O gênero de terror, muitas vezes subestimado como mera forma de entretenimento escapista, na verdade, revela camadas profundas da condição humana, especialmente quando analisado à luz da psicologia e da filosofia existencial. Filmes de horror exploram temas como o medo do desconhecido, a alienação, a angústia e a liberdade — conceitos centrais tanto na psicologia existencial quanto no existencialismo sartreano. Ao mergulhar nas angústias do ser, os filmes de terror servem como poderosas metáforas para as crises existenciais modernas, onde o espectador é confrontado não apenas com monstros, mas também com as questões mais íntimas sobre sua própria liberdade, solidão e mortalidade.

A Condição Humana e o Horror

Jean-Paul Sartre, em sua obra O Ser e o Nada (1943), argumenta que a existência humana é marcada pela liberdade radical, uma liberdade que nos condena a criar sentido em um universo desprovido de propósito intrínseco. Essa liberdade, no entanto, também gera angústia, pois estamos constantemente conscientes de nossa responsabilidade total pelas escolhas que fazemos. A experiência do terror, com sua atmosfera de incerteza e desespero, reflete essa angústia de forma visceral. Filmes como O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick exemplificam essa intersecção. O personagem Jack Torrance é confrontado com a alienação e a perda de sentido enquanto se desintegra psicologicamente, uma metáfora para a sensação de estar à deriva em um mundo sem estrutura ou propósito. A “assombração” que Jack enfrenta não é apenas externa, mas interna, um reflexo de sua própria deterioração existencial.

Esse tema de alienação é central na psicologia existencial de Viktor Frankl, autor de Em Busca de Sentido (1946), onde ele afirma que o sofrimento só pode ser suportado quando encontramos um propósito nele. O horror, como gênero, frequentemente coloca seus personagens em situações absurdas e sem sentido, onde a sobrevivência depende de encontrar algum sentido em meio ao caos. Em filmes como Hereditário (2018), as personagens lutam contra forças invisíveis e hereditárias, sugerindo que o destino é inescapável — uma realidade que remete à falta de controle e à insignificância que Sartre atribui à existência humana. No entanto, é justamente nesse confronto com o absurdo que as personagens (e os espectadores) são forçados a refletir sobre sua própria liberdade e responsabilidade diante da vida e da morte. No caso dos filmes de zumbis, como A Noite dos Mortos-Vivos (1968), o apocalipse zumbi não é apenas uma metáfora do colapso social, mas também uma representação física da morte e da alienação que consome a humanidade, onde as pessoas perdem sua individualidade e se tornam parte de uma massa sem propósito.

Além disso, na obra de Sartre, a relação entre liberdade e responsabilidade é central. Os filmes de terror frequentemente exploram o momento em que os personagens são confrontados com suas escolhas e o peso de suas ações. Em Hereditário (2018), o desespero da personagem principal, Annie, ao descobrir a herança de traumas que carrega, reflete o dilema existencial da liberdade de Sartre. Ela é forçada a lidar com as consequências de suas ações passadas e as decisões de sua mãe, lutando para aceitar o peso de sua própria liberdade e responsabilidade. Da mesma forma, a psicologia existencial, especialmente em Rollo May, enfatiza a capacidade de enfrentar o medo como parte do crescimento psicológico e da autenticidade. O terror coloca os personagens em situações onde eles devem confrontar seus medos mais profundos, revelando, assim, os limites de sua própria humanidade e o significado de suas existências.

Horror Cósmico e a Indiferença do Universo

O subgênero do horror cósmico, popularizado por H.P. Lovecraft, é talvez a forma mais explícita de representar a indiferença do universo perante a humanidade. No horror cósmico, os personagens são confrontados com forças tão imensas e indiferentes que suas vidas e escolhas parecem irrelevantes. Rick e Morty, uma série animada que combina comédia e horror, explora temas de indiferença cósmica ao extremo. O personagem Rick Sanchez, com seu niilismo, reflete a crença sartreana de que o universo não possui um sentido pré-estabelecido, e qualquer tentativa de encontrar sentido fora de si mesmo é inútil. Rick, no entanto, também representa a má-fé sartreana — ao agir como se não estivesse preso às escolhas e responsabilidades que sua liberdade impõe, ele tenta escapar da angústia da existência.

Essa ideia de “ser para o nada” é o ponto central do terror que Lovecraft explora em suas narrativas, e é um tema que ecoa nos filmes de terror psicológico. A sensação de desamparo em filmes como A Bruxa (2015) reflete a luta do ser humano contra um mundo que é, em última instância, indiferente a seus desejos e necessidades. Sartre argumenta que o ser humano está condenado a ser livre, mas essa liberdade, em um mundo sem Deus, sem valores absolutos, é angustiante, pois coloca toda a responsabilidade do sentido da vida nas mãos do próprio indivíduo. O terror capta essa sensação ao forçar seus personagens a confrontar a insignificância de suas ações em um universo caótico. No caso dos filmes de zumbis, como em Guerra Mundial Z (2013), o apocalipse representa o colapso de um sistema social desestruturado e a insignificância da humanidade perante um mundo em que as regras de sobrevivência mudaram, reforçando o sentimento de desespero diante de forças muito além do controle humano.

Porém, o horror cósmico não se limita à sua perspectiva niilista; ele também confronta o público com uma sensação de pequenez e vulnerabilidade diante de um universo vasto e caótico. Filmes de terror psicológico, como A Bruxa (2015), exploram esse sentimento ao retratar uma família em uma floresta isolada, lutando contra forças invisíveis que simbolizam o mal inerente ao ambiente em que vivem. Esse confronto com o desconhecido e o indomável evoca a angústia existencial de Sartre, onde o ser humano deve aceitar sua insignificância e, ao mesmo tempo, encontrar a coragem para encarar um mundo sem garantias. É uma abordagem que ecoa a visão de Viktor Frankl de que o sofrimento é inevitável, mas a maneira como respondemos a ele é o que define nossa humanidade. O horror cósmico nos obriga a reconhecer que o sentido de nossas vidas depende de nossa capacidade de resistir e dar significado ao caos que nos cerca, mesmo quando o universo é indiferente.

O Horror como Espelho da Sociedade

O gênero de terror também serve como um espelho para os medos sociais contemporâneos, como evidenciado na análise dos filmes de horror das décadas de 1950 a 1970. Filmes como A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George Romero, não são apenas sobre zumbis, mas sobre os medos sociais da época — o racismo, a Guerra Fria, e a desconfiança das instituições. Aqui, a psicologia existencial e o existencialismo sartreano se encontram novamente. Sartre, em O Existencialismo é um Humanismo (1946), argumenta que, na ausência de Deus ou de valores transcendentes, cabe ao ser humano criar sentido e moralidade. Da mesma forma, os personagens de Romero devem reconstruir as bases da civilização em meio ao caos, mas o filme revela que, mesmo diante de uma ameaça comum, as divisões sociais e os preconceitos impedem a união.

Os zumbis, no cinema de terror, funcionam como uma metáfora da desumanização e da alienação social, além de refletirem o medo da perda de controle sobre a própria vida e identidade. Em A Noite dos Mortos-Vivos, os zumbis são a personificação de um “outro” incontrolável, um reflexo dos preconceitos e divisões sociais da época. Esses mortos-vivos servem para desconstruir a ideia de que o maior perigo reside em ameaças externas, revelando que, muitas vezes, o maior risco à sobrevivência vem do próprio comportamento humano, da incapacidade de colaboração e da fragmentação social. Essa mesma visão é reforçada em filmes como Extermínio (2002), onde os zumbis não apenas representam a perda de humanidade, mas também o medo de um colapso completo das instituições sociais e dos valores que sustentam a convivência.

O gênero de terror é um reflexo poderoso para explorar a condição humana e seus dilemas existenciais. Em suas diversas formas, o horror nos confronta com a angústia da liberdade, a responsabilidade de criar sentido em um universo indiferente e a alienação em um mundo desumanizante. Ao conectar os temas centrais da filosofia existencial de Sartre e as reflexões da psicologia existencial de Viktor Frankl, vemos que o terror é mais do que uma narrativa de monstros e sustos; é uma forma de arte que nos obriga a olhar para dentro de nós mesmos e confrontar nossas próprias ansiedades e medos. Seja através do apocalipse zumbi, da indiferença cósmica ou da luta contra o isolamento, o gênero de terror revela, em última instância, a profundidade da nossa própria condição existencial.

Referências

Frankl, V. (1946). Em busca de sentido. São Paulo: Vozes.

King, S. (2008). Danse Macabre. New York: Gallery Books.

Lovecraft, H. P. (1973). O horror cósmico. São Paulo: Martins Fontes.

Romero, G. (1968). A noite dos mortos-vivos [Filme]. Continental Distributing.

Sartre, J.-P. (1943). O ser e o nada. São Paulo: Vozes.

Sartre, J.-P. (1946). O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural.

Stanley, K. (1980). O iluminado [Filme]. Warner Bros.

Atenciosamente,

Psi. Patrício Lauro

CRP 18/03237

Categorias: Sem categoria

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *