A Clínica da Infância à partir de Lacan

O que é o atendimento infantil na perspectiva lacaniana?

A Psicanálise com crianças, ou Clínica da Infância, é um campo vasto e amplamente discutido entre psicanalistas de diferentes orientações. Quero, com este texto, tentar delinear alguns aspectos do atendimento com os pequenos, partindo de uma visão lacaniana.

Somando-se às muitas tarefas de um analista, o trabalho com as crianças apresenta uma particularidade importante, o dever de auxiliar na formação, na emergência de um sujeito no paciente.

O trabalho com crianças é árduo, e por muitas vezes angustiante. Percebam que nem todo psicanalista se autoriza à atendê-las, porém, todo e qualquer analista que atende crianças, atende também adultos. Curioso, não?

O começo da clínica da infância

Freud nunca atendeu crianças. Pelo menos não diretamente. É bom lembrar que um dos casos relatados pelo psicanalista foi o “Pequeno Hans”, um garoto que à época com anos que fora levado ao tratamento por seu pai.

Freud conduziu este caso de forma indireta, ao passo que as sessões eram realizadas com o pai do menino.

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(Imagem retirada da Internet)

Anna Freud, filha de Sigmund Freud, e Melanie Klein foram as primeiras psicanalistas à atenderem crianças de fato. A primeira em uma perspectiva psicopedagógica, aproximando o trabalho da análise com a educação. A segunda, trazendo avanços notáveis quanto à equiparação do trabalho lúdico da criança com a associação livre no atendimento com adultos, e a formalização da técnica do brincar em sessão.

Lacan e a Clínica da Infância

Criança no espelho

(Imagem retirada da Internet)

Lacan também nunca atendeu crianças. Todavia, alguns de seus colaboradores e seguidores, sim. Gostaria de destacar o trabalho de duas figuras importantes desse meio.

A primeira é Françoise Dolto, colaboradora de Lacan desde o início de seu contato com a Psicanálise, inclusive sendo criticada como o próprio Lacan, por suas reformulações da técnica psicanalítica, que não foram vistas com bons olhos pela IPA (Associação Internacional de Psicanálise), culminando em suas expulsões.

Dolto foi precursora do atendimento infantil pela gramática lacaniana, formando uma clínica vastíssima. O conceito de pagamento simbólico, hoje adotado por analistas lacanianos, foi formulado por Dolto.

O pagamento simbólico trata-se de implicar a criança em seu tratamento, que naturalmente é custeado pelos pais, ou cuidadores. Para tanto, o psicanalista indica que a criança deverá produzir e entregar algum material, geralmente gráfico, semanalmente. Exemplos frequentes são crianças que desenham seu próprio dinheirinho e pagam a sessão, ou desenhos livres que são entregues ao analista. Atua como uma forma de fazer a criança refletir a importância que se está desenvolvendo em análise.

A segunda é Maud Mannoni, analista francesa, de origem neerlandesa que esteve presente nos seminários de Lacan. Mannoni fundou a Escola de Bonneuil, centro de referência em atendimento e educação para crianças autistas. Tema este (o autismo), que junto à psicose infantil, aparecem de forma muito frequente nos trabalhos da analista.

Sugiro a leitura do livro A Criança, sua “Doença” e os Outros, texto fundamental de Mannoni acerca da clínica da infância, onde trata de questões angulares na clinica, como o lugar da criança no fantasma dos pais, e a resistência do analista que se apresenta com frequência em atendimentos com infans.

Algumas considerações importantes acerca do trabalho com crianças na abordagem lacanianadevem ser feitas. Não propõe-se o uso de brinquedos, como na perspectiva kleiniana. Não que seja abominado o trabalho com brinquedos, mas não atribui-se um significado pré-concebido à cada material. Se a criança propuser o uso de algum brinquedo, ou mesmo trouxer para a sessão, não há problema. O importante é o que ela fala sobre o brinquedo.

Nesta concepção, não é o brinquedo que faz o brincar. Na sessão o corpo do analista entra em cena, entra no jogo. As brincadeiras são formuladas na hora, à partir do discurso da criança.

A resistência na Clínica da Infância

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(Imagem retirada da Internet)

A resistência é sempre do analista, dizia Lacan. Isso se mostra de forma ainda mais gritante nos atendimentos com crianças. Alguns fatores devem ser observados nesse sentido.

No atendimento com crianças, em geral, não se fica sentado na poltrona, como quando se atende um adulto. O chamado “setting”* é quebrado. O que assusta muita gente.

No tratamento de adultos, no fundo, atende-se a criança do adulto. E de uma forma muito particular, o paciente infantil interpela e questiona a criança do analista (e o saber do analista, enquanto tal). A análise pessoal se mostra outra vez imprescindível.

A Clínica da Infância no Brasil

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(Imagem retirada da Internet)

Em nosso país temos alguns pesquisadores e clínicos importantes que tratam da clínica infantil. Alguns deles trabalham um debate riquíssimo em Psicanálise que sãoas relações entre Psicose e Autismo. Discussão esta que buscarei fazer em outro texto, devido à sua complexidade e extensão.

Sugiro o acompanhamento dos trabalhos da Dra. Maria Cristina Kupfer, fundadora do Lugar de Vida, na Universidade de São Paulo, clínica especializada no atendimento à crianças com hipóteses diagnósticas autistas e psicóticas. Segue-se, nesse espaço, o modelo da já citada, Escola de Bonneuil. É editora ainda a revista Estilos da Clínica, publicação importante na área em nosso país.

Outra leitura recomendada é a dos materiais produzidos pelo Dr. Alfredo Nestor Jerusalinsky, psicanalista argentino, radicado em Porto Alegre. Clinica e escreve sobre a clínica, tendo vasta experiência com crianças. Foi um dos fundadores da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre), e atualmente dirige a clínica do Centro Lydia Coriat, também na capital Gaúcha.

 

Até a próxima.

*Não posso deixar de comentar que esse termo é proveniente de outro campo teórico, não sendo pertencente à Psicanálise. O “setting” na Psicanálise seria algo aproximado do próprio analista, e de seu desejo enquanto tal.

 

Referências

Atendimento infantil na Psicanálise- Falando nisso – Christian Dunker

A Criança, sua “Doença” e os Outros – Maud Mannoni

 

Por Igor Banin

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