Continuo hoje meus escritos sobre aportes psicológicos encontrados no período da antiguidade. Isto é, em 2022, publiquei, nesse mesmo blog o texto “psicologia na antiguidade: as primeiras compreensões da pessoa”, onde sinalizei, em seu final, que muito ainda havia para ser dito.

Considerei duas escolas que apontam para compreensões acerca da felicidade humana e das possibilidades de se construir uma vida feliz, satisfatória ou prazerosa: o epicurismo e o estoicismo. Vale dizer que esses termos (vida feliz, satisfatória, prazerosa), bem como as ideias de virtudes que eles exploraram, vão ressurgir em estudos contemporâneos, geralmente, associados ao movimento da psicologia positiva. Elegi, para o texto de hoje, o estoicismo, do qual tenho maiores leituras acumuladas e também maior identificação do que quando comparo com a escola que carrega o nome de Epicuro.

Embora a escola estoica tenha começado em Atenas cerca de 300 anos antes do nascimento de Séneca, os textos dos estoicos gregos estão praticamente perdidos. Sobrevivem apenas em breves citações ou fragmentos. Isto faz de Séneca o primeiro grande escritor estoico cujas obras filosóficas chegaram até nós praticamente completas.

(Fideler, 2022, p.17)

A Filosofia Estoica

A chama filosofia estoica ou escola estoica teve suas origens na Grécia, mas acabou ganhando maior difusão no período helenístico, onde, em Roma, encontramos os 3 nomes que vou abordar hoje: Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio.

Mas antes disso, remontando às origens do movimento, é necessário citar o nome de Zenão de Cítio (a.C 333-263 a.C.). Natural de Cítio (atual cidade de Lárnaca no Chipre) este era um comerciante que perdeu tudo em um naufrágio e acabou chegando em Atenas, onde estudou filosofia e fundou a doutrina estoica.

Ninguém sabe as causas do naufrágio. Foi uma tempestade? Piratas? Erro humano? Faz diferença? Zenão perdeu tudo — navio e carga — numa época em que não havia seguros nem capital de risco. Era uma fortuna irrecuperável. Ainda assim, o mercador desafortunado mais tarde exultaria a própria perda ao afirmar: “Tive uma viagem próspera quando o naufrágio ocorreu.” Pois foi o naufrágio que levou Zenão a Atenas, a caminho da criação do que se tornaria a filosofia estoica.

(Hanselman, 2020, p. 24).

Para os efeitos didáticos e históricos, vale dizer que há quem afirme que Zenão já se encontrava na pólis de Atenas quando ficou sabendo da perda de sua carga. Há quem diga também que esse tenha sido enviado por seus pais durante a guerra que destruiu sua cidade natal. Impossível saber, nesse momento, o que realmente passou. Mas como diz Hanselman (2020) “faz diferença?“. Agora abro espaço para a bobeira que me ocorre: eu não sei vocês, mas toda vez que esbarro nesse nome ‘Zenão’, eu imagino um quarto zagueiro clássico, daqueles bem brutos, grandes e com barba cheia, o famoso pitbull da zaga; podia ser um volantão também. Isso seria só coisa minha?? Uma vez que a bobagem foi exposta, vamos seguir com o conteúdo sério.

De acordo com artigo de Santos (2019), Zenão escreveu cerca de 19 obras, mas nenhuma delas sobreviveu a ação do tempo e, dessa forma, seus principais questionamentos e propostas nos chegaram por doxografia. De uma forma resumida, até para conseguirmos chegar nos autores cujas obras nos são conhecidas, os estoicos circundavam sob a pergunta “o que é necessário para viver a melhor vida possível?” (Fideler, 2022).

Zenão então teria proposto que o homem deve viver de acordo com a natureza, o que compreende a excelência das suas ações. Dessa forma, a ação virtuosa (areté) só poderia ser alcançada mediante uma adequação da conduta à natureza. O filósofo de Cítio teria dito que os “impulsos primários” são o fim dos animais, mas que o ser humano possui a razão como princípio diretivo de suas ações. A razão aqui é compreendida como o elemento de gerenciamento dos impulsos e daquela entrega irresponsável aos prazeres. A virtude envolve um gerenciamento da razão sobre a conduta humana.

Zenão propôs que a ordenação do universo se devia a um lógos ordenador, e que ao ser humano, por ser aquele que compartilha desse lógos, caberia agir sempre em conformidade com essa Natureza universal.

(Santos, 2019, p. 118)

Me parece que essa compreensão de ação virtuosa explanada por Zenão foi retomada muito tempo depois em Montaigne (1533-1592), ao longo de um texto que aprecio bastante intitulado “da crueldade” e contido em seu Ensaios II: “Quem, por doçura e inclinação natural, esquece as ofensas recebidas, comete uma bela ação, digna de louvores; mas quem, profundamente ferido e irritado, luta contra um terrível desejo de vingança e pela razão consegue dominar-se, faz melhor sem dúvida. Aquele age certo; este virtuosamente. O ato do primeiro é de bondade, o do segundo de virtude.” (Montaigne, 1987, p. 198).

Uma Filosofia Prática

Eu confesso que havia planejado um outro tipo de texto até aqui, contendo uma ligeira nota sobre Zenão e um foco no desenrolar do estoicismo a partir de Sêneca, para poder entrar em ideias como “existe coisas que estão no nosso controle e coisas que não estão”, além de explicar termos latinos recorrentes nessa corrente como “amor fati“, “memento mori“, “apatheia” e “eudamonia“. Mas a escrita e a pesquisa acabaram me direcionando para um outro lado, com uma introdução à Zenão bem maior do que eu havia, inicialmente, previsto. Dessa forma, para não alongar em demasia esse texto, prometo voltar com um texto próprio para abordar esses e outros termos. Mas, para já, antes de seguir com os 3 autores que vou apresentar, vale dizer que o estoicismo, diferente de outras correntes pré-socráticas e socráticas, é considerada uma filosofia prática, uma vez que aponta, diretamente, caminhos e condutas para tornar a vida do homem mais satisfatória.

Os 3 autores abaixo fazem parte da chamada “tríade de ouro” do estoicismo, como nos lembra Lucia Helena Galvão Maya, no prefácio da edição que eu tenho do Meditações (Aurélio, 2021). Isto é: “Sêneca, o estadista e escritor, Epiteto, o escravo, e Marco Aurélio, o imperador“. Vou apresentá-los nessa sequência, a sequência na qual eu entrei em contato com suas obras, destacando 3 livros e referenciando as edições/traduções que eu li.

Sêneca

A Brevidade da Vida” ou, a depender da tradução “Sobre a Brevidade da Vida“, foi o primeiro livro estoico que eu li. Eu comecei a ler esse livro após 15 dias internado. O livro estava há tempos na minha estante, mas parece que eu precisei de um diagnóstico de broncopneumonia, 2 noites de sepse e 1 intervenção cirúrgica (descorticação pulmonar por videotorascospia). Eu só estou vivo e escrevendo esse texto porque, na 2ª noite de sepse, uma médica plantonista apareceu, pediu outros exames e decidiu encaminhar meu caso para a equipe torácica. Isso foi no 7º dia de internação, em novembro de 2021. Obrigado, Drª Jéssica Monteiro Vasconcellos (CRM DF 23569)! Eu não sei o que ela viu, mas ela viu o que ninguém mais tinha conseguido ver. Talvez falhas e negligências da equipe anterior… No dia seguinte eu estava com a brilhante equipe torácica e fui operado. Me disseram que eu deveria ter sido operado no 1º dia. Eu nunca pude agradecer a Drª Jéssica, então faço pública esta minha tentativa de agradecê-la e fazer reverberar, com meus saudáveis pulmões, o seu nome.

Mas voltando ao Sêneca, ele foi educador e conselheiro do imperador Nero (que, diga-se de passagem, não colocou fogo em Roma). Eu recordo que era por volta da hora do almoço quando eu tive alta e, já em casa, puxei esse livro. Desci para o solário do prédio do meu pai e comecei a ler. Não é um livro grande, acho que dá pra ler em “uma sentada”, mas eu li em uns 3 dias. Aquilo fez tanto sentido. A vida estava por um fio, sempre está! Então o que fazer com o tempo que nos é dado? “Morrer muda tudo“, como diria o ficcional Dr. House, mas também “quase morrer” muda muita coisa, como nos lembrou, e bem, o sócio-fundador da Sociedade, Igor Banin, esse não ficcional. O leitor que me perdoe pelas excessivas deflexões ao tentar falar de Sêneca, mas acontece que o começo da minha jornada pessoal estoica está enraizada neste período onde a minha vida poderia ter sido muito mais breve.

Lendo Sêneca, comecei a entrar em contato com a porção de vida que realmente é vivida, ao lado do paralelo mero tempo de vida que gastamos no piloto automático, na busca de prazeres efêmeros, no empenho em atividades fúteis, na crença de uma felicidade a posteriori e na ilusão da conquista de algo que vai nos deixar felizes ou completos. “Não digas que fulano viveu muito porque tem cabelos brancos e rugas. Ele não viveu muito. Apenas durou bastante” (Sêneca, 2007, p. 40). Lembro-me dele discorrer sobre a aposentadoria e, finalmente, o tempo do descanso, do prazer e do aproveitamento da vida – aquele “prêmio” depois de uma vida de dedicação a algo externo a você. Mas quando você chega lá e se aposenta, você tem os mesmos sonhos? As mesmas vontades? A mesma vitalidade para viajar e desbravar o mundo, que tanto te inspiravam e motivavam quando mais jovem? Valeu a pena abrir mão do seu tempo? Sêneca também nos lembra que o homem briga quando invadem ou roubam suas terras e propriedades, mas parece que ninguém se importa quando somos convidados ou quando nos roubam o nosso tempo. Ele conclui lembrando que esses mesmos homens, quando no leito de morte “abraçam os joelhos dos médicos. Se temem a pena capital, mostram-se dispostos a doar todos os seus bens em troca da prorrogação de sua própria existência” (Sêneca, 2007, p. 41).

Se eu quisesse distribuir o presente tema em parágrafos com suas respectivas provas, muitos seriam os argumentos para evidenciar que os indivíduos atarefados têm uma vida muito breve. […] A vida divide-se em três etapas: o que se foi, o que está, aí; e o que será. Dessas três a que vivemos é a mais breve. A vindoura é duvidosa. A vivida é certa, mas irrevogável. Contra essa última a fortuna perdeu todos os seus direitos, já que não consegue que seu arbítrio possa recuperá-la.

(Sêneca, 2007, p. 45)
Alegoria da Prudência, meados de 1560, por Ticiano. A pintura representa as três idades do homem: juventude, maturidade e velhice. Abaixo de suas cabeças são representados, respectivamente, um lobo, um leão e um cão, simbolizando o passado, o presente e o futuro. Acima do quadro há uma inscrição, cujo significado é: “do (da experiência do) passado, o presente age prudentemente para não estragar a ação futura”. Explicação colhida de: TÓPICOS EM HISTÓRIA DA ARTE – escritos e leituras sobre arte e artistas (ufrgs.br)

Ao longo da obra, Sêneca puxa muitas sardinhas para o lado do estudo da filosofia como uma atividade ociosa autêntica. Ele cita Zenão, Pitágoras, Demócrito, Aristóteles…

Nenhum desses te obrigará a morrer, mas todos te ensinarão como se morre. Nenhum deles fará com que percas teus anos. Antes, cada um deles faz para ti o empréstimo dos próprios. Nenhum deles manterá contigo conversa perigosa nem te oferecerá amizade mortífera nem cobiçará caro pelo respeito devido a eles.

(Sêneca, 2007, p. 61)

Creio que agora faça mais sentido o meu preâmbulo falando sobre a morte e os médicos. Eu falo porque estou vivo. A expressão “memento mori” é compreendida como: lembre-se que você vai morrer ou lembre-se que você é mortal, e costuma acompanhar a doutrina estoica.

Epicteto

Esse eu li um tempão depois. Talvez seja o meu favorito dos 3, embora eu goste bastante da ideia e de diversas passagens que estão no livro do Marco Aurélio. Aqui é um outro livro minúsculo. Você lê em uma ou duas sentadas. Provavelmente o que eu mais fiz anotações e grifos, uma vez que ele retoma Sêneca, apresenta boas propostas (ao meu ver) e contém um belo prefácio da Lúcia Helena Galvão.

Ele já começa com uma mensagem, para mim, muito forte e muito pertinente: “Existem coisas que estão em nosso poder e outras que estão além do que podemos. Em nosso poder está a opinião, o objetivo, o desejo, a aversão; em uma palavra, tudo o que esteja relacionado a nós mesmos. Além de nosso poder está o corpo, a propriedade, a reputação, o cargo, enfim, tudo o que não é propriamente nosso” (Epiteto, 2021, p.13).

Ele nos provoca a compreender o que é, de fato, nosso e pode estar no nosso controle: nossos pensamentos, nossas emoções e nosso comportamento. Quase todo o resto é externo e foge ao nosso controle: as reações dos outros, as minhas titulações, as minhas posses, a beleza dos dentes do meu cavalo. Digo cavalo, pois esse é um exemplo que ele mesmo emprega: “Não se exalte com nenhuma excelência que não seja sua. Se um cavalo ficar envaidecido e disser: ‘Eu sou bonito’, isso pode ser suportável. Mas quando você se envaidece e diz: ‘Eu tenho um belo cavalo’, saiba que você se envaidece pelo mérito do cavalo.” (Epiteto, 2022, p. 16). O mesmo se aplica a qualquer tipo de posse: a minha casa, a minha doença, o meu cabelo, a minha aparência, o meu relacionamento, o meu status, o meu corpo… tudo isso foge ao meu controle, não é exatamente meu, é externo a mim. Epicteto é enfático ao deixar no nosso domínio os pensamentos, emoções e o controle do nosso comportamento – são as únicas coisas que podemos dizer que são, realmente, nossas – resto é posse, é externo e é efêmero.

Como escreveu o filósofo Epicteto, o estoico não deveria ser «insensível como uma estátua». Em alternativa, os estoicos desenvolveram uma «terapia das paixões», para ajudar a prevenir emoções extremas, violentas e negativas que podem dominar a personalidade, como a ira, o medo e a ansiedade. Em vez da repressão destas emoções negativas, o seu objetivo era transformá‑las através da compreensão.

Fideler, 2022, pp. 18-19

Epicteto foi um ex-escravo liberto que tornou-se manco pois foi vítima de uma fratura em sua perna que foi feita por aquele que quis humilhar seu “orgulho de filósofo” e lembrá-lo de sua “condição” (Epiteto, 2022, p. 9 – prefácio de Lúcia Helena Galvão). Corpo esse, externo a si, fora de seu real controle. Um exemplo real e prático que me parece didático o suficiente para ilustrar o corpo, a mazela, a aparência, o estigma, como algo que não é nosso – mas que as pessoas tendem a achar que são.

O filósofo manco também nos provoca ao lembrar que “Os homens não se abalam com as coisas, mas com a percepção que têm das coisas.” (Epiteto, 2022, p.16). Frase essa que guarda inúmeras interfaces para com a psicologia, a psicanálise e a neurociência. Quando eu dou aulas sobre a psicologia das emoções, costumo falar do aspecto emocional que nos une enquanto espécie e também daquele que nos separa enquanto sujeitos, isso é, o mesmo fenômeno é interpretado e causa afetos distintos em pessoas diferentes. Um mesmo estímulo que visa, didaticamente, eliciar alegria em uma turma de pós-gradução, já foi capaz de eliciar tristeza em uma pessoa da minha turma e isso teve a ver com a história de vida dela e com as associações que ela fez ao ver aquele estímulo. O fenômeno – aquilo que emerge e é aparente – foi o mesmo, mas a resposta emocional e afetiva foi particular. Em outro estímulo que também visava eliciar a alegria, pude entrar em contato com diversas manifestações de emoções positivas, mas também com o tédio e o desinteresse. A filosofia Zen vai nos lembrar que as coisas não são nem boas nem más, elas são o que são e não devem ser compreendidas como boas ou más, mas sim que a neve deve ser compreendida como branca e o corvo compreendido como preto, simples assim (D. T. Suzuki, 2019). “Todo evento é indiferente e nada é para você.” (Epiteto, 2022, p. 31).

Parênteses para uma vivência do agora: nesse exato momento, enquanto escrevo, obtive uma resposta da Drª Jéssica. Eu escrevi para ela há pouco, visando, finalmente, agradecer sua atitude e me certificar de que eu estava referenciando a pessoa certa. Ela mesma! Hoje está no setor oncológico. Fico extremamente contente que ela saiba da minha gratidão pelo seu trabalho e que eu atribuo a continuidade da minha vida ao aparecimento dela. Na noite anterior, após dias de sofrimento, o meu quadro não melhorava (embora a equipe anterior continuasse otimista e dissesse que tudo estava bem), na primeira noite de sepse eu quase morri, eu chorei e orei para Nossa Senhora Aparecida por um prognóstico. No dia seguinte, durante a segunda crise, esse anjo apareceu, tudo mudou, e eu fui curado.

Mas voltando ao Epicteto, gosto muito da ideia que ele apresenta de que o prazer de hoje não deve prejudicar o prazer de amanhã. Isto é: não se entregue aos luxos e caprichos exacerbados, pois você não conseguirá mais desfrutar daquilo que outrora desfrutava com prazer e autenticidade. Quando em aula, costumo exemplificar essa ideia com a alegoria de uma pessoa que passou boa parte dos seus cafés da manhã comendo um pãozinho com manteiga e presunto e sempre adorou o sabor e a experiência dessa refeição, mas que, de repente, entrou em contato com um sanduiche de peito de peru, comeu por uma semana ou mais e, então, nunca mais conseguiu apreciar um pão com manteiga e presunto, passando, então, a nutrir aversão, desprezo ou desinteresse por algo que lhe satisfazia tanto até então. Além de ficar fantasiando com o sabor do, distante, peito de peru enquanto comia o pãozinho com presunto. Isso me lembra aquela tendência de que quanto mais as pessoas ganham, mais elas gastam. E daí compram aquelas mansões brancas cheias de espaços vazios. Suponho que sejam para comportar suas angústias acumuladas e a quantidade de coisas que não conseguem mais desfrutar. Como comentário pessoal, eu lembro que, quando eu era bem mais jovem, eu frequentava diversos eventos públicos de São Paulo, eu ia no aniversário da cidade, nas maravilhosas edições da Virada Cultural (2008-2012, depois ficou perigoso e uma porcaria), entre outros eventos. Eu comia milho da barraquinha e tomava “vinho” em garrafa de plástico. O milho eu até encaro hoje, mas depois de conhecer a uva merlot, eu não tenho como ingerir aquela porcaria novamente. Na época eu não tinha problema nenhum com aquela porcaria.

A felicidade estoica volta a me lembrar o Zen-Budismo: não é nem ausência, nem excesso, mas sim o “caminho do meio”, com moderação.

Lembre-se de que você deve se comportar como num banquete. Se alguma coisa é trazida para você, estenda a mão e sirva-se moderadamente. Passou por você? Não interrompa. Ainda não chegou? Espere. Não anseie por isso, mas espere que chegue até você.

(Epiteto, 2022, p. 20)

Marco Aurélio

Gente, chega né? Eu tô cansado de escrever. Vocês não estão cansados de ler?? Será que alguém chegou até essa parte do texto? Se sim, aposto que pouca gente.

Enfim, o livro Meditações do imperador Marco Aurélio foi o último que eu li até então sobre estoicismo. Confesso que eu comecei achando que não ia rolar. O primeiro capítulo ou Livro 1 quase me fez desistir, pois ele só fica fazendo agradecimentos a uma série de gente que eu nunca ouvi falar e não tenho referência ou não me identifico. Mas passado isso, o livro é brilhante!!!

É uma espécie de diário, embora não haja datas ou fatos corriqueiros do seu dia-a-dia, mas um diário de referências, de algo para se apoiar, para entrar em contato e tentar ser uma pessoa melhor; para te lembrar que você pode ser uma pessoa melhor para você e para aqueles que estão ao seu redor. Eu consigo imaginar o imperador, em momentos de dúvida, de angústia, de desamparo, lendo as suas “meditações” e voltando seu foco para os mestres estoicos enquanto se tornava um deles.

Passada a chastise do Livro 1, ele já nos lembra que nunca nos prometeram um jardim de rosas: “Comece a manhã dizendo para si mesmo: encontrarei com um indiscreto, com um ingrato, com um insolente, com um mentiroso, com um invejoso, com um indissociável“. (Aurélio, 2022, p. 23).

Ao longo da obra ele retoma a força do autoconhecimento como aquilo que vale a pena priorizar no lugar do conhecimento ou da especulação sobre o que se passa com o outro. “Desconhecer o que se passa na mente do alheia não torna um homem infeliz. A infelicidade está em não saber o que se passa na sua própria alma“. (Aurélio, 2021, p. 25). Bem como enfatiza, em diversos momentos, a ideia do guia interior (daemon) e de uma vida com princípios e propósitos apoiados em sua natureza, afastando-se dos acidentes externos e buscando as providências divinas.

Ele flerta com os aportes que estou atribuindo, nesse texto, ao Zen-Budismo, ao considerar as coisas como elas são, nem boas, nem más. “A morte e a vida, a honra e a desonra e a dor e a alegria são atribuídas igualmente a todos. Por tanto, não nos melhoram ou pioram, nem são boas ou más“. (Aurélio, 2021, p. 25).

Um dos pontos mais brilhantes que encontrei nas suas meditações diz respeito a educar o próprio pensamento, isto é, ocupar o pensamento com coisas que podem, imediatamente, ser compartilhadas, que visam o bem comum e que não compreendem vulgaridades, coisas supérfluas e/ou pensamentos para com a vida alheia.

Não desperdice a parte da vida que lhe resta pensando na vida alheia. […] Evite admitir o que é fruto do azar e supérfluo, mas muito mais o inútil e pernicioso. Deve também acostumar-se a ter unicamente aquelas ideias sobreas quais, se lhe perguntassem de repente “em que pensa agora?”, com franqueza pudesse responder no mesmo instante “nisso e naquilo”.

(Aurélio, 2021, p. 30)

Você já se pegou escondendo o que pensa durante uma interação? Por que fez isso? Isso faz algum sentido agora?? Com o que você poderia ocupar os seus pensamentos e avaliações, entendendo que, quando alguém lhe perguntasse no que você está pensando, você pudesse dizer sem medo?

Por fim, e para não me alongar mais hoje, devo voltar a escrever sobre esses temas, o estoicismo visa a educação do pensamento, o gerenciamento da emoção e o controle da ação.

Por Caio Ferreira

Referências

Aranha, M. L. A. & Martins, M. H. P. (1993). Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna.

Aurélio, M. (2021). Meditações. (Tradução de Fábio Kataoka). Barueri: Camelot

Epiteto. (2021). A Arte de Viver. (Tradução de Fábio Kataoka). Barueri: Camelot.

Fideler, D. (2022). Estoicismo e a Arte da Felicidade. São Paulo: Nascente.

Hanselman, R. H. S. (2020). A Vida dos Estoicos: a arte de viver, de Zenão a Marco Aurélio. Rio de Janeiro: Intriseca.

Montaigne, M. (1987). Ensaios. (Tradução de Sergio Milliet). São Paulo: Nova Cultural

Santos, R. (2019). Sobre a origem do ‘viver de acordo com a Natureza’ em Zenão de Cítio. Sofia. 8. 111-127. 10.47456/sofia.v8i2.21208.

Sêneca. (2007). A Brevidade da Vida. (Tradução de Luiz Feracine). São Paulo: Editora Escala.

Suzuki, D. T. (2019). Uma Introdução ao Zen-Budismo. São Paulo: Mantra.


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