida de poetas e vagabundos em busca de iluminação espiritual e liberdade. Através de viagens e experiências, o autor explora a busca por significado, a rejeição das convenções sociais e a conexão com a natureza. Esse texto reacendeu o interesse por zen-budismo que de alguma fora havia diminuído nos 2 anos anteriores, e, além disso, me fez voltar e terminar “On the Road” (1957), que eu nunca havia terminado.

“Será que somos anjos caídos que não quiseram acreditar que o nada é nada e portanto nascemos para perder aqueles que amamos e os amigos queridos um por um e afinal nossa própria vida para ter essa comprovação? (p. 246)

O texto se move rápido. O estilo de Kerouac é viciante e nos leva junto pelas viagens e festas constantes. Suas sentenças longas, frequentemente desprovidas de pontuação convencional, refletem o fluxo de consciência do autor e capturam a urgência e a intensidade do momento. É quase como um jazz literário, onde palavras e frases dançam e se entrelaçam como notas musicais.

Jack Kerouac

“Faculdades não passam de uma escola que dá lustro à falta de identidade da classe média que habitualmente encontra sua expressão perfeita às margens do campus em fileiras de casas abastadas com gramados e um aparelho de televisão na sala e todo mundo olhando para a mesma coisa e pensando a mesma coisa ao mesmo tempo enquanto os Japhys do mundo saem à deriva no mato para ouvir a voz que grita da floresta, para achar o êxtase das estrelas, para descobrir o segredo obscuro e misterioso da origem da civilização sem rosto, que não se maravilha e vive de ressaca.” (Kerouac, 1958, p. 42).

Como material complementar sobre esse texto, recomendo esses dois vídeos:

2. Stella Maris (2022) por Cormac McCarthy (1933-2023)

“Stella Maris” é a segunda parte do díptico literário de Cormac McCarthy, que se inicia com O Passageiro. Enquanto o primeiro livro acompanha a jornada de Bobby Western, um mergulhador assombrado por mistérios e tragédias, Stella Maris foca na história de sua irmã, Alicia Western, uma matemática prodígio que luta contra uma realidade devastadora.

Ambientado em 1972, o romance se passa inteiramente dentro da instituição psiquiátrica que dá nome à obra, onde Alicia, diagnosticada com esquizofrenia paranoide, dialoga com seu psiquiatra, Dr. Cohen. O livro é estruturado como uma série de sessões de terapia, nas quais a protagonista expõe sua visão de mundo.

“É. Estava no programa de doutorado. Continuo, imagino. Eu não tinha vida, na verdade. Era só trabalho o tempo todo.

Se não fosse a matemática, que outra coisa gostaria de ter feito?

Morrido.

Estou falando sério.

Levei a pergunta a sério. Você devia levar minha resposta a sério.

Está se sentindo bem?

Estou. Talvez eu tenha meio que ignorado sua pergunta. O que eu queria de verdade era ter um filho. É isso. Se eu tivesse um filho entraria no quarto dele à noite só para ficar sentada ali. Em silêncio. Escutando a respiração dele. Se eu tivesse um filho não me importaria com a realidade.” (p.16)

McCarthy já havia aparecido nas minhas melhores leituras de 2023 com A Estrada (2007).

Cormac McCarthy

“Quando um paciente é internado por alguém recebe o diagnóstico de doente mental, mas quando é ele próprio que se interna isso não acontece. A ideia é que ele deve ser razoavelmente são, do contrário não teria feito isso por conta própria. Acabam dando uma aliviada na sua ficha médica. Se você é suficientemente são para saber que é louco então não é tão louco quanto se achasse que era são” (p.17)

Alicia rejeita as noções convencionais de realidade e apresenta reflexões sobre matemática avançada, mecânica quântica, filosofia e arte, enquanto lida com sua obsessiva e proibida devoção ao irmão.

“O fato de haver pouca alegria no mundo não é apenas uma visão das coisas. Toda benevolência é suspeita. A gente finalmente se dá conta de que o mundo não leva a gente em consideração. Nunca levou.

Mas a maioria das pessoas consegue viver os dias que lhes cabem num estado que não é de desespero.

É. Consegue.

Se você tivesse que dizer algo definitivo sobre o mundo numa única frase, qual seria?

Seria assim: O mundo nunca criou um ser vivo que não pretendesse destruir.

Imagino que seja verdade. E daí? É só isso que o mundo tem em mente?

Se o mundo tem uma mente então é tudo muito pior do que a gente pensava.” (p.26)

Recomendo esse vídeo sobre o texto:

1. Serotonina (2019) por Michel Houellebecq (1956-)

Chegamos ao topo da lista. De novo, uma surpresa para mim, minha primeira leitura de Houellebecq me deixou preso um tempo em narrativa sobre perda, aceitação do fim e sobre a natureza crua das relações sociais.

Houellebecq apresenta a história de Florent-Claude Labrouste, um engenheiro agrônomo que, ao enfrentar uma crise existencial, decide abandonar sua vida anterior. O romance aborda temas como depressão, alienação e o declínio da sociedade ocidental, oferecendo uma crítica mordaz e introspectiva da modernidade e das relações humanas.

Michel Houellebecq

“Chegando a este ponto, talvez seja necessário tecer alguns esclarecimentos sobre o amor, destinados sobretudo às mulheres, porque elas não entendem direito o que é o amor para os homens, sempre ficam desconcertadas com a atitude e o comportamento masculinos e às vezes chegam à conclusão errônea de que os homens não são capazes de amar, mas raramente percebem que essa mesma palavra, amor, descreve no homem e na mulher duas realidades radicalmente diferentes” (Houellebecq, 2019, p. 50).

A narrativa é permeada por um olhar cínico e desencantado sobre o mundo moderno. Florent-Claude recorre ao Captorix, um antidepressivo fictício que aumenta os níveis de serotonina em seu cérebro, mas que também reduz sua libido e capacidade de experimentar prazer genuíno. Essa metáfora central do livro ilustra o embotamento emocional e a apatia que caracterizam tanto o protagonista quanto a sociedade ao seu redor.

“Os homens de modo geral não sabem viver, não tem qualquer familiaridade real com a vida, nunca se sentem inteiramente à vontade, estão sempre correndo atrás de diferentes projetos, mais ou menos ambiciosos ou mais ou menos grandiosos, depende, e claro que na maioria das vezes fracassam e chegam à conclusão de que teria sido melhor, pura e simplesmente, viver, mas em geral já é tarde demais” (p. 118)

Entre idas e vindas ao interior da França, ele testemunha o colapso da vida rural, marcada pelo empobrecimento dos agricultores e pela ruína da economia local – um reflexo das transformações neoliberais que devastaram o campo francês.

Mais uma vez, recomendo a análise do canal Better Than Food sobre o texto:

Até a próxima,

Igor Banin

Categorias: Livros

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