Qual série você está assistindo? Essa é frequentemente um quebra-gelo em ambientes corporativos e educacionais e recentemente, ela me despertou um desejo de escrever sobre o mundo inundado de conteúdos no qual vivemos hoje e a forma como lidamos com isso.

O que é FOMO?

O fenômeno conhecido como FOMO (Fear of Missing Out), ou “medo de estar perdendo algo”, ou, “medo de estar por fora”, caracteriza-se pela ansiedade que algumas pessoas sentem ao perceberem que estão ausentes de experiências gratificantes que outros estão vivenciando.

O autor Patrick McGinnis (1976-) cunhou o termo em 2004, em uma coluna satírica da Harvard Business School. No entanto, o estrategista de marketing Dr. Dan Herman identificou o fenômeno pela primeira vez em 1996.

Esse sentimento é intensificado pelo uso constante de redes sociais, onde as pessoas são constantemente expostas às atividades e conquistas alheias, gerando uma comparação contínua e, na maioria das vezes, prejudicial.

Recomendo esse Ted Talk sobre o tema:

Por que acontece?

As causas do FOMO derivam de diversos fatores. As redes sociais, por exemplo, exibem constantemente momentos destacados e vidas aparentemente perfeitas, levando à comparação social e à sensação de que a própria vida é menos interessante ou emocionante. A cultura da conectividade, por sua vez, gera uma necessidade de estar sempre atualizado, causando ansiedade em relação à possibilidade de perder algo importante.

Segundo Elhai JD, Yang H, Montag C (2020):

“The persistent online checking behavior inherent in FOMO is not only active, i.e. when people have time to proactively browse their internet-enabled devices such as smartphones, but is also frequently reactive (or perhaps passive) through the many social-related notifications received over the course of the day – to which there is a compulsion to respond.” (p.203)

A relação entre o FOMO e a cultura popular é intrínseca e foi amplificada nas últimas duas décadas. O excesso de conteúdo disponível, como séries, filmes e jogos, juntamente com a onipresença das redes sociais, cria um ambiente propício para o desenvolvimento do FOMO. No caso das séries e filmes, o lançamento de novas temporadas ou filmes de grande sucesso gera uma onda de comentários e discussões nas redes sociais. Participar desses debates cria uma sensação de pertencimento e conexão social, e o medo de “ficar de fora” dessas conversas leva muitas pessoas a consumirem conteúdos que nem sempre são de seu interesse, apenas para não se sentirem excluídas.

Man falling into mobile

“Anxiety highly correlates (and is comorbid) with depression,81,82 which is also a fundamental aspect of underlying negative affectivity.78 FOMO has also been examined in relation to depression severity from adolescence through adulthood using correlational, cross-sectional methodology” (Elhai JD, Yang H, Montag C, 2020, p.205)

Aqui vemos a chamada “cultura do hype”, que leva as pessoas a apreciarem mais a expectativa da experiência/produto, do que a coisa em si. Não me surpreende que o termo que define essa sintomatologia tenha sido proposta por alguém do Marketing.

A psicanálise nos oferece insights sobre como as interações sociais e as dinâmicas de grupo influenciam o indivíduo. Freud (1856 – 1939), em “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, explora como os indivíduos podem perder sua individualidade ao se identificarem com um grupo, adotando comportamentos e pensamentos coletivos (Freud, 1921/1996). No contexto do FOMO, essa identificação com o grupo pode levar a uma conformidade social, onde o indivíduo sente a necessidade de participar de certas atividades ou possuir determinados bens para se sentir parte do coletivo.

Como disse Lacan (1964/1988) em seu seminário 11, “Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise”:

“O desejo do Homem é o desejo do Outro ( p.41)

Desejamos participar de experiências não apenas por um interesse próprio, mas porque percebemos que outros as desejam, isto é, o discurso do Outro nos define e o nosso querer (Lacan, 1969-70/1992) . O que as redes sociais fazem é ampliar essa mediação, expondo constantemente aquilo que os outros valorizam e, assim, alimentando a sensação de que estamos “perdendo algo”.

Os jogos, especialmente aqueles com componentes multiplayer online, também contribuem para o FOMO. O lançamento de novos jogos pode gerar uma pressão para participar, a fim de não perder experiências únicas ou recompensas exclusivas. A cultura de competição e a busca por conquistas intensificam esse sentimento.

Eventos e premiações, como o Oscar, Grammy ou as diversas Comic-Cons, geram grande expectativa e cobertura midiática. O medo de perder momentos importantes ou spoilers leva muitas pessoas a acompanharem esses eventos em tempo real, mesmo que não tenham interesse genuíno por eles.

O Conteúdo e a modernidade

A modernidade líquida, conceito introduzido por Zygmunt Bauman, também contribui para o entendimento do FOMO. Bauman argumenta que, na sociedade contemporânea, as relações e estruturas são fluidas e temporárias, levando a uma constante sensação de incerteza e busca por pertencimento (Bauman, 2000). Essa fluidez pode intensificar o FOMO, à medida que os indivíduos tentam incessantemente acompanhar as tendências e experiências efêmeras que surgem.

Sobre Bauman, recomendo esse vídeo de Christian Dunker:

O excesso de conteúdo disponível exacerba o FOMO. A sobrecarga de informações dificulta a escolha e aumenta a sensação de que sempre há algo mais interessante ou importante acontecendo. Essa sobrecarga informacional contribui para a ansiedade e o medo de estar perdendo algo relevante. A velocidade com que novas séries, filmes e jogos são lançados impede que as pessoas acompanhem tudo o que é relevante, gerando uma sensação de urgência e FOMO constante. Além disso, os algoritmos das plataformas de streaming e redes sociais são projetados para manter os usuários engajados, recomendando conteúdos que possam ser de seu interesse, o que intensifica ainda mais esse sentimento.

Kid with phone

Conclusão

Antes todos estávamos na mesma página, a maioria de nós tinha mais ou menos o mesmo repertório cultural (pelo menos até uma certa idade). Hoje a segmentação de conteúdo a distribuição por algoritmos compartimentalizou os nichos.

Ter mais conteúdo é benéfico? Eu não tenho tanta certeza. A oferta infinita de opções pode ser enriquecedora em alguns aspectos, mas também nos leva a um estado de ansiedade constante, onde nunca sentimos que estamos consumindo o suficiente ou acompanhando tudo o que é relevante. Cada um fala sobre uma coisa diferente, e isso pode dificultar a construção de um senso de comunidade e referências comuns. Mas talvez sempre tenha sido assim, e o FOMO, apesar de potencializado pela tecnologia, seja apenas uma expressão contemporânea de um medo ancestral: o de ficar de fora, de não pertencer, de ser deixado para trás.

A vida é feita de escolhas e escolher é, essencialmente, perder todas as opções que você não escolheu.

Até a próxima,

Igor Banin

Referências Bibliográficas:

Bauman, Z. (2000). Modernidade Líquida.

Freud, S. (1921/1996). Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In Além do Princípio do Prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos (pp. 79-156, Obras completas de Sigmund Freud, v.18). Rio de Janeiro: Imago.

Elhai JD, Yang H, Montag C (2020). Fear of missing out (FOMO): overview, theoretical underpinnings, and literature review on relations with severity of negative affectivity and problematic technology use. Braz J Psychiatry.

Lacan, J. (1964/1998). Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise: O seminário, livro 11. Jorge Zahar.

Lacan, J. (1969-70/1992). O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise.


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