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O artigo de hoje começa com o Símbolo da Campanha Setembro Amarelo, uma vez que hoje, 10 de setembro é O Dia Internacional de Prevenção ao Suicídio. E nós como profissionais da área, nos sentimos no dever de falar sobre assunto. E talvez alguns estranhem o título deste artigo e possam até considerá-lo sensacionalista. Mas ele de fato não é, pois é a partir dele que tentaremos encontrar sentido em três argumentos frequentemente presentes quando falamos sobre suicídio. O artigo terá como objetivo desmistificar o que for possível, tentando entender se há veracidade naquilo proposto pelo senso comum que, infelizmente, intensifica o tabu que é falar sobre o assunto.

Para quem não conhece, Setembro Amarelo trata-se de uma campanha de prevenção ao Suicídio. Apesar de ser incentivada pelos Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), sua iniciativa é do CVV – Centro de Valorização da Vida, o canal de comunicação que funciona 24 horas por dia por telefone, chat, pessoalmente ou email. Para entrar em contato, basta discar 188 de qualquer telefone e localidade do Brasil ou acessa o site https://www.cvv.org.br. Lá pode-se falar sobre o assunto sem julgamentos, censuras ou clichês populares. Voluntários dedicados e treinados se preparam para dar todo o acolhimento necessário para que caso você realmente considere esta hipótese, tenha apenas a oportunidade de pensar e falar mais uma vez sobre o assunto, ou quantas quiser. Com todo o respeito e dignidade.

A Sociedade dos Psicólogos também conta com uma equipe pronta a oferecer atendimento psicológico para quem necessitar. Entre em contato através deste link.

A Morte

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Em seu excelente artigo (clique aqui para visualizar) publicado neste mesmo blog, o psicólogo Igor Banin fala sobre os assuntos e mudanças que cercam a morte.

Em seu texto, o autor descreve muito bem os estágios do Luto propostos por Elizabeth Kübler-Ross. Mas ele fala sobre muito mais do que isso. Apenas isolando este assunto, também gravei um vídeo ao Canal da Sociedade dos Psicólogos no youtube. Confira o vídeo a seguir:

E por que falamos sobre a morte e sobre o luto neste texto? Exatamente porque queremos evitá-los. E um bom começo é falar sobre o assunto.

Complementarei dizendo: naquilo que é inenarrável, naquele assunto em que as palavras se esvanecem; sobre aquele verbo que frequentemente precisamos trocar pelo outro(falecer), que parece ser menos impactante, há um abismo de silêncio. E se o silêncio que acompanha o verbo Morrer é ensurdecedor, aquele que guia o suicídio, o mais temido dos nossos substantivos, parece estar nos deixando cegos à importância que é falar sobre o assunto.

O que “Atrai” é Exatamente Não Falar

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Em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma cartilha (acesse, em inglês aqui) sobre como a comunidade deveria agir para prevenir o suicídio. O material é de imensa qualidade que merece um texto exclusivo sobre o assunto. Entretanto, o que mais chama a atenção são alguns dados contidos ali, retirados de um Relatório Divulgado pela mesma em 2014.

Segundo a OMS, por volta de 804.000 pessoas cometem suicídio todos os anos no mundo. É como se, para cada 100.000 habitantes, 11 se matassem. Os dados ficam mais assustadores ainda quando observados em uma menor unidade de tempo: algo entre 2 e 3 mil pessoas tiram a própria vida todos os dias; em outras palavras, uma pessoa tira a própria vida a cada quarenta segundos. Ainda segundo a agência, o suicídio se tornou a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade (OMS, 2014). O ato se torna a causa responsável por 50% das mortes violentas entre homens e 71% entre as mulheres. Ainda assim, segundo o órgão, homens cometem mais suicídio do que mulheres e, nos países ricos, pode-se observar que o número de mortes masculinas é até três vezes maior. Mas mais ainda: observa-se que em 75% dos casos no mundo, as pessoas tiram a própria vida em países de baixa ou média renda.

A agência insiste em enfatizar que os números podem ser ainda maiores, pois ainda há casos em que não se consegue identificar se a causa da morte foi suicídio ou não, por conta do estigma em falar sobre o assunto, da criminalização em alguns países e até por conta de fracos sistemas de vigilância.

Posso arriscar dizer que uma das frases que marcam o estigma sobre o assunto no Brasil é uma que já ouvi algumas vezes pessoalmente, neste e em outros assuntos: “Não fique falando sobre isso que você atrai”. Entretanto, se isolarmos os casos de suicídio no Brasil aos jovens entre 15 e 29 anos, poderemos observar que de 1980 até 2014 saltamos de 4,1 casos para cada 100 mil habitantes para 5,6 casos. Que os leitores de exatas me corrijam se minha conta estiver errada: mas é um aumento de 27% em 34 anos. Entretanto, apenas entre 2002 e 2014 o aumento foi de praticamente 10%, passando de 5,1 para 5,6 casos. Só podemos dizer que as estatísticas vão novamente contra o senso comum: parece que atraímos mais casos de suicídio quando não falamos sobre o assunto. É como se fosse uma crescente e invisível causa de morte.

“Isso é Falta de Religião”

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Talvez uma das formas de comunidades religiosas evitarem o assunto foi torná-lo passível da maior punição oferecida pelo cristianismo: não herdar o paraíso prometido aos fiéis. Apesar de, segundo a conclusão de um estudo que pode ser encontrado aqui, haver um menor índice de tentativas de suicídio em pacientes depressivos quando há alguma filiação religiosa, o Brasil é um país com uma população composta por cerca de 90% de pessoas praticantes de alguma religião, sendo 86,6% de cristãos. Apenas 8% da população se declara não possuir alguma religião, segundo o IBGE (2010). Mas ainda assim, segundo o criador do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, o suicídio cresceu muito no conjunto da população brasileira. Se nos jovens entre 15 e 29 anos o aumento foi de 27%, no geral a taxa aumentou 60% desde 1980.

Se o suicídio fosse de fato falta de religião, como ele poderia aumentar tanto em um país onde a população religiosa é representada em mais de 90% do total?
Mais ainda: se este argumento fosse verdadeiro, como poderíamos encontrar notícias com o suicídio de pastores e líderes religiosos como esta daqui?

De acordo com o Schaeffer Institute (texto original aqui), a própria profissão de ser um líder religioso, acabou se tornando fonte de altíssimos níveis de estresse e depressão. E a própria OMS já relatava, em seu relatório de 2014 que estas fazem parte do rol de psicopatologias que compõem alguns dos principais fatores que motivam o suicídio. E é importante lembrar que, além das psicopatologias, fatores a dependência química, bullying, traumas vividos em guerras, violência física e psicológica, abuso sexual, alcoolismo e problemas socioeconômicos também estão associados aos casos.

Portanto, é bem improvável que suicídio seja apenas falta de religião. E ainda não descobrimos um motivo plausível para que não falemos sobre o assunto. Vamos ao próximo.

“São Pessoas Egoístas, que Não Pensam na Família”

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Infelizmente, o próprio estigma ao assunto estimula esta última falácia. Eu, pessoalmente, considero este o mais repugnante argumento do senso comum. E vou explicar o porquê.

Existe uma informação muito importante sobre a depressão. Ela é mais difundida dentro da comunidade de Saúde Mental, mas é importante que seja levada para o lado externo também. E a informação é o seguinte: é bem possível que um paciente depressivo tente suicídio exatamente durante uma melhora de seu quadro. E a razão para isso pode ser exatamente o nível de incapacitação que a doença causa, o nível de sofrimento físico, psíquico e social que é vivenciado pelo paciente depressivo. Os suicídios geralmente ocorrem por conta do medo que alguns pacientes têm de voltar àquele estado vivido durante o último episódio. Há estudos que indicam alterações neurológicas severas durante o episódio depressivo em áreas ligadas à mobilidade, humor e motivação. E a depressão é sim, a maior causa de casos de suicídio.

E por que isso tudo foi dito? Porque este dito popular aqui em cima citado é irresponsável. Ele dá a entender que apenas pensar no bem-estar familiar é algo suficiente contra fortíssimas alterações no funcionamento psíquico e biológico de alguém, logrando uma parcela de estigma e culpa que pode até piorar alguns quadros onde já a própria ideação suicida. O sujeito que sofre, na minha opinião, deve pensar apenas no sujeito que é, até que melhore. E não deve, nunca, ser julgado por isso.

A família deve sempre dar apoio à pessoa que pensa em suicídio e não o contrário. Infelizmente a realidade não condiz com a nossa expectativa, por isso, caso você que lê este post já pensou e/ou está pensando sobre o assunto, recomendamos imediatamente discar o número 188 de qualquer telefone do Brasil.

Mais do que isso, procure um profissional. Você poderá procurar um dos profissionais da Sociedade dos Psicólogos ou não. Estamos de prontidão a inciar atendimento ou dar as melhores indicações se sentirmos necessário. Entretanto, nosso incentivo é que se procure ajuda.

BUSQUE AJUDA: FALE.

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Em meu outro texto, enumero os motivos que devem motivar a procura de um psicólogo. Mas aqui, deixo um recado com teor mais pessoal a quem se veja em uma situação do tipo: fale. Fale sobre o assunto. Fale com um profissional. Pois acabamos de mostrar neste texto que não há nenhum motivo válido para não falar sobre. Muito pelo contrário.

Nós, psicólogos, psiquiatras e outros profissionais da saúde mental, não sabemos ainda pelo o que você está passando, mas queremos saber. Nós queremos entender. Mas algo nos já de conhecimento: sua história é única e sua dor é legítima. Você tem o direito de se sentir assim e não precisa haver vergonha ou medo de falar sobre o assunto. Não estamos aqui para determinar se seus pensamentos ou vontades são certos ou errados, mas talvez haja a possibilidade de ajudarmos você organizá-los de uma maneira mais leve, menos sofrida e que permita outras saídas que, sabemos, são difíceis de serem vistas agora por conta própria.

Você aguentou tudo isso até agora, sabemos. E pedimos que aguente mais um pouco, mas agora com a ajuda profissional de quem estará prontamente disposto a te escutar, acolher e incentivar um caminho que possa, ao mesmo tempo, ser menos doloroso e preservar a sua vida. E sim, sua vida é muito importante. Se valeu a pena no passado, pode valer de novo. Busque ajuda, estamos com você, torcemos pela sua vitória em vida. Conte conosco.

É provável que você consiga diminuir este sofrimento de outra forma. É possível que as coisas ainda melhorem. Acredite, busque ajuda.

Por Caio Cesar Rodrigues.

Contatos importantes

Centro de Valorização da Vida
Telefone: 188
Site: https://www.cvv.org.br/
E-mail
Para verificar endereços, clique aqui e veja quais os pontos mais próximos da sua região.

Sociedade dos Psicólogos
WhatsApp: (11) 9.6263-0400
Envie seu e-mail para: sociedadedospsicologos@gmail.com
Ou preencha o formulário neste link.

Referências:

Preventing suicide: A community engagement toolkit – World Health Organization (2014)
http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/252071/WHO-MSD-MER-16.6-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Crescimento constante: taxa de suicídio entre jovens sobe 10% desde 2002 – BBC Brasil a partir do Mapa da Violência de 2017
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39672513

Publicação da Organização das Nações Unidas no Dia Internacional de Combate ao Suicídio (2018)
https://nacoesunidas.org/unicef-metade-dos-adolescentes-no-mundo-sao-vitimas-de-violencia-na-escola/

American Journal of Psychiatry – Religious Affiliation and Suicide Attempt (Kanita Dervic, M.D., Maria A. Oquendo, M.D., Michael F. Grunebaum, M.D., Steve Ellis, Ph.D., Ainsley K. Burke, Ph.D., and J. John Mann, M.D) 2004.
https://ajp.psychiatryonline.org/doi/abs/10.1176/appi.ajp.161.12.2303


8 comentários

O FACS e as Faces da Depressão: é possível codificar o suicídio? | CICEM - Centro de Investigação do Comportamento das Emoções · 16 de outubro de 2018 às 13:34

[…] F32 e F33 no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças). A depressão é um quadro clínico comumente associado ao comportamento de suicídio, todavia, é importante dizer que segundo Richards & O’Hara (2014) entre 2% e 7% dos […]

Depressão não é Tristeza: Conceitos, Sintomas, Tratamentos e Diferenças | Sociedade dos Psicólogos · 17 de julho de 2019 às 12:59

[…] negativos e, quando pior ainda: naquele nada que não se pode ou se sabe nomear. Principal causa do suicídio, que por sua vez se tornou a segunda maior causa da morte entre os jovens, se fosse alguma doença […]

Diferenças entre Medo, Fobia e Ansiedade. | Sociedade dos Psicólogos · 25 de agosto de 2019 às 17:19

[…] medo dos ataques; pedem demissão, terminam relacionamentos e, em casos mais graves até cometem suicídio em função da insuportabilidade de seu […]

Depressão: Conceitos, Sintomas, Mitos e Tratamentos | Sociedade dos Psicólogos – RG Psicologia · 9 de setembro de 2019 às 19:41

[…] em mulheres, falamos de algo que, na pior das hipóteses, pode levar quem sofra deste mal ao suicídio – a segunda maior causa de morte de pessoas entre os jovens na faixa etária dos 15 aos 29 anos […]

Como é a Avaliação Psicológica para Posse/Porte de Armas no Brasil? – IAPI · 10 de setembro de 2019 às 18:20

[…] cometer um suicídio; […]

Setembro Amarelo: Enquanto há vida há esperança. | Sociedade dos Psicólogos · 25 de setembro de 2019 às 05:57

[…] meu colega Caio Cesar Rodrigues de Araújo parceiro deste site vez isto brilhantemente no texto Por Que Não Devemos Falar sobre Suicídio?) ou fazer uma sopa de letrinhas com palavras rebuscadas, vou aproveitar este espaço para fazer a […]

Como é a primeira consulta com um psicólogo? | Sociedade dos Psicólogos · 22 de outubro de 2021 às 16:47

[…] Por Que Não Devemos Falar sobre Suicídio? […]

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