Entre o DSM e a Psicanálise

O Psicopata é uma figura que intriga a todos, muitas vezes pelo apelo que carrega ao ser retratado em filmes e seriados de televisão. Em geral, é retratado como vilão, mas todos torcemos por ele.

Hoje falaremos um pouco sobre as visões destoantes que as ciências da mente têm sobre a psicopatia e suas interseções com a noção de Perversão em Psicanálise. Focarei neste trabalho as concepções freudiana e lacaniana da Perversão.

Em Psicanálise, pensamos a perversão enquanto uma saída possível de uma fase do desenvolvimento infantil chamada “Complexo de Édipo” — período determinante para a organização psíquica do sujeito, que vai estabelecer formas de relação da criança com o mundo e, mais especificamente, com os limites. Como diríamos em termos psicanalíticos: a castração.

O Psicopata e o Perverso

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(Imagem retirada da Internet)

Na visão do DSM, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (ou em lusitano, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) — A Bíblia da Psiquiatria — , a personalidade de um psicopata estaria associada ao chamado TPA, ou, Transtorno de Personalidade Antissocial.

Lembremo-nos de que: a maneira como se faz o diagnóstico é distinta entre as práticas psiquiátricas e a Psicanálise. Quando se usa um dispositivo como o DSM, se exime o papel do terapeuta (ou psicoterapeuta) da cena. Ele é apenas o aplicador de um método empírico, cientificamente testado e aprovado.

Em Psicanálise, se faz o diagnóstico a partir da relação transferencial estabelecida entre analista e analisando (ou paciente), isto é, pensa-se a diagnóstica pela forma como o paciente se coloca (e coloca o Outro) em sua fala. O analista está metido na relação de cura, não é um observador de fora. Na ciência psicanalítica, uma aproximação comum acontece entre a Psicopatia e a Perversão, estrutura clínica pensada por Freud e revista por Lacan. Falamos de perversão aqui enquanto uma das três (hoje quatro) estruturas clínicas clássicas.

Antes de avançarmos mais no tocante à perversão em si, vamos elucidar o conceito de estrutura em Psicanálise. Lacan, apoiando-se na corrente de pensamento estruturalista, postula a noção de modalidade (específica) de transferência, isto é, como o sujeito se coloca em relação ao Outro. De onde fala, para quem fala. Como fala. O psicanalista francês definiu três estruturas clínicas clássicas: Neurose, Psicose e Perversão (hoje fala-se no autismo como uma quarta, distinta da psicose).

Em termos técnicos, falamos também em economia de gozo, ou seja, para cada sintoma (estrutura), há um modo de satisfação específico. Este sintoma é pensado a partir de como se configuram as relações edípicas daquele sujeito e a saída propriamente dita do Complexo de Édipo (clave basilar da clínica freudiana, e da chamada “primeira clínica lacaniana”).

Para além das estruturas, falamos em tipos clínicos específicos. Na neurose, temos a Histeria, a Obsessão e a Fobia. Na Psicose, encontramos a Esquizofrenia, a Paranoia e a Melancolia. Do lado da Perversão, podemosver o Sadismo — ligado ao prazer de infligir dor ao Outro, destrui-lo, despedaçá-lo; o Masoquismo, relacionado a ser atacado pelo Outro, por sofrer; e o Voyeurismo, prazer em ver e presenciar atos sadomasoquistas.

O perverso se configura como um sujeito que está para além do limite, ou pelo menos, para além do limite do neurótico. Ao contrário da Neurose, fundada com base no Recalque, o perverso age a partir do que chamamos de Negação, ou Desmentido. Ele não aceita a castração. Permanece em uma posição que Freud chamou de o “Rei Bebê”, aquele que tudo pode, sem limites ou retraimentos.

O perverso, portanto, “triunfa” imaginariamente sobre a castração, obtendo prazer em apontar para o neurótico como ele (perverso) vai para além da fantasia. Ele encontra-se, nesse sentido, “preso ao gozo, fora do registro do desejo” (Cunha, 2016, p. 95).

Fetiche

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(Imagem retirada da Internet)

A forma como o perverso encontra para lidar com a castração, ou a falta (que originariamente é a falta no Outro), é o fetiche — um substituto imaginário-simbólico.

Na visão freudiana, o fetiche tem o propósito e significado de ser um substituto do pênis da mãe. No momento em que o menino percebe que a mãe é castrada, ele entende que seu próprio pênis está em perigo, portanto, a significação do falo é transferida para outro atributo ou parte do corpo. É a negação, negação da falta — sintoma estruturante da Perversão.

Não é possível determinar por qual razão determinada parte do corpo, ou situação específica, é cristalizada enquanto fetiche pelo sujeito. Freud supôs que no processo onde a criança vê (literalmente) o órgão genital da mãe, ocorre o processo de negação da diferença sexual e o sujeito estabelece como fetiche o momento justamente anterior. Um exemplo, seria uma mulher se despindo, o que mantém o ato de tirar a roupa (anterior à percepção da diferença sexual) como única forma de prazer.

Freud propunha uma visão, por vezes, demasiadamente literal. Lacan, quando revê o edifício teórico freudiano, entende que a falta que o perverso encontra e não aceita no corpo da mãe, é significativa da incompletude como um todo, relacionando-aàs situações e relações de perda que a criança vai experienciar na vida.

Pensando lacanianamente, o perverso nega que o Outro seja um sujeito, um sujeito do desejo (incompleto, faltante) e o transforma em objeto, que não é desejante. Pois se este Outro fosse desejante, significaria que ele (perverso) não é o objeto de completude do Outro. Em contrapartida, o neurótico busca essa completude no mundo, em alguém, em uma profissão, em algo.

Portanto, “O pervertido relaciona-se não com outra pessoa num encontro intersubjetivo, mas com um cúmplice tratado como objeto subjetivo e coagido a representar a situação fantasiosa do pervertido” (Pajazckowska, 2005, p.66).

O sujeito perverso “joga” um véu, um feitiço (daí a palavra fetiche) sobre o objeto de desejo, conseguindo estabelecer um canal único de gozo, sem variantes.

Perversão e Perversidade: Aqui está o Psicopata?

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(Imagem retirada da série de televisão Hannibal)

A palavra perversão é muitas vezes usada de forma descabida, portanto devemos distingui-la de termos semelhantes, mas com um sentido totalmente distinto. Como por exemplo: perversidade.

Neste momento estamos pisando em ovos. Tocamos por vezes em diferentes montagens da moralidade. O que podemos chamar de “perversidade ordinária”está associada ao Mal, como corrupção ou vontade de transgredir à lei.

Encontramos, tanto perversos que exercem a perversidade com ausência de culpa, quanto neuróticos (ou falsos perversos) que sentem satisfação em se fazer “instrumentos da lei” — que gostam de aplicar a lei. Muitas vezes, porque sentem que foram lesados em um momento anterior de suas vidas.“Bato porquê me bateram”.

Desta forma, um Serial Killer, um assassino em série, pode ser localizado tanto em uma estrutura perversa, como psicótica. O que varia é a modulação discursiva encontrada: O quê faz? Por quê faz? Como faz?

Até a próxima.

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Por Igor Banin

Referências

Dunker, C. (2016) Qual a diferença entrePerversão e Perversidade? In Falando nisso produzido por Buli, L & Bulhões, J. Recuperado em 21 de Agosto de 2017, de https://www.youtube.com/watch?v=WpWWsTJxhjQ

Cunha, E. L. (2016). O Homem e suas fronteiras: Uma leitura crítica do uso contemporâneo da categoria da perversão. In Revista Ágora. (pp. 85-101). Rio de Janeiro.

Freud, S. (1927/1996). O Fetichismo. In O Futuro de uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e outros trabalhos. (pp. 151-164, Obras completas de Sigmund Freud, v.21). Rio de Janeiro: Imago.

Pajazckowska, C. (2005). Perversão.  Conceitos da Psicanálise, v.18. Rio de Janeiro: Segmento-Duetto.

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2 comentários

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[…] provavelmente estará relacionado (positiva ou negativamente) à sexualidade de uma época. Os perversos que o […]

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