Semanalmente esbarro em notícias abordando a leitura da linguagem corporal durante os processos de recrutamento & seleção. Os recrutadores (ou talent acquisition) costumam saber da importância e da vantagem em ler o comportamento não verbal de um candidato, mas muitas vezes não sabem como fazê-lo. Dessa forma, o seguinte texto visa introduzir alguns conceitos voltados aos profissionais do R&S.
Linguagem Corporal X Comunicação Não Verbal
A primeira distinção se dá entre os termos “linguagem corporal” e “comunicação não verbal”. De uma forma resumida, o segundo é mais abrangente, isto é, a comunicação não verbal diz respeito ao estudo dos símbolos e signos que podem ir desde uma placa de trânsito e que flertam com os saberes da semiótica. Já a linguagem corporal costuma envolver os gestos e ações do corpo que acontecem paralelo ou independentemente do conteúdo verbal. Nesse campo de estudo entram componentes dinâmicos como postura, expressões faciais, gestos, toques e qualidade da voz. Compreendo que o termo mais pertinente para utilizarmos ao longo desse texto será o da comunicação não verbal na interação humana, pois esse abrange os elementos dinâmicos que citei, mas também os elementos estáticos da aparência de alguém (sua roupa, cabelo, cheiro…) que também são comunicadores.
Elementos Dinâmicos, Elementos Estáticos e Congruência
Esses 2 tipos de elementos ou componentes (o dinâmico e o estático) acabam por comunicar fenômenos diferentes. Os elementos dinâmicos, como as expressões faciais, dizem respeito ao estado e/ou reação de uma pessoa frente a um contexto, informação ou questionamento, isto é, uma interação. Se eu pergunto para um candidato como foi a saída dele do último emprego, ele pode exibir alguns comportamentos faciais que a literatura associa à experiências emocionais. De uma forma prática, ele pode contrair o músculo zigomático maior, responsável pela mímica do sorriso, ou então abaixar a cabeça, pressionar os lábios e elevar o queixo. Esses sinais apontam para afetos distintos do candidato e um entrevistador que sabe interpretar esses sinais em tempo real pode usar essas informações para aprofundar um tópico, mudar o tom da pergunta e, ao mesmo tempo, ir traçando o perfil dessa pessoa.
Vale dizer que esses elementos dinâmicos podem acontecer de forma considerada congruente ou incongruente em relação ao conteúdo verbal. Ao falar sobre um bom projeto, mérito ou premiação, é comum que o entrevistado exiba sinais faciais relacionados à alegria ou ao desprezo (desprezo aqui associado à experiência de superioridade). Essas duas emoções, quando percebidas nesse tipo de discurso, são consideradas congruentes, isto é, combinam e corroboram ao que está sendo dito. Da mesma forma, o candidato pode estar falando sobre um bom projeto ou premiação que recebeu e acabar exibindo sinais associados à raiva (como a pressão nos lábios), a tristeza (como a elevação da parte interna das sobrancelhas), ou a própria aversão (como o franzir do nariz). De acordo com a técnica, essas expressões faciais são consideradas incongruentes, pois não reforçam o que está sendo verbalizado, ou que aquilo que está sendo verbalizado não combina com o que está sendo exibido pela face. Isso não significa, necessariamente, que o candidato esteja mentindo para o entrevistador, mas aponta para um afeto incompatível ao que está sendo contado. É nesse momento que o entrevistado deve explorar o tema para desvendar a origem desse desconforto que foi observado mas que não foi relatado. Com base nesse exemplo, perguntas sobre as dificuldades na execução do projeto, atrasos na entrega, relação com colegas, bem como situações de abuso e/ou assédio podem entrar em cena e você pode acabar descobrindo que o candidato realmente recebeu o prêmio ou concluiu um belo projeto, mas que isso lhe custou muito: como trabalhar em horários fora do expediente; ou como ter de lidar com pressões indevidas; ou então com um chefe assediador; ter passado por perdas ao longo do processo; ou apenas não simpatizar com o projeto que apresentou. Esse tipo de situação acontece, com frequência, em todos os tipos de entrevista: a pessoa diz algo mas os elementos da sua linguagem corporal apontam que ela não está sendo 100% transparente, ou colocando todas as cartas na mesa, então você explora mais e acaba descobrindo o contexto daquilo que você observou.
Já os elementos estáticos dizem respeito à aparência de uma pessoa e englobam o formato do seu rosto, o formato do seu corpo, seu cabelo e pelos corporais, tatuagens, cheiro, timbre vocal, roupas e acessórios. Todos esses componentes são comunicadores e contribuem para o efeito de primeira impressão. Ao ver uma pessoa, nosso cérebro leva entre 30 e 40 milésimos de segundos para enquadrá-la em um dos polos como:
- Atraente X Não Atraente
- Extrovertido X Introvertido
- Dominante X Submisso
- Competente X Não Competente
- Confiável X Não Confiável
Costumo dizer que, ainda estáticas, as pessoas estão nos comunicando sobre si. A questão da aparência pode informar tanto sobre o status de uma pessoa ou adequação ao seu contexto, quanto sobre os seus ideais de como quer ser visto e daquilo que tenta comunicar para o outro.
(Ferreira, 2021, p. 13)
Expressão Facial da Emoção
Em cursos de poucas horas de duração é possível ensinar os alunos a lerem as expressões faciais associadas às 7 emoções básicas universais (alegria, tristeza, raiva, medo, nojo, surpresa e desprezo). Como eu já produzi outros conteúdos públicos sobre esse assunto, não vou entrar nesses sinais faciais universais durante esse texto, mas recomendo, aos interessados, que assistam os 2 vídeos abaixo e também vasculhem o site do CICEM – Centro de Investigação do Comportamento das Emoções. O primeiro vídeo aborda um pouco das pesquisas associadas ao comportamento facial e o segundo vídeo comenta as alterações de aparência associadas aos protótipos faciais das emoções universais.
Sinais de Conforto X Sinais de Desconforto
Compreender as reações emocionais de um candidato é uma habilidade essencial para recrutadores, e uma das abordagens mais práticas para iniciar essa leitura é através do paradigma “conforto/desconforto“. Todos nós buscamos o conforto e evitamos o desconforto. Essas sensações básicas influenciam nosso comportamento e se manifestam na nossa linguagem corporal. Esse modelo básico, porém eficaz, permite identificar como os candidatos estão se sentindo durante a entrevista, o que pode revelar sobre sua autenticidade, confiança e adequação ao ambiente de trabalho.
Essa observação é crucial não só para entender como o candidato se sente, mas também para criar um ambiente de entrevista mais positivo e acolhedor. Demonstrar empatia e ajustar a abordagem de acordo com as reações observadas pode ajudar o recrutador a estabelecer uma conexão mais genuína com o candidato, facilitando uma comunicação mais aberta e honesta.
Em todo momento o ser humano está reagindo ao seu ambiente e experienciando prazer ou dor. Isso envolve respostas neuroquímicas que ditam nosso humor, vazam pela nossa expressividade e direcionam o nosso comportamento. O conceito de conforto e desconforto está profundamente enraizado nas experiências diárias do ser humano. Essas sensações são respostas naturais que refletem nossas reações ao ambiente e às situações que enfrentamos. O polo do conforto está associado a experiências de segurança, alegria, baixo esforço e aproximação, por exemplo. Em contrapartida, o desconforto está ligado ao medo, hesitação, afastamento e dificuldade, por exemplo.
“Desde o dia em que nascemos, transmitimos informações sobre como nos sentimos. Estamos alimentados (confortáveis) ou com fome (desconfortáveis); secos ou molhados; felizes ou irritados. […] A oscilação entre conforto e desconforto começa no minuto em que acordamos. Levantamos da cama e as costas doem ou está tudo bem com elas; o chuveiro está frio ou quente demais; não conseguimos encontrar os sapatos ou eles desapareceram; o café está forte demais ou está no ponto, e assim a vida segue. No trabalho, o documento está perfeito ou o terceiro parágrafo precisa ser refeito; a negociação que estão oferecendo é boa ou não é; Francisco é um cara divertido de se trabalhar ou estraga meu dia. E a vida segue.”
(Poynter & Navarro, 2010, p. 21)
Observar essas reações é de grande valia para se conectar com as pessoas seja em interações rotineiras ou em atividades profissionais de vendas, recrutamento ou investigação.
Ao observar esses sinais durante uma entrevista de emprego, o recrutador pode identificar se o candidato está se sentindo à vontade, confiante e interessado na vaga. É importante ressaltar que a interpretação da linguagem corporal deve ser feita de forma contextualizada, considerando a cultura do candidato e as particularidades da situação.
Quer se Aprofundar?
A Sociedade dos Psicólogos, em parceria com o CICEM e o Desenhando Interações produziu um curso EAD chamado “Desvendando os Segredos da Expressão Corporal e Processos Seletivos” com 4h de vídeo aulas e exercícios. O curso conta com acesso perpétuo e as aulas são ministradas por 2 profissionais experientes.
Na primeira parte a Bruna Passarelli aborda processos e profissionais do RH, etapas da seleção e ensina técnicas atualizadas de recrutamento para uma seleção eficiente. Já na segunda parte do curso, o Caio Ferreira fala sobre linguagem corporal, comunicação não verbal e micro expressões faciais.
Acesse todas as infos e inscreva-se já pelo link: Desvendando os Segredos da Expressão Corporal e Processos Seletivos – CICEM – Centro de Investigação do Comportamento das Emoções | Hotmart
Referências
Ferreira, C. (2021). Escritos sobre a mensuração científica da face humana: o guia do emocionauta. 2ª ed. São Paulo: CICEM.
Knapp M. Hall J. & Horgan T. (2014). Nonverbal communication in human interaction (Eigth). Wadsworth Cengage Learning.
Poynter, T. S. & Navarro, J. (2010). A Inteligência Não Verbal. Rio de Janeiro: Elsevier.
Todorov, A. (2017). Face value: the irresistible influence of first impressions. New Jersey: Princeton University Press.
por Caio Ferreira
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