O ato-falho em tempos de Whatsapp

O que é um ato-falho, e como ele se apresenta hoje em dia?

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O ato-falho em tempos de Whatsapp

(Imagem retirada da Internet)

O que você acha das conversas acima? Foram apenas erros infelizes? Culpa do corretor ortográfico? Notem que os interlocutores se aproveitaram dos deslizes que acometem nossos infelizes protagonistas.

O Whatsapp

Grande parte das comunicações hoje em dia é via Whatsapp, aplicativo lançado em 2009, que pertence atualmente à gigante Facebook, e rapidamente se popularizou entre os usuários de smartphones.

Aplicativos dessa natureza mudaram a forma como nos relacionamos (à distância, e até mesmo pessoalmente). Romances são concretizados, e terminados através da rede. Negociações são fechadas pelos apps (como são chamados os aplicativos).

O ato-falho

Em 1901 Freud publica Sobre a Psicopatologia da vida cotidiana, um de seus textos cabais, que são leituras obrigatórias para qualquer interessado na obra freudiana (à título de curiosidade, os outros são: A Interpretação dos Sonhos (1900), e Os Chistes e sua relação com o Inconsciente (1905). Com essas obras, o psicanalista delineou a supremacia do inconsciente em relação ao consciente.)

Na Psicopatologia da vida cotidiana, Freud mostra como os lapsos são parte de nosso dia-a-dia, e como podem ser até contagiosos, usando de uma série de exemplos tirados de sua prática clínica. O psicanalista descreve minuciosamente o que é um ato-falho, suas sub-divisões, entre lapsos de linguagem, de escrita, esquecimentos entre outros.

Ao falar sobre o esquecimento de nomes próprios (quando muitas vezes lembramos algum nome incorreto), Freud (1901) diz: “O processo que deveria levar à reprodução do nome perdido foi, por assim dizer, deslocado, e por isso conduziu a um substituto incorreto. Minha hipótese é que esse deslocamento não está entregue a uma escolha psíquica arbitrária, mas segue vias previsíveis que obedecem a leis” (p. 19)

Freud (1901) postula algumas condições para que um erro seja considerado um ato-falho (ou “freudian slip” como dizem os americanos). São elas:

“(a) Não pode exceder certas dimensões fixadas por nossa avaliação e caracterizadas pela expressão “dentro dos limites do normal”.

(b) Deve ter o caráter de uma perturbação momentânea e temporária. É preciso que

tenhamos excetuado antes a mesma função de maneira mais correta ou que nos acreditemos capazes de realizá-la mais corretamente em qualquer ocasião. Ao sermos corrigidos por outra pessoa, devemos reconhecer de imediato a exatidão da correção e a inexatidão de nosso próprio processo psíquico.

(c) Quando chegamos a perceber o ato falho, não devemos sentir em nós mesmos

nenhuma motivação para ele, mas antes ficar tentados a explica-lo pela “desatenção” ou ainda como uma “casualidade”” (p. 237).

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O ato-falho

(Imagem retirada da Internet)

Nas palavras do psicanalista: “É consolador pensar que o hábito humano de “perder” coisas tem, nos atos sintomáticos uma extensão insuspeitada e que, por conseguinte, ele é bem-vindo ao menos para uma intenção secreta do perdedor. Com freqüência, ele é apenas uma expressão de desapreço pelo objeto perdido, ou de uma antipatia secreta por ele ou pela pessoa de quem ele provém” (Freud, 1901/1996, p. 207). Freud usa o termo “intenção”, podemos entender como o desejo, como postulado por Lacan.

O lapso acontece em um momento de abertura do inconsciente, uma vez que o desejo escapa, se mostra à vista de todos. Para os lacanianos, pode-se dizer que é um momento de quebra da chamada “cadeia significante”, um momento que o significante aparece de fato.

O ato-falho na clínica psicanalítica

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O ato-falho na clínica psicanalítica

(Imagem retirada da Internet)

O ato-falho no contexto da clínica psicanalítica é pensado como uma formação do inconsciente, e recebe “atenção especial”, digamos assim, na sessão de análise. Um ato-falho se dá em um contexto não-clínico, isto é, fora da sessão de análise, é normalmente tratado como um erro qualquer, algo que “acontece com todo mundo”. Mas nem sempre é assim, todos que assistiram à série de televisão estadunidense “Friends” lembra-se da cena em quê o protagonista Ross, em plena cerimônia de casamento, troca o nome de sua futura esposa, Emily, por sua antiga amada, e verdadeira paixão, Rachel.

Em contrapartida a isso, na análise, o ato-falho não é desculpado, no sentido de tirar a culpa. Implica-se o sujeito, e mostra-se para onde seu desejo está apontando. O ato-falho figura entre as quatro formações inconscientes que atentamos na sessão. As outras  são: O sonho (tema bem trabalhado na, já citada, obra magna “A Interpretação dos Sonhos”, e em “Sobre os Sonhos” de 1901), o chiste e o sintoma.

O ato-falho hoje

É interessante notar como o ato-falho toma proporções diferentes em nossos dias, onde a tecnologia é senhora de tudo e de todos. Não é tão simples sair condenando qualquer erro como um ato-falho. O corretor ortográfico é o primeiro à ser culpado, o que em muitas ocasiões é o mais correto à se considerar. Na experiência frenética de nosso dia-a-dia, muitas vezes não nos permite conferir tudo que escrevemos. Muito se esvai. Há todavia, no meu entendimento, uma faca de dois gumes. Por um lado, a presença da tecnologia permite que erros sejam corrigidos antes de serem enviados. Basta telcar, tocar, ou digitar a tecla “Delete”. Me pergunto como os novos chegados à esta terra iriam se virar com uma (semi)extinta folha de almaço pautada. Como já falei acima, os relacionamentos são concebidos de outra maneira, podemos hesitar o quanto possível para revelar aquele romance escondido. Quem nunca digitou uma mensagem e a apagou no instante seguinte, quando prestes à teclar “Enviar”?

Por outro lado, quando cometemos o erro nestes tempos digitais, o equívoco se eternaliza, e pode até viralizar na rede.

Até a próxima.

Referências

Freud, A Psicopatologia da vida cotidiana (1905), Editora Imago, 1996.

Por Igor Banin

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