A biofilia, conceito desenvolvido pelo psicólogo e filósofo Erich Fromm e posteriormente popularizado pelo biólogo Edward O. Wilson, descreve a inerente afinidade humana pela vida e pelos processos vitais. Segundo Fromm, a biofilia é a “paixão pela vida e por tudo o que é vivo” (FROMM, 1964, p. 45), enquanto Wilson ampliou essa ideia para incluir uma tendência biológica, enraizada na evolução, que impulsiona os seres humanos a se conectarem com outras formas de vida. A fenomenologia, por sua vez, é uma corrente filosófica que busca descrever a experiência tal como ela se apresenta à consciência, focando na vivência subjetiva e no modo como os fenômenos se manifestam para o sujeito.

Ao relacionar biofilia e fenomenologia, surge uma perspectiva rica que nos permite entender como o amor pela vida se manifesta não apenas como uma inclinação biológica, mas também como uma experiência profundamente vivida e percebida. A fenomenologia nos oferece as ferramentas conceituais para explorar a biofilia não apenas como um instinto ou tendência, mas como um fenômeno que se desenrola na vivência cotidiana, revelando-se nas nossas interações com o mundo natural.

Segundo Merleau-Ponty, um dos principais representantes da fenomenologia, “o corpo é nosso meio geral de ter um mundo” (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 89), ou seja, é através do corpo que experimentamos e nos relacionamos com o mundo à nossa volta. Quando aplicamos essa visão à biofilia, entendemos que a afinidade humana pela vida se dá por meio de uma interação corpórea e sensorial com o ambiente natural. A experiência de caminhar em uma floresta, sentir o cheiro da terra, ou ouvir o canto dos pássaros, por exemplo, não é apenas uma resposta a um estímulo externo, mas um modo de existir no mundo, onde a vida e os processos naturais são vividos como partes essenciais de nossa própria existência.

Nesse sentido, a biofilia pode ser compreendida como uma manifestação do “estar-no-mundo” (Heidegger, 1927), conceito central na fenomenologia, que descreve a forma como os seres humanos sempre já estão imersos em um mundo de significados e relações. O amor pela vida e pela natureza, portanto, não é uma escolha deliberada, mas uma parte fundamental do nosso ser-no-mundo, onde a natureza é vivida como uma extensão de nossa própria existência. Heidegger argumenta que “o homem é, na essência, morador; habita na proximidade das coisas” (HEIDEGGER, 1954, p. 17), indicando que a conexão com o mundo natural é intrínseca à nossa forma de ser.

Além disso, ao olharmos a biofilia sob a ótica fenomenológica, podemos considerar o conceito de intencionalidade, que se refere ao modo como a consciência sempre se direciona a algo. Na biofilia, essa intencionalidade se manifesta como uma orientação natural e espontânea da consciência para o vivo, para o crescimento, para o que é fértil e florescente. Assim, a natureza não é apenas um objeto de contemplação, mas um campo de significados e vivências que enriquece a experiência humana.

A psicologia ambiental, por sua vez, fornece um olhar complementar para essa discussão ao explorar como o ambiente físico, incluindo os espaços naturais, influencia o comportamento humano, o bem-estar e a saúde mental. Estudos nessa área sugerem que a conexão com a natureza, ou a falta dela, pode ter impactos significativos nas emoções e na cognição. Por exemplo, pesquisas indicam que a exposição a ambientes naturais pode reduzir o estresse, melhorar o humor e aumentar a criatividade, elementos que são diretamente relacionados à biofilia como uma expressão positiva da interação com o ambiente natural.

Além disso, a psicologia ambiental examina como o design dos espaços construídos pode fomentar ou inibir essa conexão natural. Ambientes urbanos, por exemplo, que integram elementos naturais, como parques e áreas verdes, tendem a promover um senso de bem-estar e coesão social, refletindo a importância da biofilia na vida urbana moderna. Essa perspectiva nos lembra que a biofilia, ao ser reconhecida e incorporada no planejamento urbano e na arquitetura, pode melhorar a qualidade de vida das pessoas, proporcionando-lhes uma maior integração com os processos vitais e, consequentemente, uma existência mais plena e significativa.

Dessa forma, a fenomenologia nos ajuda a entender que a biofilia não é apenas uma predisposição genética ou um simples instinto de sobrevivência, mas uma dimensão essencial da experiência humana, onde o amor pela vida emerge como uma expressão autêntica do nosso modo de estar no mundo. Essa perspectiva amplia a compreensão da biofilia, revelando-a como uma força vital que permeia nossa relação com o ambiente e que se expressa nas mais diversas formas de interação com o mundo natural.

Referências

FROMM, E. O Coração do Homem: Seu Gênio para o Bem e para o Mal*[. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1927.

HEIDEGGER, M. Construir, Habitar, Pensar. São Paulo: Moraes, 1954.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1945.

WILSON, E. O. Biophilia. Harvard University Press, 1984.

Atenciosamente,

Psi. Patrício Lauro

CRP 18/03237


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