Obesidade
Segundo um novo estudo liderado pelo Imperial College London e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de obesidade entre crianças e adolescentes na faixa etária entre os 5 e os 19 anos de idade aumentou consideravelmente. Partindo de 1% em 1975 para uma taxa de 6% em meninas e 8% em meninos no ano de 2016. Combinando os dois gêneros observados, é possível dizer que o aumento foi cerca de dez vezes maior. Traduzindo tal porcentagem em números, não é errado dizer que saltamos de uma população de 11 milhões de obesos para aproximadamente 124 milhões.
O aumento dos níveis de obesidade estará, sem sombra de dúvidas, relacionado com o aumento de doenças crônicas como hipertensão (2,5 vezes mais frequente em obesos do que em indivíduos no peso ideal), diabetes tipo II (ter um perímetro abdominal acima dos 100cm aumenta em 3,5 vezes as chances de desenvolver diabetes), asma (55% mais de chances a cada número que aumenta no Índice de Massa Corpórea), apneia do sono (25% em pessoas com o peso normal e até 40-45% em pessoas acima do peso) entre outras complicações da saúde. Também não é incomum que indivíduos obesos tenham em seus hábitos de vida uma rotina sedentária, além da falta de uma alimentação balanceada. Tais fatores aumentam a predisposição para as doenças citadas acima e dificultam a perda de peso.
É ainda mais comum que a obesidade esteja aliada à uma baixa autoestima num indivíduo. Pegando como exemplo o caso das mulheres, onde há uma ênfase muito maior na cobrança da sociedade sobre seu peso. Mesmo que velada (mas nem sempre), esta exigência social se revela em diversos aspectos que refletem na autoestima:
– Distância do padrão de beleza frequentemente apresentado pela mídia em filmes, novelas, passarelas da moda, etc;
– Dificuldade em encontrar uma roupa no tamanho de seu manequim;
– Dificuldade de frequentar ambientes como praias, piscinas e lugares onde o corpo estará mais à mostra; entre outros.
A pressão da cultura é sabidamente uma forte influência sobre um indivíduo. Se desvencilhar de padrões culturais é, em alguns casos, altamente recomendado. Mas este é infelizmente um processo que demanda uma grande energia psíquica e uma luta diária que podem exigir um esforço indisponível para algumas pessoas. Mesmo que estes fatores estejam também ligados à autoaceitação em relação ao corpo, não é incomum que seja observado um aumento significativo dos níveis de autoestima em pacientes obesos após um processo de emagrecimento. Lembrando também que, uma vez em que há complicações de saúde em decorrência da obesidade, o emagrecimento deixa de ser um requisito estético e passa a ser uma exigência médica.
Emagrecimento
Uma reeducação alimentar aliada à prática de exercícios físicos, favorece (e muito) o processo de emagrecimento, seja ele qual for. Mas quando falamos de pacientes em que o índice de massa corpórea (IMC) está em níveis acima de 40 kg/m², a chamada obesidade grau III (mórbida) há fatores que ou retardam muito, ou até impedem que haja o emagrecimento desta maneira, considerada a ideal por muitos profissionais da área.
Nestes casos, os pacientes já apresentam enormes dificuldades de mobilidade, baixa disposição de encarar a rotina de exercícios – em função do medo de se expor como é (baixa autoestima) e dificuldades em respirar, causando um menor rendimento em exercícios aeróbicos; além da falta de motivação constante, uma vez que os resultados são lentos, e em geral não tão satisfatórios durante o período de motivação.
É por este motivo que juntando as questões de saúde física, mental (e podemos até arriscar dizer “social”), que houve um grande aumento do número das cirurgias bariátricas no Brasil nos últimos tempos.
Cirurgia Bariátrica
A cirurgia bariátrica, ou gastroplastia, consiste em uma drástica redução da capacidade de absorção de alimentos (sólidos e líquidos) por parte do estômago do paciente. Falamos aqui, literalmente, de uma plástica no estômago. A capacidade total do estômago é reduzida em cerca de 90% em alguns casos, o que obrigatoriamente faz com que o paciente não consiga ingerir a mesma quantidade, antes excessiva, de alimentos.
Não é raro que pacientes percam 20, 30, 40 e até 50 kilos no primeiro ano de cirurgia. E todo este processo é acompanhado por uma equipe multidisciplinar no pré e no pós-operatório. Gastroenterologistas, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos, educadores físicos, psiquiatras e, dependendo da necessidade, outros profissionais podem estar envolvidos com o paciente durante todo o período que antecede e sucede a cirurgia. Alguns exemplos de famosos que realizaram a cirurgia bariátrica:
Leandro Hassum
André Marques
Os resultados são sólidos e relativamente rápidos, como podemos ver. Mas a cirurgia envolve um conjunto de mudanças na vida do paciente, começando, é claro, pela alimentação. A princípio, a dieta do paciente será exclusivamente líquida, evoluindo lentamente a uma dieta pastosa que, em algum tempo, poderá se tornar uma dieta sólida. Apenas uma coisa não muda durante todo o processo pós cirúrgico: a quantidade será imensamente menor do que no período anterior à cirurgia. Entretanto, há algumas adversidades após o procedimento: o corpo poderá apresentar odores desagradáveis, em função da baixa quantidade de alimentos ingeridos; o paciente será mais sensível ao consumo de bebida alcoólica, ficando embriagado com quantidades mínimas da substância; e possivelmente haverá um excesso de pele em seu corpo, não sendo esteticamente agradável no início. Também poderá haver um estranhamento grande da imagem corporal, a transferência de compulsões alimentares para outros tipos de compulsão: como álcool, tabaco, drogas e jogos de azar. E até uma perda da antiga identidade, depressão, ansiedade e outras psicopatologias. E é aí que entra o papel do psicólogo dentro de tal equipe multidisciplinar.
O Papel do Psicólogo
Há cerca de treze anos, após a publicação da resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1776/2005, psicólogos e psicólogas passaram a integrar as equipes multiprofissionais, nas quais são responsáveis pela avaliação psicológica pré-operatória dos pacientes.
Um procedimento que, ao olhar do paciente e até de alguns médicos, é aparentemente orgânico, pode apresentar complicações ou o completo sucesso do processo em função do estado psicológico do paciente. Atualmente, recebo em consultório um paciente em pós-operatório e outro em pré (em avaliação). Seria hipocrisia de minha parte dizer que a autoestima do primeiro poderia ser comparável a do segundo. De maneira alguma omitiria tal dissonância. A questão é que em ambos carrego responsabilidades similarmente diferentes: garantir que a morte de seu antigo corpo não mate seus sonhos, sua saúde mental e até seu corpo atual; saber o quão preparado este está para aguentar a morte daquilo que o mata internamente todos os dias — seu corpo atual. Nosso corpo envolve grande parte de nossas fantasias, nossas realizações, nossas limitações e nosso prazer. Mas é a nossa mente que o envolve em tudo isso. São complementares, estarão unidos para sempre. E o psicólogo deve saber apresentar e trabalhar esta relação com o paciente, principalmente quando houver uma grande mudança em uma ou ambas as partes.
A Avaliação Psicológica no contexto da Cirurgia Bariátrica
Segundo o Conselho Federal de Psicologia, uma Avaliação Psicológica é:
[…] um processo técnico e
científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas
que, de acordo com cada área do conhecimento, requer
metodologias específicas. Ela é dinâmica, e se constitui
em fonte de informações de caráter explicativo sobre os
fenômenos psicológicos, com a finalidade de subsidiar
os trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo,
dentre eles, saúde, educação, trabalho e outros
setores em que ela se fizer necessária. Trata-se de um
estudo que requer um planejamento prévio e cuidadoso,
de acordo com a demanda e os fins aos quais a avaliação
se destina.
Mais adiante, o mesmo órgão ressalta a importância de considerar cada aspecto deste processo, uma vez que estes irão assegurar ou não a obtenção de um resultado satisfatório:
– Levantamento dos objetivos da avaliação e particularidades
do indivíduo ou grupo a ser avaliado. Tal processo
permite a escolha dos instrumentos/estratégias mais
adequados para a realização da avaliação psicológica;
– Coleta de informações pelos meios escolhidos
(entrevistas, dinâmicas, observações e testes projetivos
e/ou psicométricos, etc). É importante salientar que a integração
dessas informações devem ser suficientemente
amplas para dar conta dos objetivos pretendidos pelo processo
de avaliação. Não é recomendada a utilização de
uma só técnica ou um só instrumento para a avaliação;
– Integração das informações e desenvolvimento das
hipóteses iniciais. Diante destas, o psicólogo pode constatar
a necessidade de utilizar outros instrumentos/estratégias de
modo a refinar ou elaborar novas hipóteses;
– Indicação das respostas à situação que motivou
o processo de avaliação e comunicação cuidadosa
dos resultados, com atenção aos procedimentos éticos
implícitos e considerando as eventuais limitações da
avaliação. Nesse processo, os procedimentos variam de
acordo com o contexto e propósito da avaliação.
Dentro de uma Avaliação Psicológica no contexto pré-operatório de uma cirurgia bariátrica, deve-se considerar os aspectos bio-psico-sociais do paciente – uma análise completa do contexto em que este está inserido. Os objetivos principais são medir o quão saudável será sua adaptação a todo este processo que irá mudar sua vida, bem como o quão apto está este para tal.
Conforme dito anteriormente, não é incomum que estes pacientes desenvolvam depressão, alcoolismo, compulsão por jogos, compulsão por sexo, transtorno dismórfico corporal, ansiedade, entre outros. Portanto, deve-se, além de avaliar a presença de psicopatologias graves como esquizofrenia, depressão severa, transtornos alimentares/ de ansiedade severos, considerar a possibilidade que o paciente tem de apresentar outras psicopatologias após a cirurgia. Tais aspectos podem comprometer seu pós-operatório e, no pior dos casos, levar o paciente à morte – não raramente, por suicídio. Obviamente, o acompanhamento psicológico após o procedimento é mais do que necessário: é obrigatório.
Segundo o Conselho Regional de Psicologia do Paraná, é papel do psicólogo considerar os seguintes aspectos em uma avaliação psicológica dentro deste contexto:
2.1 Gerais
• Entendimento da obesidade como uma doença
epidêmica, crônica, dispendiosa, multifatorial
e com morbidades e mortalidade elevadas,
conforme a OMS;
• Percepção da intervenção cirúrgica como uma
das etapas do tratamento da obesidade;
• Conhecimento sobre os critérios de indicação
para a cirurgia: índice de massa corpórea,
co-morbidades, insucesso do paciente em
tratamentos anteriores, apoio familiar e avaliação
pré-operatória rigorosa;
• Existência de uma equipe interdisciplinar
conhecedora das especificidades próprias da
obesidade.
2.2 Específicos
• Levantamento da história clínica do paciente:
estilo de vida, hábitos, costumes, atividades,
relacionamentos, pensamentos, sentimentos e
comportamentos;
• Investigação sobre o início da obesidade, padrões
familiares, maneiras de lidar com a doença,
quantas e quais tentativas buscou para emagrecer,
prejuízos causados pela obesidade em sua vida,
casos de obesidade na família, auto-estima e
imagem corporal, estado de humor, qualidade
do sono, vida social e profissional, expectativas
quanto ao procedimento cirúrgico;
• Verificação quanto à presença de compulsões,
crises de ansiedade e fantasias acerca do
emagrecimento, relação com o alimento e
possibilidade de algum transtorno alimentar
(compulsão alimentar periódica, anorexia,
bulimia), níveis de stress, ansiedade e depressão
do paciente;
• Observação da capacidade de manutenção do
controle frente às situações de stress/tensão e de
aspectos psicossociais que possam comprometer
os resultados;
• Conhecimento de aspectos que podem inviabilizar
o procedimento, cirúrgico: transtornos
psicológicos mais graves como Transtorno Bipolar
ou Esquizofrenia, Depressão (sem que esteja
em tratamento), demais transtornos mentais e
dependência química;
• Considerações sobre a percepção social
diferenciada referente aos obesos de sexo
masculino e feminino (discriminação e exigência
social);
• Relação entre o comer e os fatores emocionais;
• Manutenção de conduta cautelosa e de
encaminhamento para tratamento anterior à
cirurgia quando necessário;
• Identificação de preditores de sucesso pósoperatório;
• Previsão e disponibilidade para realização de
monitoramento da adaptação pós-operatória;
• Possibilidades de implementação de mudanças
nos hábitos de vida permanentes: ajustes nos
padrões alimentares, prática de exercícios físicos
e demais necessários a cada caso;
• Importância de se considerar a possibilidade de
acompanhamento psicológico pré e/ou pós-operatório;
• Métodos e técnicas psicológicos mais utilizados:
Entrevista Psicológica ampla e detalhada,
Testes psicológicos como os de personalidade
e, eventualmente, de inteligência (em caso de
dúvidas sobre habilidade intelectual do paciente.).
Portanto, para concluir, a Avaliação Psicológica anterior à cirurgia bariátrica tem um papel fundamental para eleger ou não um paciente ao procedimento.
Ela considera a capacidade adaptativa e os elementos psíquicos que rondam este processo naquele momento. Nesta, é importante ressaltar que:
– É fundamental que haja uma equipe multidisciplinar envolvida no contexto pré-cirúrgico;
– O paciente não deve possuir transtornos psicopatológicos severos que não estejam em tratamento, uma vez que estes poderão complicar um período tão importante quanto a cirurgia: o pós-operatório;
– O paciente deve ter um alicerce familiar ou social para que obtenha auxílio no início e durante todo o processo, envolvendo tanto os primeiros cuidados como o apoio moral e psíquico que envolvem todo os processos de mudança;
– O paciente deve ter condições de realizar um acompanhamento psicológico de pelo menos dezoito meses após a cirurgia, uma vez que ainda existe a possibilidade de suas questões psíquicas interferirem no seu processo de recuperação, levando este ao vício, à depressão ou, em casos extremos, ao suicídio.
– O psicólogo deverá pautar seu trabalho em torno da ética e da técnica, uma vez que responderá pelos resultados de seu laudo durante os próximos anos.
Finalizo este texto, lembrando aos leitores que, para a busca da plenitude, é recomendado algo que está muito bem colocado em uma frase latina, já tão presente entre nós, mas eventualmente esquecida por muitos:
Mens sana in corpore sano.
(Todas as imagens contidas no texto foram retiradas da internet. Caso alguma delas te pertença e você a deseja removida do site, entre em contato conosco imediatamente).
6 comentários
Como e por que alguns sonhos podem ser tão reais e confusos ao mesmo tempo? Freud Explica! | Sociedade dos Psicólogos · 29 de março de 2018 às 23:15
[…] imenso, que eu ainda não sei que é a fome e o frio, acaba quando sinto o calor do corpo e a nutrição do leite oriundo do seio daquela pessoa, que eu ainda entendo como uma parte externa de mim”. […]
Onde mais pode trabalhar um psicólogo além da clínica e do RH? Outras Áreas de Atuação da Psicologia | Sociedade dos Psicólogos · 1 de junho de 2018 às 16:52
[…] hospitalar não se limita apenas aos pacientes. Além do acompanhamento psicológico destes e das avaliações psicológicas, há também grupos terapêuticos com os familiares, que em alguns casos até adoecem junto ao […]
Como é a Avaliação Psicológica para Posse/Porte de Armas no Brasil? | Sociedade dos Psicólogos · 28 de janeiro de 2019 às 23:04
[…] Avaliação Psicológica para uma Cirurgia Bariátrica pode, assim como uma Avaliação Psicológica para Registro e/ou Posse de Arma de Fogo, oferecer […]
Como é a Avaliação Psicológica para Posse/Porte de Armas no Brasil? – IAPI · 10 de setembro de 2019 às 18:21
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É possível conversar e aprender racionalmente durante o Sonho? Sonhos Lúcidos e a Interação com o Mundo Externo. | Sociedade dos Psicólogos · 12 de agosto de 2021 às 15:40
[…] o corpo se revigora. É onde ocorre a reconstrução de fibras musculares rompidas em um treino de musculação, por exemplo. A sensação de que uma noite de sono foi “mal-dormida” está amplamente […]
Como é a primeira consulta com um psicólogo? | Sociedade dos Psicólogos · 22 de outubro de 2021 às 16:47
[…] Qual a importância da Avaliação Psicológica antes da Cirurgia Bariátrica? […]