No início dos anos 2000 fomos convidados a dar uma expiada na casa mais vigiada do Brasil e neste momento estamos na 20º edição do Big Brother Brasil. Como todo programa na TV aberta faz, este também alterna estratégias para manter audiência e permanecer relevante para garantir o investimento em ações publicitárias. Porém a pergunta permanece: por que ainda consegue mobilizar tanto olhos e tantos dedos ferozes nas redes sociais comentando cada passo em falso (ou não) dos participantes?

O Big Brother Brasil, cujo o nome tem origem no livro de George Orwell 1984 (citado em outro texto: Black Mirror Bandersnatch), é a arena na qual participantes previamente escolhidos pela produção, aceitam por livre e espontânea vontade abdicar: convívio familiar e social, de exercer profissão e/ou ir ao posto de trabalho, de sair de sua casa e/ou ir para onde quiser, estar com quem se deseja, poder escolher o que comer ou em qual rede social, dentre outras coisas usualmente fazemos e não nos damos conta.

Em troca os indivíduos devem permanecer em confinamento por aproximadamente noventa dias com um grupo de oponentes, que disputam entre si de forma perceptivelmente ou não, o mesmo prêmio considerável em dinheiro. Talvez você possa pensar que descrevendo desta forma não parece ser tão difícil, mas perceba que, o indivíduo está abdicando de não só de sua privacidade ou liberdade temporária, no processo se perde algo que talvez seja mais valioso do que o considerável prêmio em dinheiro, o controle da sua imagem social.

Ecos do Passado

Engana-se quem pensa que este tipo de entretenimento é algo novo, sempre houve situações semelhantes ao longo da História.

Na Grécia Antiga, havia o mito do Minotauro, uma espécie de criatura homem com cabeça de touro, aprisionada no centro do Labirinto, para qual eram enviados em sacrifício sete homens e sete mulheres. Teseu entrou no Labirinto, matou a criatura e saiu graças a um novelo de linha. Nos tempos atuais, o Palácio Cnossos na Ilha de Creta, apesar não ter resistido as intempéries do tempo, traz em partes de pinturas e esculturas sinalizam a relevância do mito para a população local.

Em grandes arenas como o Coliseu na Roma Antiga, o espetáculo era proporcionado por gladiadores que lutavam entre si, com animais selvagens, com soldados preparados ou prisioneiros cristãos despreparados, enquanto pão era jogado para o público nas arquibancadas, proporcionando ‘pão e circo’.

Na Mesoamérica entre 1200 A.C – 400 D.C. arqueólogos encontraram evidências do jogo de bola na Civilização Maia, jogado num campo com arquibancada para entreter o público em honra deuses e governantes. “O embate que constituía o jogo não tinha o intuito de matar ou ferir o adversário, e sim derrotá-lo. A perda do jogo podia fazer com que o derrotado pagasse um prêmio para o vencedor”, conforme Fernando Torres Londoño.

De alguma forma, ao longo de tempo os humanos se entretêm com o sacrifício e/ou competição dos outros. Quanto mais refinamos as leis, questões éticas e códigos de conduta, menos violento ficam os critérios do entretenimento. 

De forma proporcionalmente inversa, o que tem se normalizado é a necessidade de bisbilhotar e ficar comentando o comportamento alheio. Yubal Noah Harari em seu livro Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (que citei  no texto Pink e o Cérebro: o acerto de Pavlov), descreve que a fofoca foi a maneira pela qual os homens estabelecem interação social desde o início da civilização humana. Provavelmente permaneça assim, o que muda com o tempo é o meio e a tecnologia.

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Vejamos os ingredientes, temos uma competição com prêmios, uma luta com provas de resistência e desgaste psicológico, social mídia especializados para comentar e gerar engajamento da audiência. Em jogo reputação do sujeito, este é o elemento diferencial deste tipo de atração. Até pouquíssimo tempo atrás era impensável alguém quisesse se expor aos olhos julgadores dos outros.

O BBB foi um dos primeiros shows de realidade e deste de então anônimos e famosos expõem suas vidas em formatos semelhantes, a monetização depende da relevância do sujeito ou grupo familiar. Há uma verdadeira indústria deste tipo de entretenimento e estes shows semanais são muito mais roteirizados do que parecem ser. Quanto mais o sujeito entende como funciona o negocio, a exposição em redes sociais passa a ser mais controlada, fotos com poses calculadas com fundos instagrameáveis, sinais e marcas do tempo são apagados com App no seu celular a felicidade digital é imortalizada.

Aos participantes que aceitam entrar na casa, o contrato com a emissora é claro e os direitos de imagens pertence ao canal de TV, sem que o indivíduo tenha acesso do que está sendo editado. Como as pessoas vão enxergar o participante depende de como a edição vai privilegiar ou minimizar o impacto das suas ações, tudo em nome da audiência.

Ao final do embate, quem que possui o privilégio de escolher o vencedor é o espectador votante. Não temos acesso ao analítico da Globo, mas provavelmente o público votante na eliminação deve se concentrar nas gerações Y (nascidos entre 1980 a 1995) e a sucessora geração Z (nascidos acima dos anos 2000).

Nas redes sociais, a cada dia sobem os hashtags do forafulano com as justificativas baseadas na pauta de costumes. O ponto é que estamos vivendo a Era da Cultura do Cancelamento, seja por motivo baseado em fatos ou não, propõem se que o indivíduo, independe de sua origem, classe, aparência física, entre outros rótulos sociais, seja cancelado, perdendo seguidores, patrocinadores, acesso a eventos, permutas entre outras benesses deste tipo de trabalho. Abaixo um bate-papo com influenciadores e a jornalista Ana Paula Padrão.

Cultura do Cancelamento #VaiDarOQueFalar, com Ana Paula Padrão

Como isto ainda não é regulamentado por lei, está é a violência velada, se semelhando ao que juristas definem como assassinato de reputação, cujo conceito elucidativo de Flavio Farah tomei a liberdade de transcrever da Revista Jurídica UNIGRAN: “o assassinato de reputação é extremamente grave porque a reputação é um dos bens mais preciosos que um indivíduo possui. Reputação é a imagem pública de uma pessoa. É o que os outros pensam que um indivíduo é. Reputação é uma condição imprescindível para que alguém seja aceito em um grupo social ou profissional e nele permaneça”.

Quem influência o influenciador?

Curiosamente diante deste cenário, influenciadores digitais profissionais tenham aceitado integrar o grupo de participantes desta edição. Pessoas com milhões de seguidores e que se expõem em redes sociais teriam capacidade de se adaptar a este cenário facilmente? Isto é parte deste experimento.

Saber onde está a câmera, como se portar ou vestir ou aparentar, o que dizer e principalmente o que não dizer e o mais importante saber que tudo pode ser ajustado na edição. Sem acesso a esta última, a estratégia que poderia ser adotada é ser uma persona pré-moldada, uma espécie de versão auto corrigível de si mesmas. Como num baile de máscaras, atrás da fantasia se esconde seu verdadeiro eu e suas idiossincrasias. Quanto tempo uma pessoa consegue se sustentar desta forma? Depende de quanto se sente pressionada pelo ambiente. Um trunfo também pode se tornar uma armadilha.

Proponho um paralelo sem spoiler com o campeão do Oscar 2020, o filme sul-coreano Parasita, cujo feito fora maior do que vencer a barreira da língua. Provavelmente por expor uma situação, que de alguma forma, todos nós conseguimos reconhecer. No filme todos sem exceção passam a emitir comportamentos adaptativos, ora manipulando situações e ora se deixando ser manipulado, mesmo que ambos comportamentos não estejam aparentes. Ora investe-se tempo em elaboradas estratégias ora aguardando os próximos acontecimentos, ou seja, improvisando. Porém o filme Parasita é um entretenimento calculado por uns melhores diretores da atualidade Bong Joon-ho e por algo que o BBB não possui por definição, um roteiro ganhador do Oscar.

O BBB possui direção experiente e uma equipe gigantesca com capacidade de ajustar as velas de acordo com o vento da audiência e as ações dos Brothers. Aos participantes resta viver sua própria narrativa, agindo de acordo com a sua experiência pregressa aliada à sua cognição do jogo, que vai se aprimorando quanto mais tempo o indivíduo fica dentro da casa. Como na caixa de Skinner o rato vai aprendendo as engrenagens e conseguem se manter vivo dentro do ambiente. A questão é que aquilo que pensava ser uma recompensa se torna uma punição e mesmo sem se dar conta, repete os mesmos comportamentos.

Imagem e Ação

No caminho parecem esquecer que no final, a decisão é feita por aqueles quem os observam por trás do espelho. Na Lei da Sobrevivência de Darwin, permanece vivo não o mais inteligente ou o mais forte, mas quem consegue se adaptar as novas condições de pressão e temperatura, isto ocorreu nas arenas do passado e nas do presente, o tempo todo em ambientes com relação de poder, como por exemplo, no Mundo Coorporativo e com o volume bem aumentado BBB.

Quem vai ganhar o jogo? Sinceramente isto não é importante, mesmo porque os saem do confinamento, tem que responder ao público com a reputação da imagem social que fora construída durante o programa.

Vale ressaltar que quem venceu a barreira do tempo mantendo o sucesso profissional, não necessariamente foram os campeões do programa, vide exemplo, Sabrina Sato foi 8º eliminada em 2003, Grazi Massafera vice campeã em 2005 e Adrilles Jorge, comentarista do Morning Show da Jovem Pan, 10º eliminado em 2015.

Aos que acompanharam as edições anteriores, torceram e vibraram pelos seus campões e pouco tempo depois não se lembram que foram os participantes, um vídeo do depoimento de como é a vida depois do BBB, com a palavra as pessoas que viveram a experiência.

O lado B do BBB: Ex-participantes arrependidos?

Psicóloga Masilvia Diniz

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Referências consultadas

Big Brother Brasil 20º Edição – Direção: Boninho: Rede Globo, 2020. Exibido Globo Play.

Frota, H. A. A motivação dos atos de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação. Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 18 | n. 34 | Jan./Jun.2016. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/47940689/artigo07.pdf?response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DA_motivacao_dos_atos_de_nomeacao_de_agen.pdf&X-Amz-Algorithm=AWS4-HMAC-SHA256&X-Amz-Credential=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A%2F20200227%2Fus-east-1%2Fs3%2Faws4_request&X-Amz-Date=20200227T112755Z&X-Amz-Expires=3600&X-Amz-SignedHeaders=host&X-Amz-Signature=f3d77201f8306a0856fe648299475e07d33832ef261a814548737003f4879ec7

Harari, Y. N. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (2015). 25. ed. Tradução Janaina Marcoantonio. Porto Alegre/RS. LPM. Pág. 47.

Londoño, F. T. No princípio da história, era um jogo de bola. jogo, poder e religião entre os maias. REVER Ano 15 Nº 01 Jan/Jun 2015.                                   Disponível em: http://ken.pucsp.br/rever/article/view/23590

Millan, M. P. B. Reality Shows – uma Abordagem  Psicossocial. PSICOLOGIA  CIÊNCIA  E  PROFISSÃO, 2006, 26 (2), 190-197.                                                         Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n2/v26n2a03.pdf

Minerbo, M. BIG BROTHER BRASIL, A GLADIATURA PÓS-MODERNA. Psicologia USP, 2007, 18(1), 153-158. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v18n1/v18n1a09.pdf

MINOTAURO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Minotauro&oldid=57336429>. Acesso em: 2 fev. 2020.

Moreira, T.  Big Brother Brasil e as Relações Entre Poder e Mídia: Onde Termina o Entretenimento e Começa a Violência? XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015.       Disponível em: http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/30254

Orwell, G. 1984. (1998). São Paulo: Companhia das Letras.

Parasita – Direção: Bong Joon-ho. Distribuição: PANDORA FILMES, 2019. (2h12m)

Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix

Todorov, J. C. Sobre uma definição de comportamento. (2012). Brasília. Revistas Perspectivas. vol. 03 n ° 01 pp. 032-037. Disponível em: https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/79 


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